O início em Barueri SP
A Essa história começa na cidade de Barueri, interior de São Paulo no ano de 1956.
Seu Carlos vai com a família: Dona Gisa, o filho Renato de 5 anos, e o mais novo, Reinaldo com 3 anos de idade.
Mudaram de Santos para lá, por causa de um convite feito a ele (desempregado), para tomar conta de um sítio na cidade.
O sítio é grande, com um pomar, onde vários tipos de árvores frutíferas crescem.
Próximo ao sítio um enorme lago, onde costuma pescar nos fins de semana.
Aproveita para além de ganhar seu salário como caseiro, faturar um troquinho a mais, vendendo frutas e os peixes que pesca, no centro da cidade.
A vida para as duas crianças é própria de quem vive no meio do mato, apenas em contato com os pais, por isso quando chega alguma visita em casa seja de parentes de Santos, ou amigos do pai, eles correm se esconder debaixo da cama.
“Verdadeiros bichos do mato”, dizem os parentes.
Afora isso, o divertimento dos dois é correr por entre as árvores, e brincar no balanço que seu Carlos fez para eles aproveitando uma das árvores do pomar.
Ir para perto do lago nem pensar, é muito perigoso.
É numa dessas brincadeiras que Reinaldo quase se dá mal.
Tapando a cabeça com um saco de açúcar, deixando apenas os buraquinhos para os olhos a boca e o nariz, ele está brincando com Renato de pega-pega.
De repente cai de cabeça no côrrego que atravessa o sítio e desemboca no lago.
Apavorado Renato corre para casa, para avisar a mãe, mas está tão nervoso que só faz gesticular e apontar para o côrrego.
Pressentindo o que está acontecendo, dona Gisa corre para o local que Renato está apontando.
Chama um rapaz que sempre àquelas horas, está nadando ou pescando no lago que consegue tirar Reinaldo do corrego. Paulo é seu nome.
Agradecida dona Gisa, mesmo com Reinaldo já fora de perigo, o leva ao hospital.
Á noite, quando seu Carlos chega de mais um dia de vendas na cidade, fica a par dos acontecimentos. Convida Paulo para comer uma carpa que ele havia pescado e trava-se ali uma amizade.
Seu Carlos o chama para jogar no time que eles estão formando no bairro e Paulo aceita.
Essa é a vida rotineira da família. Para seu Carlos, vender peixe e frutas na cidade e no fim de semana bater uma bolinha. Para dona Gisa, as costumeiras tarefas caseiras, e para os meninos, brincar, correr e se esconder das visitas.
Mas aquela rotina, porém, estava terminando.
De volta a Santos
Seu Carlos consegue um emprego como (condutor) de bondes em Santos.
Estamos no ano de 1958, e a família se encontra agora no Bairro do José Menino, na casa dos avós paternos.
Renato já está com sete anos, estuda na Escola Brás Cubas.
O primeiro dia de aula foi marcado por muito choro, pois a mãe o havia levado até a porta da escola, e como nunca havia se separado dela, ficou desesperado quando teve que entrar sozinho para a sala de aula. Dona Gisa prometera que no final da aula o buscaria, mas, mesmo assim foi difícil conter o choro.
Ela trabalhava em um laboratório de fotografias e sempre dava um jeitinho de sair para apanhá-lo na escola, e levá-lo para casa, onde ficava em companhia do irmão e dos avós.
Nesse mesmo ano dona Gisa deixou o emprego para se dedicar mais aos filhos, pois estavam de mudança para a Vila Margarida em São Vicente, onde seu Carlos conseguira comprar uma casinha.
Vila Margarida e a cadelinha Diana
Renato então vai estudar no Colégio Martim Afonso.
Costuma ir a pé para a escola, sempre escoltado por sua vira-lata Diana, que o deixa na porta da escola e depois volta sozinha para casa.
O incrível é que ela pressentindo a hora em que Renato termina os estudos, vai para lá para acompanhá-lo de volta. (isso porque os animais não pensam).
Alguns meses depois, seu Carlos chega em casa à noite eufórico, e comenta com dona Gisa, que recebeu uma proposta de trabalho do IBC Instituto Brasileiro do Café. Órgão Público Federal criado em 1952.
Ele já tinha mexidos os pauzinhos, tempos antes através de alguns políticos da cidade, e agora estava sendo recompensado.
Sua função: (fiscal no cais de Santos).
A separação
No início de 59, recebe outra proposta, mas desta vez do próprio IBC, para trabalhar na Capital onde além do salário, irá ganhar o que ele chama de diária.
A disponibilidade para o serviço é de um ano, mas dependendo da safra de café pode se estender por muito mais tempo.
Conversa com dona Gisa que se mostra apreensiva.
- Mas... e o Renato, como vamos fazer com os estudos dele?
- O Renato não vai conosco, minha ideia é vender esta casa, e ir embora. Ele vai ficar com sua irmã Bel, daqui a pouco vamos à sua casa para conversar com ela. Tenho certeza que nem ela nem o Wilson irão se opor.
- Ái meu Deus, vamos ter que nos separar de nosso filho?
- É só por este ano, depois ele vai conosco, pois pretendo ficar muito tempo lá.
O local para onde ele irá chama-se Jaguaré, um bairro de São Paulo, cujo armazém, está necessitando de um bom fiscal furador, e seu Carlos se enquadra perfeitamente no que eles precisam.
Chama Renato depois da janta, e conversa com ele que não acredita no que está ouvindo. Vão embora para outro lugar e não querem levá-lo?
- Olha será por pouco tempo, logo você termina o ano na escola e poderá vir conosco.
- Mas pai, estamos no começo do ano, até dezembro tem muito tempo.
- Eu prometo que nos finais de semana descemos para ficar com você, ok?
Inconformado, Renato vai para seu quarto e não consegue dormir, só faz chorar, com o coração apertado.
Mas infelizmente está tudo resolvido.
A casa é vendida, e Renato vai morar com os tios.
O que o entristece também, é o fato de não poder levar Diana.
Mas com ou sem tristeza lá estava ele na casa dos tios.
Tinha duas primas e um primo (Sandra, Sonia e Wilsinho)
Os pais realmente desciam a serra nos fins de semana para visitá-lo e passeavam pela praia.
No domingo a noite já pressentindo o desfecho da segunda feira, se recolhia a um canto para chorar.
A mãe vinha consolá-lo, dizendo que na manhã de segunda, o pai vai levá-lo.
- Mas você tem que prometer que vai estar acordado, senão teu pai não te leva.
Como ele não acordava (porque não o chamavam), ele não viajava, e quando acordava e via que tinha sido enganado, os ouvidos dos tios e primos é que sofriam com sua choradeira.
Toda final de semana essa história se repetia.
E toda segunda feira, a choradeira também. (claro que o pai nunca iria levá-lo porque na segunda era dia de aula).
Um dia Renato resolveu que não iria dormir naquele domingo.
- Quero ver se meu pai me leva ou não, pensou.
Ficou acordado até ás 4 da manhã, sem fazer barulho, pois os primos dormiam no mesmo quarto.
Quatro e meia, seus olhos já não acompanhavam seus pensamentos e o sono o dominou.
Conclusão: Foi o dia que mais tarde ele levantou.
Dessa vez nem teve tempo de chorar pois estava atrasado para a escola.
O pior de tudo foi saber que os pais religiosamente acordavam às 5 horas, ou seja: por causa de meia hora, ele acabou vendo seu plano falhar.
Mas as férias do meio de ano estavam chegando e o pai prometera levá-lo para o Jaguaré.
Contava nos dedos, os dias, as horas, os minutos e os segundos.
E as férias chegaram.
Férias no Jaguaré
No dia da viagem, parecia outra criança.
Estava alegre, sorridente e muito feliz.
Para ele Jaguaré que só ouvira falar da boca do pai, era um outro mundo.
São Paulo era um outro mundo, para quem estava acostumado com Santos e São Vicente.
Nem o Guarujá conhecia ainda.
E foram as férias mais gostosas de sua vida (se bem que estas eram suas primeiras férias).
Todos os dias seu Carlos levava ele e Reinaldo ao armazém onde ele trabalhava e os dois se divertiam correndo por entre as sacarias de café.
Renato gostava de ver o pai trabalhando.
Tinha um objeto cilíndrico na mão ao qual ele chamava de furador. Uma espécie de punhal com uma abertura onde os grãos de café, deslizavam indo parar na palma de sua mão.
- Põe na 5ª, mete na 3ª, enfia na 2ª, gritava ele para os homens que em fila, passavam por ele com sacos de café na cabeça, cada um pesando 60 quilos.
A frase do pai referia-se ao tipo de café que lhe chegava à mão.
Cada tipo ia para a pilha certa nos corredores do armazém.
As férias estavam acabando e a cada dia próximo do seu fim, era um tormento em sua cabeça e um aperto em seu coração.
Mas com ou sem aperto, ele teria que cumprir o segundo semestre de seus estudos.
Foi o semestre mais penoso de sua vida.
Sabia que se não passasse, poderiam continuar morando por mais um ano na casa dos tios.
Mas por outro lado, se passasse, também poderia prosseguir o segundo ano lá.
Porém mais uma vez o destino e o espírito de aventureiro do pai, mudaram o rumo das coisas.
No final do ano, o armazém do Jaguaré, já não necessitava de um fiscal a mais, por isso seu Carlos fora mandado de volta para o cais de Santos.
Todos foram morar na casa de tia Alice irmã mais velha de dona Gisa, agora na Vila Mathias, pois a casa da tia Bel, era pequena para a família toda.
Renato havia passado de ano e dona Gisa matriculou-o no Cesário Bastos, ali próximo da casa da tia, onde ficou pouco mais de três meses pois seu pai já havia mexido os pauzinhos para ganhar a bendita diária em outra cidade.
Um dia, não sei por qual motivo, Renato levou uma surra de cinta feito gente grande de dona Gisa, (deve ter sido algo muito feio porque a tia Alice, para conter seu choro, levou-o ao cinema a tarde onde assistiram Marcelino Pão e Vinho).
E Renato se acalmou ajudado por um saco de pipoca.
Voltando a diária do pai...
O coração de Renato, já sentia mais uma vez, um ano de abandono, porém, para sua felicidade seu Carlos comunicou que ele iria junto.
- Nada de separação mais, senão o menino cresce e a gente nem vai ter tempo de acompanhar sua infância, disse o pai à dona Gisa, sem perceber que Renato estava ouvindo.
Com o histórico do Cesário Bastos na mão, dona Gisa poderia matriculá-lo na outra cidade.
Araraquara, essa era a cidade onde eles iriam morar. O chorão como os tios e os primos o chamavam, nunca mais choraria.
Campos de Aracoara "Lugar onde mora o sol"
Na viagem, ia observando encantado, as árvores na estrada, as fazendas os bois e vacas que pastavam mansamente, córregos, rios.
Tudo lhe chamava a atenção e ao seu irmão.
Mais bonita ainda do que a viagem para o Jaguaré. Tudo era diferente, o clima, a paisagem.
E sua cabecinha nos quase oito anos de vida, era povoada por mil coisas.
Chegaram a casa, e o pai teria que comprar tudo desde roupas e móveis, até fogão e geladeira, pois segundo ele, o pouco que tinham, pois, estavam vindo da casa da tia, não compensava uma mudança cara, optando por deixar as coisas por lá mesmo.
O primeiro mês foi penoso, pois tinham que dormir no chão apenas com algum cobertor como forro.
Seus pais acordavam pela manhã com dores terríveis nas costas, e dona Gisa corria para o fogão à lenha preparar o café, enquanto seu Carlos ia a padaria buscar pão e leite fresquinhos.
Era penoso, mas o que importava é que estavam todos juntos.
No primeiro pagamento, seu Carlos comprou cama para todos, e no segundo, fogão e uma geladeira usada.
Renato no segundo ano primário sentia dificuldades em estudar, pois o ensino em Araraquara era diferente do que aprendera no Martim Afonso. Para Reinaldo que entrava na escola pela primeira vez, não estava fazendo muita diferença.
Ainda sem amizades para poderem ir para a rua brincar com outros meninos, eles a exemplo do Jaguaré, iam ver o seu Carlos trabalhar.
- Põe na 4ª, enfia na 2ª...
Nos fins de semana, iam à casa de um amigo do pai, onde sempre saboreavam um delicioso sorvete que a esposa preparava.
Os dois filhos desse amigo, tinham nomes estranhos: Irapuã e Pujakan.
Irapuã o mais novo, se apresentava como cantor todos os domingos pela manhã, no auditório da rádio local.
A Ferroviária do grande Bazzani, era uma força do futebol do interior, e ganhar dela em seus domínios não era tarefa fácil, nem mesmo para o Santos F.C. que naquele início de década, já dava o ar de sua graça.
Santos que tinha sido campeão paulista em 55, bi em 56, Campeão do Torneio Rio-São Paulo em 1959, e novamente campeão paulista em 1960.
A história de Araraquara, começa em 1807, quando Pedro José Neto e seus filhos oriundos de Minas Gerais, internam-se nas matas onde hoje está São Carlos e acabam fixando-se nos campos aonde viria se formar a cidade.
Construíram então uma capelinha dedicada a São Bento (padroeiro), nos campos de Aracoara (lugar onde mora a luz do dia, a “Morada do Sol”), na região dos campos de Piratininga, habitada por indígenas da tribo Guaranis. Em seis de fevereiro de 1889 é elevada à categoria de cidade pela Lei Provincial n.° 7. Sua data de fundação conta de 30 de outubro de 1817.
Seu aniversário é comemorado em 22 de agosto.
Araraquara faz divisa com São Carlos, Américo Brasiliense, Matão, Ibaté, Boa Esperança do Sul, Mutuca, Santa Lúcia, Rincão e Gavião Peixoto. Está distante da capital, 270 quilômetros e sua altitude é de 664m do nível do mar.
Na década de 60 tinha 81.600 habitantes. No censo de 2007 contava com 195.815.
Outro divertimento dos meninos era levantar-se da cama pela manhã, ao menor ruído de mangas caindo de uma árvore da casa do vizinho, que tinha como cerca, apenas arbustos, fáceis de serem pulados.
O problema é que o filho do vizinho também ouvia o barulho das mangas, e quando via que Renato e Reinaldo já estavam lá com as mãos cheias de mangas (ainda verdes), brigava com eles.
- Mas nós chegamos primeiro, dizia Renato.
- Mas a mangueira é do meu pai, retrucava o garoto.
No fim acabavam repartindo as mangas, e lá iam os três come-las verdes com sal.
A primeira travessura perigosa, que os dois fizeram, foi trancar-se no banheiro que ficava fora da casa, para fumar talo de xuxú seco.
Quando dona Gisa sentia aquele cheiro desagradável, e via a fumaça saindo do banheiro, aí a cinta cantava alto. Mas no dia seguinte tudo se repetia, mangas verdes, escola e IBC talo de xuxú seco e cinta.
Só no domingo a rotina mudava, quando eles iam ver Irapuã cantar na rádio, e depois a tarde tomar sorvete na casa de seus pais.
Já haviam feito algumas amizades na escola e até seu sotaque estava mudando.
Agora começavam a deixar o medo de lado, e se aventuravam em brincadeiras longe de casa.
Numa dessas brincadeiras, Reinaldo (sempre ele) ao tentar pular num enorme buraco no depósito de lixo, onde os homens queimavam tudo o que o caminhão do lixo apanhava na cidade, acabou se queimando.
O buraco parecia aparentemente apagado e só uma fumacinha aqui e ali ainda saia dele.
O problema é que embaixo justamente onde ele havia pulado, as brasas estavam vivas, e Reinaldo, pulou para fora do buraco correndo e gritando para casa.
Pior ainda foi se enfiar no tanque cheio de água que dona Gisa havia armazenado para lavar a roupa.
Apavorada, correu com ele para o hospital.
Foram várias semanas de molho em casa, sem escola, sem mangas e sem divertimento.
1960 chegava ao seu final e seu Carlos já planejava voltar a Santos.
E quando ele planejava, podia-se contar que a coisa já estava mais que definida, pois tudo para ele era num estalar de dedos.
E lá ia a coitada de dona Gisa, empacotar as coisas.
Catiapoã e o Golfe Club de São Vicente - Campo dos Ingleses
Assim, no início de 61, lá estavam eles no bairro do Jóquei Clube em São Vicente.
Os meninos haviam se matriculado na Escola Municipal 9 de Julho, no centro da cidade, um pouco distante de onde moravam e a rotina agora era escola pela manhã e à tarde ir perturbar os cavalos que pastavam próximo ao Hipódromo do Jockey Club.
O Santos tornara-se bi-campeão paulista em 61, com goleadas sobre o Corínthians (5x1) São Paulo (6x3), Juventus (10x1) e Pelé, o artilheiro com 47 gols seguido de Pepe com 24.
Não ficaram muito tempo no Jóquei, e novamente se mudavam para uma casa nova, que o próprio avô Luis havia construído, e o aluguel estava saindo mais em conta para ao bolso de seu Carlos.
O bairro agora era o Catiapoã próximo ao Golfe Club, mais conhecido como o Campo dos Ingleses.
Renato já estava no terceiro ano escolar e Reinaldo no segundo.
Tinham por hábito, juntamente com a tia Judite, mais velha que Renato apenas dois anos, levar. marmita para o avô que agora estava construindo casas em outro bairro de São Vicente.
Para isso, iam até sua casa no Jóquei onde a avó Marieta já tinha a marmita preparada.
Na volta entravam pelo Golfe Club que tinha muitas árvores e um lindo campo próprio para a prática do golfe.
Faziam mil e uma peripécias para despistar os jogadores, pois era proibido passar por ali.
Normalmente conseguiam pois não era sempre que o local ficava cheio de gente.
Um dia ao tentar atravessar o campo, foram perseguidos e no desespero para não serem pegos, pularam os três, alguns arbustos, indo se estatelar no meio da rua.
E lá se foi a marmita do avô.
Para voltar para a casa da avó e explicar o que tinha acontecido é que foi o problema, pois a comida era contadinha para cada um.
Naquele dia o avô teve que comer um sanduíche na venda da esquina onde trabalhava.
Os meninos preferiram ficar umas semanas sem aparecer por lá até as coisas se acalmarem.
Atravessar o Campo dos Ingleses então, nem pensar.
Zona Noroeste de Santos
Mais uma vez o bichinho da aventura, coçava seu Carlos, e agora estavam se mudando para o Jardim Rádio Clube, um bairro na Zona Noroeste de Santos.
Dessa vez ele não foi porque queria um lugar melhor, e sim por necessidade, pois não estava dando conta de pagar o aluguel da casa no Catiapoã.
Seu Carlos dizia que estava procurando o melhor para sua família, mas esse melhor nunca chegava.
Dona Gisa se resignava com tudo, pois, sabia que o marido era trabalhador e esforçado, e se as coisas não saiam como ele havia planejado, era o dever dela como esposa, dar-lhe todo o apoio.
Seu rosto estava sofrido, de tanto vai e vem, sentia-se cansada, mas, nunca fez com que isso atrapalhasse seu relacionamento com ele e os filhos.
As coisas realmente estavam difíceis, e quando não tinham mistura, os meninos assim que chegavam da escola, pegavam as varas de pescar e corriam para o dique que era próximo de sua casa.
Ali pescavam um peixe chamado Cará (mas só os pequenos que eram mais fáceis de fritar os grandes eles devolviam ao mar).
E assim a mistura do dia estava garantida, e quando o pai chegava, ficava feliz com suas atitudes.
Eles continuavam estudando no 9 de Julho, e seu Carlos havia comprado sapatos com solado de pneu, para que os dois fossem e voltassem a pé. (são baratos e duram até acabar), brincava ele.
Um som estranho está no ar
Estão os meninos brincando na sala, depois do almoço regado a peixe frito, quando no rádio da cozinha ouvem uma música estranha que começa com uma contagem: “One, Two, Three, Four..., e segue com uma batida diferente da batida que Renato está acostumado a ouvir, no mesmo rádio.
Tem a levada do Rock and Roll, mas é diferente do que já ouviu até agora, com Elvis, Bill Halley, Del Shannon e a música maluca do também maluco Jerry Lee Lewis.
Renato está acostumado a ouvir Neil Sedaka, Paul Anka, Chubby Checker, Chucky Berry e tantos outros.
Gosta mais das versões em português cantadas por Celly Campello e seu irmão Tony, e também Carlos Gonzaga (para ele, muito mais bonitas que as originais).
A música que está ouvindo tem alguns efeitos vocais à la Little Richard, mas não é ele, sente que alguma coisa diferente no universo da música está para acontecer. Só não o sabe o que, exatamente.
No final o DJ anuncia o nome da banda, “Bitols?”, “Beetles?”. Ah sim! “The Beatles” A música: I Saw Here Stadiyng There.
Após a janta, Renato vai dormir mais cedo, pois no dia seguinte tem prova.
Até que o sono o domine, aquela música fica martelando em sua cabeça: “One, Two, Three, Four”...
Finalmente termina o 4° ano primário. Reinaldo, passa para o 3° ano.
Estamos no ano de 64, e novamente seu Carlos, vem com a novidade:
A Vila mais famosa do mundo e o primeiro emprego
- Vamos mudar para o bairro do Marapé. É mais próximo do cais, e o lugar é bem melhor do que aqui.
Em pouco dias, já estão morando no novo endereço.
Rua Joaquim Távora 414, apto 15, próximo do cais, e mais próximo ainda da Vila Belmiro, que já se tornou famosa por causa das inúmeras conquistas do Santos F.C..O Bi da Libertadores da América 62/63, o Bi mundial nos mesmos anos, e a consagração do menino de Três Corações – MG – Pelé.
O Santos já tem até ali, o tri campeonato paulista o tri da Taça Brasil e o campeonato do Torneio Rio-São Paulo.
A Beatlemania
A preocupação de Renato é conseguir um emprego, pois além de querer ajudar o pai, quer saber mais sobre aquela música que tinha escutado.
Seu Carlos acata seu pedido e com o conhecimento que tem na área do café, consegue para ele um emprego na Cia. Bandeirantes de Armazéns Gerais no centro da cidade, como ajudante.
Está agora com 13 anos.
No primeiro pagamento, compra o tão sonhado álbum “Beatlemania” que traz aquela música que não lhe sai da cabeça.
Compra também a revista que fala tudo ou quase tudo sobre eles.
Descobre que são quatro rapazes da cidade inglesa de Liverpool , uma cidade portuária como Santos, e que por assim ser, as coisas acontecem e aparecem por lá em primeira mão.
Descobre também que eles são: John Lennon. Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr.
O álbum que agora tem em mãos é na verdade uma compilação de dois álbuns anteriores:
Please Please Me o 1° de 11 de fevereiro de 63 e With The Beatles de novembro do mesmo ano.
Além disso tem duas músicas que saíram apenas em CS (Compacto Simples): I Want to Hold Your Hand e She Loves You.. (do refrão dessa última, sairia a frase: Os Reis do Ié,Ié,Ié).
Comprou o disco e a revista com seu dinheirinho, mas não se atreve a mostrar ao pai, que detesta tudo que venha dos Estados Unidos. (acha que os Beatles são americanos). Renato também achava até comprar a revista.
Na rádio-vitrola que o pai acabara de comprar, só toca tango, bolero, valsa, músicas de Vicente Celestino, Silvio Caldas, Nelson Gonçalves e Orlando Silva.
A situação em casa melhorou muito, pois além da vitrola, o pai comprou também uma TV, coisa que só alguns têm.
É nela que ele gosta de assistir programas de música italiana e a Família Trapo.
Se quiser ouvir seu disquinho, Renato terá que esperar a melhor oportunidade, geralmente no final de semana quando seu Carlos pega dona Gisa e vai visitar os parentes.
Esconde o disco e a revista entre suas coisas no guarda-roupa e só quem sabe dessa compra é a mãe e o irmão.
Nesse domingo não vai dar para ouvir o disco, pois tem jogo na Vila, e com certeza o pai vai querer levá-los.
De fato, no domingo lá estão os três, junto com uma multidão torcendo pelo Peixe, que é representado por uma baleia (coisas da vida).
Renato não se arrepende de ter trocado, os Beatles pelo futebol. O Santos goleia o Botafogo de Ribeirão Preto, por 11 x 0 com direito a show, e oito gols de Pelé.
O time desde o início da década de 60 é uma máquina de fazer gols (e de tomar também) pois se o ataque com Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe inferniza as defesas adversárias a sua defesa deixa a desejar.
Por isso o placar dos jogos do Santos, geralmente é elástico. (5x4), (6x5) e (7x4) como no resultado contra o Corinthians nesse ano de 64.
O lema é o seguinte: “Não se preocupem com a defesa, nós lá no ataque garantimos a vitória”.
Nesse ano o Santos será bi-campeão do Torneio Rio-São Paulo em 1° de maio e campeão paulista em 13 de dezembro.
Pânico no Urbano Caldeira
E nesse ano ainda acontecerá uma quase tragédia na Vila mais famosa.
É um jogo contra o Corinthians em 20 de setembro que para variar lota o estádio.
As tábuas que sustentam as arquibancadas atrás do gol (antigo placar) se rompem e dezenas de torcedores se ferem, inclusive Reinaldo (olha ele novamente) que cai no gramado, e rapidamente é socorrido pelo goleiro do Corinthians e levado para o vestiário, e de lá para a Santa Casa.
Reinaldo tinha se separado de seu Carlos e de Renato, e fora sentar em outro lance das arquibancadas (justamente o lance que se rompera).
Apavorados vão para casa, na esperança de que Reinaldo lá esteja, mas quando chegam e comentam com dona Gisa, aí o desespero aumenta.
Na TV o noticiário fala do acontecimento, e aí pronto, é uma choradeira só, por parte de dona Gisa.
Seu Carlos pega Renato, e está preste a ir à Santa Casa, quando chega Reinaldo, com uma enorme faixa na cabeça. Tinha ferido a testa mas estava bem.
Felizmente, naquele episódio, as pessoas só tiveram ferimentos. (segundo os noticiários).
No domingo seguinte os pais vão visitar os parentes e levam Reinaldo que ainda está se recuperando do ferimento.
Sozinho no apartamento ele se esbalda de tanto ouvir Beatles e com um inglês mais do que sofrível tenta acompanhar I Saw Here Stading There (adora imitar o grito de Paul McCartney, mas sua voz já mudando devido à adolescência, não consegue acompanhar).
A música fala da emoção que um rapaz sente ao atravessar o salão de baile para convidar a moça para dançar. “Eu a vejo parada ali”, seria mais ou menos a tradução.
Roberto e Erasmo fariam algo parecido em “A Garota do Baile”, no álbum Roberto Carlos canta para a Juventude, em 1965.
Dona Gisa sente seu Carlos um tanto preocupado e perguntado do por que, este diz que ouviu uns boatos nos cais de que haverá uma intervenção militar no País.
Pelé é indiscutivelmente o Rei do Futebol e Roberto Carlos vai se firmando cada vez mais como o Rei da Juventude.
Agora temos dois reis, para desviar as atenções e dissipar a nuvem negra que insiste em pairar sobre a nossa bela e querida Pindorama.
A nuvem, porém, permanece, e os comentários de seu Carlos têm razão de ser.
E assim a vida de todos os brasileiros terá uma mudança radical.
Uma pausa para falar de um assunto vergonhoso, mas, que infelizmente faz parte da história de nosso país:
A implantação do Regime Militar no Brasil, conhecido como Golpe Militar.
O fatídico nº 7
Sete anos depois do suicídio de Getúlio Vargas, sete meses depois da posse, o presidente Jânio Quadros precipitou com sete linhas manuscritas, a sequência de crises que desembocaria, sete anos mais tarde, no Ato Institucional nº 5 e na instauração da ditadura sem camuflagem.
"Ao Congresso Nacional.
Nesta data, e por este
instrumento, deixando com
o Ministro da Justiça, as
razões de meu ato, renuncio
ao mandato de Presidente
da República".
Brasília, 25.8.61
Jânio Quadros
A crise política vinha se arrastando já há algum tempo, desde a renúncia de Jânio Quadros em 1961, tendo como vice, João Goulart (Jango) que assumiria a presidência num clima político adverso de 1961 até 1964.
Seu governo foi marcado por aberturas às organizações sociais.
Estudantes, organizações populares e trabalhadores ganharam espaço, e isso preocupava as classes conservadoras: Empresários, banqueiros, militares, a classe média e a Igreja Católica, que viam em Jango um perigo vermelho e temiam que o Brasil desse uma guinada para o lado socialista. (o mundo vivia o auge da Guerra Fria).
Seu estilo populista de esquerda chegou a preocupar os Estados Unidos, que junto com as classes conservadoras brasileiras, temiam um golpe comunista. Jango foi acusado pela UDN (União Democrática Nacional) e pelo PSD (Partido Social Democrático), de estar planejando um golpe de esquerda e de ser o responsável pela carestia e o desabastecimento que o Brasil enfrentava.
Em 13 de março Jango realiza um grande comício, no Rio de Janeiro onde defende reformas na estrutura agrária, econômica e educacional.
No dia 19 de março os conservadores organizam uma manifestação contra suas intenções.
É a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reúne milhares de pessoas pelas ruas do centro de São Paulo.
O clima de crise política e as tensões sociais aumentam a cada dia.
No dia 31 de março tropas de Minas Gerais e São Paulo saem às ruas e para evitar uma guerra civil, Jango deixa o país se refugiando no Uruguai.
Os militares tomam o poder. E em 9 de abril é decretado o primeiro Ato Institucional o AI-1, que cassa mandatos políticos de opositores ao regime militar e tira a estabilidade de funcionário públicos.
Castello Branco, general militar é eleito pelo Congresso Nacional presidente da República, e embora em seu primeiro pronunciamento declare que defenderá a democracia, ao iniciar seu governo, assume uma posição autoritária.
Estabelece eleições indiretas para presidente, dissolve partidos políticos e vários parlamentares federais e estaduais têm seus mandatos cassados.
Cidadãos vêm seus direitos políticos e constitucionais cancelados e sindicatos recebem intervenção do governo militar.
É em seu governo que é instituído o bipartidarismo e só está autorizado o funcionamento de dois partidos: o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e a ARENA (Aliança Renovadora Nacional).
Enquanto a primeira é de “oposição”, de certa forma controlada, o segundo representa os militares.
O governo impõe em janeiro de 67 uma nova Constituição para o país e aprovada no mesmo ano, confirma e institucionaliza o regime militar e suas formas de atuação.
Em 1967 assume o governo o general Arthur da Costa e Silva, sendo eleito de forma indireta pelo Congresso Nacional.
Seu governo é marcado por protestos e manifestações sociais.
A oposição ao regime militar cresce no país e a UNE (União Nacional dos Estudantes) organiza, no Rio de Janeiro, a passeata dos Cem Mil.
Em Contagem (MG) e Osasco (SP), greves de operários paralisam fábricas em protesto ao regime.
A guerrilha urbana começa a se organizar.
Formada por jovens idealistas de esquerda, assaltam bancos e sequestram embaixadores para obterem fundos para o movimento de oposição armada.
Em 13 de dezembro de 1968 é decretado o ato mais odioso e vergonhoso de que se tem notícia.
O AI-5. É o mais duro ato do governo militar, pois aposenta juízes, cassa mandatos e acaba com a garantia do habeas-corpus além de aumentar a repressão militar e policial.
Estando adoentado Costa e Silva é substituído por uma junta militar formada por ministros.
Dois grupos de esquerda, o MR8 e a ALN sequestram o embaixador dos EUA, exigindo em troca de sua liberdade, a libertação de 15 presos políticos.
A exigência tem sucesso, porém, em 18 de setembro, o governo decreta a Lei de Segurança Nacional.
Esta lei impunha o exílio e a pena de morte em casos de “guerra psicológica adversa, ou revolucionária, ou subversiva”.
No final de 1969, o líder da ALN, Carlos Mariguella, é morto pelas forças de repressão de São Paulo.
O governo do general Emilio Garrastazu Médici (1969 a 1974), é considerado o mais duro e repressivo do período, conhecido como “anos de chumbo”.
A repressão à luta armada cresce e uma severa política de censura é colocada em execução.
Jornais, revistas, livros, peças teatrais, filmes, músicas e outras formas de expressão artística são censuradas.
Muitos professores, políticos, músicos, artistas e escritores são investigados, presos, torturados ou exilados do país. O DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações e ao Centro de Operações de Defesa Interna) atua como centro de investigação e repressão do governo militar.
Torniquete, pau de arara, cadeira do dragão, maquininha de choque, polé ou roldana, passaram a fazer parte do vocabulário do povo. Eram métodos de tortura aplicados a todos os considerados nocivos ao bom andamento do regime.
Por outro lado, o Brasil crescia rapidamente e o período que vai de 1969 a 1973 ficou conhecido como o Milagre Econômico.
Com investimentos internos e empréstimos do exterior, o país avançou e montou uma base de infraestrutura. Todos estes investimentos geraram milhões de empregos.
Algumas obras consideradas faraônicas foram executadas, como a Rodovia Transamazônica e a Ponte Rio-Niteroi.
Na contramão de todo esse crescimento, o custo altíssimo e a conta que deveria ser paga no futuro.
Os empréstimos estrangeiros geraram uma dívida externa elevada para os padrões econômicos do Brasil.
O general Ernesto Geisel assume a presidência em 1974 e vai presidir o país até 1979.
É com ele que começa o lento processo de transição rumo à democracia.
No seu governo acaba o milagre econômico e com a insatisfação popular em altas taxas.
A crise no petróleo e a recessão mundial interferem na economia brasileira, no momento em que os créditos e empréstimos internacionais diminuem.
Geisel anuncia a abertura política lenta, gradual e segura.
A oposição começa a ganhar espaço.
Nas eleições de 1974, o MDB conquista 59% dos votos para o Senado, 48% da Câmara dos Deputados e ganha a prefeitura da maioria das cidades.
Mas os militares linha dura, insatisfeitos com o rumo que está tomando o governo Geisel, começam a promover ataques clandestinos aos membros de esquerda.
Em 1975 o jornalista Vladimir Herzog é assassinado nas dependências do DOI-Codi em São Paulo.
Em janeiro de 1976 o operário Manuel Fiel Filho aparece morto em situação semelhante.
Em 1978, Geisel acaba com o AI-5, restaura o habeas-corpus e abre caminho para a volta da democracia.
O MDB vence as eleições de 1978 e começa o processo de redemocratização.
O general João Baptista Figueiredo que tem seu mandato de 1979 a 1985 decreta a Lei de Anistia, concedendo o direito de retorno ao Brasil para os políticos, artistas e demais brasileiros exilados e condenados por crimes políticos.
Os militares de linha dura continuam com a repressão clandestina.
Cartas-bomba são colocadas em órgãos da imprensa e da OAB. No dia 30 de abril de 1981, uma bomba explode durante um show no Centro de Convenções do Rio Centro.
O atentado foi provavelmente promovido por militares, embora nada tenha sido provado.
Em 1979 com a aprovação da lei que restabelece o pluripartidarismo, a ARENA vira PDS e o MDB passa a ser PMDB. Outros partidos são criados: PT e o PDT.
Começa a redemocratização e tem início a campanha pelas Diretas Já.
A economia do país está doente. A inflação é alta e a recessão também.
Os sindicatos se fortalecem e surgem novos partidos políticos.
Em 1984 começa o movimento pelas eleições diretas.
Políticos de oposição, jogadores de futebol, artistas e milhões de brasileiros se engajam nessa campanha, porém a Emenda Dante de Oliveira, que garantia as eleições para presidente já naquele ano é, para decepção do povo, rejeitada na Câmara dos Deputados.
Em 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral escolheria o deputado Tancredo Neves, que concorria com Paulo Maluf, como novo presidente da República.
Ele pertencia à Aliança Democrática, grupo de oposição formado pelo PMDB e pela Frente Liberal.
Era o fim do regime militar.
Mas Tancredo não assume (uma doença estranha, com um nome mais estranho ainda), acaba de matar futuro presidente da nação. Em seu lugar assume o vice José Sarney, e em 1988 é aprovada uma nova constituição para o Brasil, apagando os resquícios da ditadura e estabelecendo princípios democráticos no país
.
O regime militar em seu extremismo de direita, mostrou uma autoridade que não era necessária para impor seus ideais, porém se analisarmos a situação em que o País se encontra hoje, a segurança do cidadão não político daquela época era mais garantida.
Por isso me atrevo a acrescentar algumas palavras de minha autoria, a partir de um sonho que tive:
“VOU PRO CURSO
Um mal-estar paira no ar.
Uma dose excessiva de direita não permite que nós jovens nos reunamos depois da aula na Rua Direita para trocarmos ideias.
Somos considerados subversivos.
O toque de recolher é dado e quem passar do horário tá frito.
Torniquete, Pau de Arara, Máquina de Choque, Polé, são as novas palavras no dicionário, e quem não se enquadra no regime, sujeita-se a elas indo parar sabe Deus onde.
O povo clama por liberdade e muitos pagam com a vida esse desejo.
Atos e mais Atos tolhem essa liberdade em seu todo.
São duas décadas de terrorismo...
...dias difíceis.
A esperança surge na figura de um homem que nem teve o gostinho de governar por um dia sequer.
E lá bem no fundo do túnel uma luz aparece.
É uma luz vermelha que chega avassaladora liderada por um operário.
A “liberdade” se instaura finalmente.
Hoje continuo indo pro curso.
A palavra de ordem agora é não carregar tênis de marca, celular, roupas caras, relógio, pois corro o risco de não voltar para casa.
Afinal de contas onde foi parar a nossa liberdade?”
(Roberto Fernandes)
Jovem Guarda
"Isso é apenas uma mostra de um momento maravilhoso em nossa vida.
Momento em que o sonho e a realidade ocupavam o mesmo espaço, o mesmo lugar.
Os corações pulsavam no ritmo do ié ié ié ou nas baladas românticas da Jovem Guarda.
Baladas que falavam do sonho comum de milhares de jovens. Da namorada. Do carrão. Do beijo no cinema e coisas assim.
É claro que isso foi em um tempo em que o jovem ainda pagava o Milkshake das meninas. Tempos de longos suspiros e grandes amassos.
Amassos que não podiam passar das 10 da noite.
Os Beatles cantavam Yesterday e a Jovem Guarda cantava Gatinha Manhosa.
Os Beatles cantavam Help! e Erasmo Carlos arrebentava com Festa de Arromba. Festa de Arromba que era a Jovem Guarda.
Na plateia do Teatro Record as meninas gritavam e choravam a emoção de verem seus ídolos de perto.
Mas tudo isso será sempre um momento presente na nossa vida.
Um momento em que o gosto daquela fruta chamada juventude, de vez em quando a gente vai sentir na boca, toda vez que lembrar ou escutar uma canção da Jovem Guarda.
A fruta que a gente mordeu e jamais esqueceu o gosto"
(Introdução de Roberto Carlos à música Nossa Canção ao vivo)
“O futuro pertence à Jovem Guarda, pois, a Velha Guarda está ultrapassada”
Parafraseando um discurso de Lênin, inicia-se no Brasil, precisamente em 22 de agosto de 1965, um movimento chamado Jovem Guarda, liderado pelo já então consagrado Rei da Juventude, Roberto Carlos, na TV Record que proibida de transmitir os jogos do Campeonato Paulista, via suas tardes de domingos sem opção, fazendo com que os telespectadores debandassem para a TV Excelsior, que desde 1964 liderava a audiência com o programa Festival da Juventude.
A Jovem Guarda mesclava elementos de comportamento, música e moda, como o fazia, a beatlemania que já era febre no mundo inteiro.
Ao contrário de outros da época, o movimento não tem cunho político.
Seus integrantes são influenciados pelo rock dos anos 50 e 60 e por sua precursora no Brasil, Celly Campello, fazendo uma variação com letras românticas e descontraídas voltadas ao público jovem.
Jovens e talentosos artistas vão surgindo no cenário musical: Eduardo Araújo, Martinha, Ronnie Von, Paulo Sergio, Antonio Marcos, Vanusa, Silvinha, Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, Rosemary, Meire Pavão, Waldirene, Demetrius, Deny e Dino, Os Vips, Trio Melodia, Trio Ternura, Golden Boys, Ed Wilson, Sergio Reis, Bob Di Carlo, os afilhados de Roberto Carlos Ed Carlos e Kátia Cilene. Grupos como The Jordans, The Clevers (Os Incríveis), The Jet Blacks, The Fevers, Renato & Seus Blue Caps (devo ter esquecido algumas dezenas).
Liderados pelo Rei da Juventude, junto com Erasmo Carlos (O Tremendão) e Wanderléa (A Ternurinha), fazem com que o povo esqueça as mazelas da ditadura.
O amanhã nunca se sabe
Os Beatles já a algum tempo, resolveram deixar os shows ao vivo de lado “Nós não conseguíamos ouvir nem o que tocávamos, tamanha era a histeria dos fãs” diria John Lennon em uma entrevista.
Em 66 lançam o álbum Revolver, já com a prova de que as horas de estúdio estavam surtindo efeito.
Efeito esse que, se podia ouvir nas músicas Taxman, Love you Too, os metais de Got to Get Into My Life e a totalmente pirada Tomorrow Never Knows (Lennon diria mais tarde que a ideia era gravar o som de dezenas de macacos gritando, mas não conseguindo, tiveram que optar por efeitos especiais mesmo.
Mas se a gente reparar bem já no álbum Rubber Soul, ficava claro que algo estava mudando no pensamento dos quatro.
Tanto que para Lennon a música Run For Your Life, que Renato & Seus Blue Caps, gravaram com o título Dona do Meu Coração, era a pior música do álbum (para ele, claro).
Para o resto do mundo e dos outros três Beatles era uma música linda.
Mais linda ainda na versão dos Blue Caps.
Mas, revolver quer dizer exatamente isso: Revolver, Remover, Retirar.
Os Beatles estavam se retirando do refrão fácil, e das músicas melosas.
Estavam amadurecendo, e já tinha tido contato com o LSD. Daí a reviravolta louca em suas vidas e suas músicas.
Deste lado do mundo, continuávamos com as musiquinhas simples, de refrão gostoso e fácil de guardar.
Já tínhamos problemas sociais demais em nosso País para nos enveredarmos por caminhos musicais difíceis de serem assimilados embora o descontentamento com o regime, já estivesse se tornando evidente.
Em 1967, o Santos se torna Bicampeão Paulista, o décimo título do Peixe.
Nesse ano a torcida conhece Clodoaldo e Edu, um ponta-esquerda de apenas 16 anos revelado nas praias santistas.
Revolução no mundo do Rock
Os Beatles, seguindo a política do trabalho em estúdio, após algum tempo, sem aparecer na mídia, surgem com aquele que seria o divisor das águas da música mundial:
“Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band”.
Um álbum conceitual onde as músicas “Sargent Peppers”, “With a little help from my friends” e Lucy in the sky with diamonds” eram interligadas contando uma história. A história Sargento Pimenta e o Clube dos Corações Solitários.
Entrava a era do psicodelismo, do Flower Power.
Mais tarde outros grupos fariam a mesma coisa (The Who com Tommy e Pink Floyd com The Dark Side Of The Moon) entre outros.
Roberto Carlos lança o álbum Em Ritmo de Aventura (a única música em parceria com Erasmo é: Eu Sou Terrível). Porquê?
Aqui cabe a explicação de um expert no assunto, Paulo Cesar Araújo, autor da biografia não autorizada de Roberto Carlos.
“Quando eles começaram a carreira, a imprensa achava que o compositor de verdade fosse Erasmo. Roberto ficava chateado e não queria que isso se propagasse.
Em 1966, o Erasmo foi homenageado no programa de Wilson Simonal como melhor compositor e ninguém mencionou o nome de Roberto que reclamou e eles ficaram brigados por um ano.
Nesse período Roberto compôs “Namoradinha de um amigo meu”, “Quando”, “Como é grande o meu amor por você” e outras canções de sucesso.
Depois eles fizeram as pazes e estouraram com “Eu sou terrível”, e Erasmo disse que a briga acabou solidificando a amizade ”
Renato havia arranjado uma namoradinha, Léa e junto com o amigo Gil, e a irmã dela, Cléa, iam quase todos os domingos à praia, onde se divertiam a valer com pouco dinheiro.
Tinha em dezembro de 67, terminado a 5ª série uma espécie de Curso de Admissão ao Ginásio na Escola Olavo Bilac.
A Tropicália
A Jovem Guarda vai perdendo força dando lugar a um outro movimento: O Tropicalismo que teve sua eclosão com as ruidosas apresentações, em arranjos eletrificados no III Festival de MPB da TV Record em 1967, tendo como baluartes Gilberto Gil e Caetano Veloso.
Na esteira de Caetano e Gil, vinham Gal Costa, Tom Zé, Os Mutantes, o maestro Rogério Duprat, Nara Leão e os letristas José Carlos Capinam e Torquato Neto, tendo também o artista gráfico, compositor e poeta Rogério Duarte como um dos principais mentores intelectuais.
O Tropicalismo misturava rock, samba, bossa nova, rumba, bolero, baião, marcha (vide Alegria, Alegria) e música de capoeira (vide Domingo no Parque).
Sua atuação quebrou as rígidas barreiras que permaneciam no País.
No ano seguinte, o festival, foi integralmente considerado tropicalista com Tom Zé apresentando a canção “São Paulo”.
No mesmo ano foi lançado o disco Tropicália ou panis et circenses, considerado quase como um manifesto do grupo.
Renato costumava dizer já que não era muito adepto do tropicalismo e que Caetano, Gil e Gal, nem se comparavam a Roberto, Erasmo e Wanderléa.
Claro que era uma comparação sem sentido, pois os tempos eram outros e esse movimento falava irreverente de política, moral, comportamento do corpo, sexo, vestuário.
A contracultura hippie foi assimilada com a adoção da moda dos cabelos longos encaracolados e das roupas escandalosamente coloridas. Também tínhamos a exemplo dos Beatles, nosso psicodelismo e flower power tupiniquim.
O movimento libertário por excelência, durou pouco mais de um ano e acabou reprimido pelo governo militar.
Seu fim começou com a prisão de Gil e Caetano em dezembro de 68.
A cultura do País, porém, já estava marcada para sempre pela descoberta da modernidade e dos trópicos.
Em janeiro de 1968, Roberto Carlos, passa a se tornar um cantor internacional, após ter ganhado o Festival de San Remo, com a música Canzone Per Te.
Era o primeiro cantor das bandas de cá a ganhar tal festival.
Por causa disso talvez, Roberto começasse a se envolver mais com músicas românticas e dançáveis, que a partir dali, seriam sua marca registrada.
Finalmente o filme em Ritmo de Aventura, chega a Santos. Vai ser exibido no Cine Ouro Verde na Rua Carvalho de Mendonça.
A namoradinha e a irmã querem assistir, Renato e Gil também. Estão fora da época de pagamento e mais duros do que pedra.
Renato e Gil bolam um plano para não ter que pagar as entradas das namoradas.
Inventam que vão trabalhar até mais tarde e só por volta das 14h00 estarão livres, exatamente no horário da exibição do filme.
- Mas no domingo, pergunta incrédula, Lea?
- É plantão mentem os dois.
Eu vou ter que receber um estoque de café no armazém onde trabalho, e o Gil, vai ficar de plantão no prédio onde trabalha.
- Vocês fazem assim: Ficam na fila e se nós não chegarmos a tempo, vocês entram, e guardam dois lugares para nós. Renato não tem dinheiro nem para a pipoca que com certeza as meninas vão querer. Gil tem menos ainda, só dá mesmo para a entrada.
Pedir que elas pagassem seus ingressos já seria demais.
Da esquina os dois observam quando elas se aproximam do guichê, que fica localizado em frente à calçada.
Alguns minutos depois eles também já estão com as entradas na mão.
As luzes ainda não se apagaram por isso é fácil localizá-las, (graças a Deus elas já estão com o saquinho de pipocas na mão).
Entre beijos e pipocas, eles observam o Rei na telona, se desdobrar para se livrar dos bandidos que querem roubar suas músicas.
É um filme meio sem nexo, mas cheio de efeitos, com bombas explodindo, guerra simulada, Roberto no espaço etc, e o som gostoso da trilha musical.
Mais uma mudança radical
Estamos em meados de 68 e seu Carlos chega em casa com mais uma de suas surpresinhas.
- Gisa, recebi uma proposta para trabalhar no interior de São Paulo.
A cidade chama-se Garça e fica a 75 quilômetros de Bauru. Vou ganhar uma boa diária durante todo o tempo que lá estiver.
- Mas, Carlos, e o trabalho do Renato, a escola do Reinaldo, vamos jogar novamente tudo pelos ares?
- Trabalho ele consegue lá, e se não conseguir eu estarei com ele para apoiar. Quanto aos estudos, o Renato já vai ingressar no Ginásio, e o Reinaldo pode fazer o ginásio sem ter que passar pelo 5° ano e pode apenas fazer o exame de admissão .Eu não posso deixar passar esta oportunidade, pois representa um salto muito grande no meu salário, além do mais, vamos respirar novos ares, e sair um pouco da cidade grande e de todo esse problema político que envolve o País, e principalmente aqui em Santos onde os olhos do regime estão sempre vigilantes por causa do porto.
Como sempre, com os argumentos fortes de seu Carlos e desta vez mais fortes, só resta à dona Gisa acatar.
Quando chega em casa, Renato vê o irmão no quarto, chorando. Pergunta o que houve, e tem como resposta, a ideia do pai de se mudar.
Renato fica perplexo.
- Mas de novo? O pai não sossega mesmo hein?
Mais uma vez vai ter que largar tudo o emprego e agora a namorada e se aventurar sabe Deus, onde.
Diferentemente de Jaguaré e Araraquara, Renato não quer mais esse tipo de coisa. Quer sim se formar, arranjar um bom emprego, e se firmar na vida.
Mas está com 17 anos e sendo ainda menor de idade, tem que acatar as decisões do pai.
Morar em casa de parentes novamente, é uma coisa que não passa por sua cabeça.
As coisas acontecem rápidas demais, e em poucos dias já estão embarcando para São Paulo e de lá para a tal cidade de Garça.
Seu Carlos e Reinaldo haviam ido dias antes, ficando em um hotel até conseguirem alugar uma casa.
Nesse mesmo tempo ele se apresentou ao seu novo local de trabalho, o armazém do IBC na Cidade.
Agora já no ônibus, Renato ao contrário da viagem à Araraquara, não vê beleza alguma na paisagem.
Seu pensamento está voltado para o final de semana que antecedeu a viagem, quando os amigos resolveram fazer um baile de despedida na casa de Gil.
Ao som de “E por isso estou aqui”, “Eu sou terrível”, “Por isso corro demais”, e outras do LP Em ritmo de aventura, Renato abraçado à namorada, chorava como criança, e em outro canto via Reinaldo triste.
O que era para ser uma festa alegre de despedida acabou sendo o momento mais doloroso de sua vida. Não que a namorada fosse a grande paixão de sua vida, mas era sua namorada e gostava dela
.
Paixão mesmo daquelas fortes, ele ainda não havia conhecido... ainda.
Renato chorava baixinho, (não queria ter ido).
A mudança havia ido no dia anterior e junto com ela, na cabine do motorista o periquito australiano da mãe, que recomendava ao motorista todo cuidado com o bichinho.
- Pode deixar senhora, ele vai chegar lá do jeito que está saindo. São e salvo, brincou o motorista.
Será que ele vai aguentar essa viagem, pensou Renato.
Seis horas depois, já se encontravam na rodoviária de Garça e de lá subiam a pé até a casa que ficava a algumas quadras do centro.
O novo endereço: Rua Melchiades Nery de Castro, 220.
A casa era bonitinha e pequena, parecida com aquelas casas de boneca e quem passasse pela calçada certamente perguntaria se cabia alguém nela.
Porém lá dentro era bem confortável, com uma sala e dois quartos, uma copa grande, e um quintal enorme que pegava meia quadra, com vários tipos de árvores frutíferas.
A mudança já havia chegado e estava amontoada nos cômodos, a tarefa de arrumá-la ficaria por conta da mãe e dos meninos, pois o pai já teria que se apresentar no serviço.
- Monta o que você conseguir, dos móveis e mais tarde eu venho para ajudar diz seu Carlos.
Num canto da sala, o Compacto Simples dos Beatles, I’m The Walrus e Hello Goodbye, que Renato havia comprado em Santos (claro, escondido do pai).
Procurou pelo Beatlemania, mas não o encontrou. “Deve estar no meio dessa bagunça toda", pensou.
O periquitinho, no quintal, cantava e fazia o seu barulho costumeiro.
Aparentemente não havia sentido o peso da viagem.
Garça "Sentinela do Planalto"
O município de Garça situa-se na região Centro-Oeste do Estado de São Paulo (415 km da capital), ao longo do espigão onde nascem duas importantes microbacias hidrográficas: Peixe e Aguapel propiciando abundante presença de matas, grotões e mais de 80 cachoeiras com alturas variáveis.
Apresenta grande potencial turístico com 18,50 hectares de Mata Atlântica preservada dentro da cidade (Bosque Municipal) e um número altamente significativo nas propriedades rurais adjacentes. Sua população está em 44.019 habitantes (estimativa de julho de 2004).
Tem como Distrito, Jafa com 2.753 habitantes. Seu clima é sub-tropical com temperaturas máxima 28,5ºC e mínima de 17,8ºC. Seus limites são: Norte: Álvaro de Carvalho e Pirajuí, Sul: Gália, Alvinlândia e Lupércio, Leste: Gália e Presidente Alves, Oeste: Vera Cruz.
Em julho de 1916 partiu do município de Campos Novos Paulista, uma caravana de aproximadamente 20 pessoas, chefiadas pelo Dr. Labieno da Costa Machado. Em terras ainda selvagens a comitiva se instalou às margens do Rio do Peixe. Ao descobrir um novo afluente, mudaram o rumo, seguindo o curso do novo rio, denominado mais tarde Ribeirão da Garça.
A denominação se deu devido ao grande número dessas aves no local.
Garça teve no princípio o nome de Incas, depois Italina. O nome Garça foi inspirado no ribeirão que nasce no seu perímetro urbano.
Labieno fundou a cidade de Garça em 4 de outubro de 1924, mas em 05 de maio de 1929 aconteceu a instalação do Município, por isso no dia 5 de maio é comemorado seu aniversário. porém sua fundação não se deve apenas a ele, pois a cidade se originou de dois núcleos distintos: o primeiro formado por Labieno (Labienópolis) e o segundo por Carlos Ferrari (Ferrarópolis).
Garça foi se desenvolvendo principalmente com a cultura do café e ao longo do século XX se tornou um dos principais pólos de produção cafeeira do Brasil.
Em 09 de abril de 1960 a Lei n.º 0620/60 autoriza a doação de terreno ao Instituto Brasileiro do Café destinado à construção de armazém.
Em 21 de abril de 1962, o município viu nascer uma das mais importantes cooperativas cafeeiras do País: a Garcafé (Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Garça), projetando a cidade nacional e internacionalmente como um dos principais produtores de café do Brasil. Na época em que Renato e Reinaldo lá estiveram seu slogan era “A Sentinela do Planalto”, e o povo costumava dizer que enquanto Garça ficava de sentinela, Marília (a 35 quilômetros dali), crescia.
Pura maldade.
Hoje seu slogan é “Capital da eletro-eletrônica” por investir sua economia nesse setor desde a década de 80.
Dentre as pessoas ilustres de Garça, estão: Roberto Carlos, lateral da Seleção Brasileira e Waldir Perez goleiro.
A primeira providência a ser tomada seria matricular os meninos. Dona Gisa se encarregou de procurar uma escola, mas como estavam próximos das férias de meio de ano, eles só poderiam voltar a estudar no início de 1969. Iriam ficar seis meses sem ter contato com os livros.
Mas para a “infelicidade” deles o pai resolveu que iriam ter aulas particulares, ministradas por uma professora aposentada, esposa de um dos amigos do IBC.
Uma tarefa nada agradável
Intercalando as aulas particulares que a professora batizara de reforço, os irmãos por determinação de seu Carlos, que queria fazer daquele imenso quintal, uma horta com todo tipo de legumes e verduras, iriam sair pelas ruas da cidade, catando esterco de cavalo, já que era comum os animais andarem soltos pelas ruas.
A falta de amizades somadas àquela tarefa humilhante, fazia com que se sentissem tristes.
Por diversas vezes ouviam risinhos disfarçados de meninas e meninos nas ruas, porém ninguém comentava nada, não por medo, mas pelo fato de ainda não os conhecerem.
Além do fato de não serem somente eles a recolher cocô de cavalo nas ruas.
Com o tempo a horta já começara a render alguns frutos, ou melhor, legumes e verduras e Renato e Reinaldo se sentiam mais animados.
A prática do Footing e a primeira namoradinha em Garça
Começavam a ter alguns amigos conquistados na Praça Pedro de Toledo, a principal da cidade, que tinha uma fonte luminosa e ali aos sábados e domingos a noite, se praticava o footing.
Footing em inglês significa exatamente ir a pé.
As meninas andavam em volta da fonte luminosa por um lado, enquanto os meninos faziam o caminho inverso (hoje já não existe mais essa prática, pois com a criação do lago artificial J.K. Willians inaugurado em 28 de agosto de 1980 os jovens preferem ir paquerar por lá).
O objetivo do footing era o flerte e quando um rapaz se interessava por uma garota no meio de tantas, jogava um sorriso para ela ou uma piscadela.
Na próxima passada, os sorrisos e piscadelas continuavam.
Normalmente isso durava, duas ou três passadas, e em seguida ele a convidava a se retirar daquela procissão (parecia de fato uma procissão).
Saiam dali para um banquinho da praça e ali passavam a trocar ideias.
Mas às vezes as coisas não eram tão fáceis assim e o observador levava semanas e até meses para poder tirar a garota que lhe interessara, da procissão.
Em muitos casos até casamentos eram realizados através dessa prática.
Foi numa dessas passeadas pela praça, que Renato conheceu Mariana, uma garota bonitinha e sorridente.
Não houve muito esforço para conquistá-la e em poucos dias já estavam namorando.
Gostavam de ficar isolados, em ruas pouco movimentadas e semi-escuras, mas naquela época ainda havia o respeito mútuo e nenhum dos dois se atrevia a passar daqueles simples amassos sem maiores consequências.
Reinaldo gostava como se diz hoje em dia, de “ficar”, sem se apegar a nenhuma garota, hoje uma amanhã outra e assim por diante. Com 15 anos queria mais era viver a vida.
Como uma rede (vide os sites de relacionamento de hoje em dia), os meninos através de amigos e amigas iam multiplicando suas amizades.
Todos queriam ouvi-los falar, pois tinham um sotaque diferente.
Era um tal de “tu” prá cá e “tu” pra lá que soava estranho a eles acostumados a falar “ocê”.
Algumas meninas os convidavam a irem às suas casas, conhecerem os pais, que por sua vez, adoravam perguntar sobre as praias, a Vila Belmiro e principalmente sobre Pelé.
Falavam sobre a alegria de irem à Vila ver o Santos jogar porque sabiam que iam assistir a um grande espetáculo.
Renato gostava de contar a história da queda do alambrado, e cutucava o irmão:
- Ele se machucou na queda e foi atendido pelo goleiro do Corinthians.
Os meninos deram a ele o apelido de Testa Larga, por causa do calombo na testa, brincava Renato.
- É e o teu apelido era Foca, por causa do teu narigão, retrucava Reinaldo.
Estavam se sentindo os reis da cocada preta naquela cidade de pouco mais de 30 mil habitantes.
As primeiras amizades e as primeiras inimizades
Se por um lado estavam fazendo muitos amigos, por outro as inimizades cresciam.
Muitos não gostavam de ver suas meninas se jogando para cima de dois moleques, só por que eles haviam vindo de Santos.
Assim, as brigas tornavam-se inevitáveis e por várias vezes os meninos eram acuados na rua onde um grupo de ciumentos os ofendiam e agrediam.
Como eles nunca estavam sozinhos as coisas se equilibravam e no final só sobravam alguns olhos roxos e arranhões.
O que mais preocupava Renato não era o ciúme dos rapazes e sim o ciúme de Mariana, que não admitia que seu namorado ficasse frequentando a casa de outras garotas, para exibir seu vocabulário santista.
As garotas agora mandavam músicas através da rádio local, para os santistas (como elas os haviam batizado), e isso deixava Mariana fula da vida.
- Mariana, quando te conheci, eu falei que as coisas eram assim e não tenho como mudar isso agora.
- Se estou com você, é porque sinto alguma coisa mais forte, senão não estaria aqui, se quiser continuar comigo vai ter que deixar esse ciúme de lado.
Renato sabia que não era amor que sentia por ela, mas se sentia bem ao seu lado.
Mariana sempre concordava com ele e o abraçava, mas no final de semana seguinte era a mesma conversa.
-Ouvi aquelas assanhadas mandando música para você de novo. Até quando vou ter que dividir você com elas?
Namoraram apenas 2 meses e Renato preferiu sua liberdade.
Um dia ao chegarem em casa depois de conseguir uns bons sacos de cocô de cavalo, os meninos foram como sempre faziam, brincar com o periquitinho.
Viram a gaiola aberta e vazia, e foram perguntar à mãe onde estava o periquito.
- Chorando a mãe disse que ele havia morrido.
O pai que estava em casa para almoçar, disse que sua morte era devido a idade ou talvez pela longa viagem a que havia se submetido.
Os irmãos se sentiram tristes com a perda do xodozinho da casa, mas seu Carlos rapidamente se prontificou a comprar outro periquito.
Ao invés disso um dia apareceu com um filhote de papagaio em casa que foi recebido com muita alegria pelos meninos.
Tempos depois, seu Carlos contratava uma empregada, para os serviços pesados da casa, enquanto dona Gisa se ocupava apenas da cozinha.
Acontece que essa empregada vivia reclamando do papagaio que andava solto pela casa, e sujava o chão que ela acabara de limpar.
- Eu limpo, ele suja, limpo ele suja, porque vocês não o prendem em uma gaiola?
- Ele não foi acostumado preso na casa onde meu marido comprou, retrucou dona Gisa.
A verdade é que um dia o pobrezinho apareceu morto, atrás do sofá da sala.
A empregada gritou à dona Gisa que o papagaio estava morto, mas ninguém tirava da cabeça que fora a empregada que o havia matado.
Como não havia provas ela continuou no trabalho.
A partir dali seu Carlos nunca mais comprou qualquer animal que fosse.
Mesmo aliviada do serviço pesado da casa, dona Gisa estava precisando fazer uma cirurgia para a retirada de um cisto.
Teve que ficar internada para alguns exames até que pudesse fazer a cirurgia.
Como seu Carlos não tinha a menor ideia de cozinha, e não queria que a empregada cozinhasse, optou por comer de marmita que iam buscar em uma pensão próxima do centro da cidade.
Comida sem graça com um arroz branco, e muito óleo, frango ou carne.
Salada nem pensar.
Preferiam pegar da própria horta, (esse era o menu de todos os dias).
No domingo variava um pouco: macarronada com frango e... muito óleo.
Uma irmã postiça
Dona Gisa ficou quase uma semana internada, entre os exames preliminares e a cirurgia.
Voltando para casa, só não podia fazer esforço físico.
Seu Carlos conseguiu alguém para lavar e passar as roupas de todos, deixando a empregada apenas com o trabalho de limpeza da casa.
A senhora que fora contratada por seu Carlos era viúva e morava na roça, muito distante da cidade e vinha uma vez por semana para pegar as roupas.
Quando ela voltava, sempre trazia a filha de 11 anos, que a ajudava nas tarefas.
Dona Gisa aos poucos se recuperava e seu Carlos conversando com ela resolveu que adotaria uma menina, para que lhe fizesse companhia e a ajudasse.
Tiveram então a ideia de falar com a senhora que lavava as roupas, pois sabia que para sua filha era melhor estar no centro da cidade, onde podia estudar e ter um futuro melhor.
Conversando dias depois com a senhora, ela aceitou, pois não tinha muito a oferecer à filha.
Seu Carlos acertou tudo com ela, mas frisou, que a menina ficaria umas semanas como experiência, para que se adaptasse, à nova família e a nova família se adaptasse a ela.
Logo na primeira semana, sentia-se que não ia dar certo, pois a garota, só fazia dormir até tarde levantar e comer.
Ajudar dona Gisa, que estava novamente sozinha, pois com a vinda da menina, seu Carlos resolvera demitir a empregada.
- Ora, eu quero alguém que me faça companhia, e me ajude, e ela nem faz companhia, nem me ajuda, pois, vive dormindo, e quando acorda sai para a rua, com os meninos.
- Calma, vamos dar uma chance a ela, pois ainda não está adaptada ao nosso modo de viver, amenizava seu Carlos.
Mas a gota d’água veio quando a irmã (Maria) e um irmão de seu Carlos (tio Moacir) chegaram de Santos, para passar uns dias com ele.
No domingo á tarde, resolveram jogar cartas e o jogo foi se prolongando até umas 18 horas mais ou menos, quando de repente a menina entrou na sala brava, perguntando se aquela porcaria de jogo ia continuar por muito tempo pois ela estava com fome.
Criou-se um mal-estar entre presentes.
Foi o bastante para no dia seguinte, seu Carlos leva-la de volta para sua mãe, que ainda retrucou, dizendo que iria acionar um advogado.
Alegava ter feito um contrato para que a menina ficasse com eles, mas esqueceu que o contrato só teria validade se estivesse assinado coisa que seu Carlos faria, assim que ela estivesse aprovada por todos e adaptada aos costumes de seu Carlos que eram muito difíceis de se adaptar.
A vida voltava novamente a rotina de sempre. Tia Maria foi embora para Santos, e o tio havia vindo prá ficar e tentar a sorte na cidade.
Renato e Reynaldo começaram a frequentar um rio (Gaia) que passava próximo da cidade.
Para chegar lá tinham que percorrer um longo trajeto através de uma fazenda e um enorme milharal, em seguida passavam por um pasto onde bois e vacas pastavam tranquilamente.
O rio era frequentado por muitas pessoas que iam ali, fazer pic-nic, ou namorar.
Os meninos iam mesmo para nadar e perturbar o sossego de vacas e bois que enfurecidos, corriam deles indo cair no rio.
Todas as tardes depois da aula de reforço lá iam eles para o tal rio, até o dia em que tiveram, junto com mais uma turma a infeliz ideia de tocar fogo no milharal que havia sido colhido e agora estava com suas folhas ressecando ao sol.
No começo estava uma maravilha aquele crepitar de chamas e aquela bela fogueira.
Eles só não contavam com o forte vento que começou a soprar, justamente em direção ao restante da plantação que ainda estavam por colher.
Sem nada que pudessem fazer para apagar o fogo, só restou correram desembestados, cada um para sua casa, antes que o fazendeiro, capataz ou sei lá quem viesse ver o que estava acontecendo.
Por muito tempo eles e os amigos deixaram de ir ao rio, por medo de serem reconhecidos pelos peões da fazenda.
Saindo do sério em cidade alheia
Em um sábado à tarde Renato e Reinaldo foram convidados por outros amigos, a visitarem a cidade de Gália, cidadezinha próxima.
Lá chegando foram passear pelo centro da cidade.
Era pequena, mas, muito bonita, com sua praça principal que tinha ao centro uma Igreja.
Era uma festa que se comemorava na cidade e muitas pessoas de fora se dirigiam para lá.
As barracas fervilhavam de gente. Renato, seu irmão e os amigos, que não eram acostumados a ingerir bebida alcoólica, começaram a se encher de quentão e vinho quente, misturado com cerveja, passando dos limites.
Por volta de 21 horas, acabaram indo parar na delegacia por bagunça em via pública.
Lá, o guarda de plantão pediu os documentos de todos, mas só quem estava com o RG era Renato.
- Ah, você já tem dezoito anos é? Então pelo que parece você é o único maior de idade aqui, e portanto, responsável por esses garotos, disse o guarda enquanto ligava para o delegado que deveria estar de plantão naquela hora, mas estava em casa dormindo. (na cidade pelo visto não acontecia nada que merecesse um plantão noturno).
Renato começou a argumentar com o guarda que realmente haviam se excedido, pois era a primeira vez que ingeriam bebida alcoólica naquela quantidade.
- Será que o senhor também na sua juventude nunca se excedeu em alguma coisa.
O guarda comentou que para sua idade, Renato falava muito bonito, e acabaram por conversar sobre vários assuntos enquanto os meninos assustados se encolhiam num canto da delegacia.
Quando o delegado chegou, a primeira coisa que perguntou foi se havia tido resistência, e se estavam com maconha nos bolsos.
Não, pelo contrário, esse aqui que tem dezoito anos, tentou acalmar os outros. Ficamos conversando bastante. Seu pai trabalho no Instituto Brasileiro do Café lá em Garça.
Parecem ser de boas famílias, todos eles.
Só não trouxeram documentos. Só ele, completou apontando para Renato.
- Eu devia deixar vocês passarem a noite aqui na delegacia, e ligar para seus pais virem buscá-los amanhã, não pela bagunça que vocês fizeram na cidade, mas por terem me tirado da cama a essa hora da noite, mas vou liberá-los.
- Daqui a pouco passa o último trem para Garça, vão e nem olhem para trás.
- Outra coisa, disse quando os meninos já estavam saindo. Quando vierem novamente para cá tragam pelo menos os documentos.
Renato viu quando ele chamou o guarda e deu alguma instrução a ele.
Percebeu que o mesmo guarda os seguia a uma certa distância, mas não se atreveram a olhar para trás.
Àquelas alturas até a bebedeira já havia ido embora.
- Cara, já pensou se o pai fica sabendo disso? Perguntou Reinaldo.
- Não quero nem pensar.
Um passeio por Ribeirão Preto
Dias depois seu Carlos, teria que realizar um serviço na cidade de Ribeirão Preto, por uma semana e resolveu levar todos para lá.
Enquanto eu trabalho vocês podem conhecer a cidade que é muito bonita.
Se hospedaram em um hotel no centro da Cidade, e durante aquela semana, dona Gisa levou os meninos para diversos lugares turísticos.
No domingo antes de retornarem a Garça, foram os quatro conhecer o Zoológico, onde tiraram fotos, e se divertiram a valer.
A noite pegavam o ônibus e poucas horas depois estavam em Garça novamente.
Seu Carlos sabia aproveitar cada minuto de sua vida como ninguém, e fazia questão que a família também aproveitasse.
Mais uma do Santos F.C. e dos Beatles também
1968 estava chegando ao fim. Em 10 de dezembro o Santos F.C. se tornava campeão da Taça de Prata (Torneio Roberto Gomes Pedrosa ou Robertão como era conhecido. Um ensaio do futuro Campeonato Brasileiro) que entrara no lugar do Torneio Rio-São Paulo.
Na final o Santos venceria o Vasco da Gama por 2x1.
Ainda em novembro os Beatles lançavam o White Álbum (Álbum Branco).
Um duplo com um som muito pesado. Nem de longe se pareciam com aqueles 4 garotos do início de carreira.
As músicas falavam de revolução, de paz e amor e de política.
John Lennon estava revoltado com o estado de coisas que via.
Paul McCartney continuava com seu jeito romântico.
George Harrison entrou numa fase zen, com muita cítara e música indiana.
Ringo Starr, "parecia" viver alheio a tudo, mas como ele mesmo diria anos depois: “Sou o melhor baterista do mundo, porque toquei na melhor banda do mundo”.
Misturando bem todos esses sentimentos diferenciados, o White Álbum só poderia dar num puta som.
A professora continuava com as aulas de reforço e gostava de presentear os alunos com livros.
- Ler faz bem para o nosso raciocínio dizia ela.
Na verdade, o que os dois mais gostavam naquelas aulas, era o lanche que a professora preparava no café da tarde.
Aquilo não era aula de reforço, era uma mordomia.
O Ginásio Industrial de Garça e o amigo Waldir Perez
Finalmente entra o ano de 69 e dona Gisa matricula os meninos no Ginásio Industrial de Garça.
Agora sim estão adaptados ao ensino, por causa das aulas de reforço.
Já que haviam deixado de frequentar o rio Gaia, nada melhor que ver os jogos do Garça, aos domingos.
Foi assim que Reinaldo e Renato conheceram e fizeram amizade com o goleiro do time Waldir Perez de Arruda que mais tarde jogaria na Seleção Brasileira.
Waldir era um mês mais velho que Renato.
A amizade era grande a ponto dos meninos irem a sua casa onde ele em seu quarto gostava de improvisar uma bateria fictícia, com pentes, calçadeira, e outros objetos que dessem um bom som.
Acho que Hermeto Pasqual roubou essa ideia dele.
A mãe de Waldir ficava maluca com todo aquele ia dele.
barulho.
Logo sua família fez amizade com a família dos meninos.
A primeira e verdadeira paixão
Numa das visitas à sua casa estava lá uma garota linda de cabelos negros e longos, tinha estatura mediana, e um corpinho lindo.
Mas dentre todos esses atributos o que mais chamou sua atenção foi o seu sorriso, quando lhe foi apresentada pelo amigo Waldir.
- Renato, essa é Cintia, minha vizinha.
- Olá, muito prazer. Renato retribuiu o cumprimento, tímido e atrapalhado. Só fazia olhar para o seu sorriso.
- Eu conheço você do Ginásio pois, também estudo lá com meu irmão Lucas.
O pessoal fala muito em você lá no colégio. É de Santos, não é?
- Sim, chegamos em junho de 68, mas só agora pudemos começar a estudar.
- Bem, preciso voltar para casa, outra hora a gente conversa lá no ginásio.
Os amigos voltaram para dentro da casa.
- Caramba Waldir que garota linda hein?
- É, e você só faltou babar em cima dela.
- Pô, e não era prá babar?
Quando saiu da casa do amigo seu pensamento era um só:
Preciso conhecer melhor essa garota, rapaz, que sorriso, que rostinho, que cabelos.
Se deu conta que estava mais do que encantado com ela.
Ao chegar em casa a primeira coisa que fez foi contar ao irmão sobre ela.
- Tu vais ver com teus próprios olhos, ela é linda demais.
No dia seguinte lá estavam os dois, na casa do amigo.
E a garota também.
A reação de Reinaldo foi idêntica à sua quando a viu.
- Caramba, ela é muito linda mesmo, disse baixinho.
A partir dali, para desespero da mãe de Waldir, não havia um só dia que eles não fossem a sua casa, e a garota sempre lá.
Na escola os dois sempre que podiam estavam juntos conversando e rindo.
Ela rindo das palhaçadas dele e do seu jeito diferente de falar, e ele rindo de sua própria timidez.
A família dela fizera também amizade com seus pais, e aos domingos quando dava, lá estavam eles no bosque municipal.
Antes Renato ensaiava o que iria dizer a ela quando estivessem juntos.
Costumavam levar bolo, refrigerante e outros tipos de guloseimas, onde após estender uma toalha no chão faziam seu pic-nic.
Renato sempre dava um jeitinho de ficar a sós com Cíntia, mas quando estavam próximos a coragem lhe faltava e tudo o que havia ensaiado dizer, se tornava um estúpido silêncio tímido.
Ás vezes seus rostos ficavam tão próximos que Renato podia sentir sua respiração e ela como que pressentindo o próximo passo se afastava rindo e correndo por entre as árvores.
Ele sentia ali um jogo de sedução e tinha vontade de agarrá-la de uma vez e roubar-lhe um beijo, mas a maldita timidez o atrapalhava na hora decisiva.
Seu medo era que se assim o fizesse poderia perder sua amizade, ou então ela gostasse e aceitasse namorar com ele.
O medo da perda era mais forte e ele acabava por deixar a chance passar.
Assim a amizade continuava e as conversas e risos no ginásio também, embora Renato pedisse mentalmente que ela o visse como ele a via.
Com os olhos muito além de uma simples amizade.
Como ele só conseguia pedir isso mentalmente, ela acabou por não olhar para ele de outra maneira e assim o bonde de Renato passou, e ele não soube pegá-lo, deixando-o triste.
Pior ainda foi saber que a garota havia arranjado um namorado no ginásio, aí sim seu mundinho desabou.
E para piorar mais a situação, Roberto Carlos que havia lançado o romântico álbum O Inimitável em 68 trazia em quase todas as letras palavras que falavam exatamente do sentimento de amor que Renato estava sentindo.
Músicas como “E nunca mais vou deixar você tão só”, escrita por Antonio Marcos para o amigo.
“Nem mesmo você”, “Ciúme de você” e outras, pareciam ser direcionadas a ele.
Dona Gisa percebendo seu comportamento começou a ficar preocupada e ao perguntar o que estava acontecendo teve como resposta, que era saudade de Santos.
As férias em São Vicente e um amor impossível
As férias de meio de ano estavam se aproximando e seu Carlos decidiu que os meninos as passariam em São Vicente.
E agora? Como dizer ao pai que o que ele estava sentindo não era saudade de Santos e São Vicente coisa nenhuma e sim tristeza por estar apaixonado por uma garota que nem sabia o que lhe ia no coração, por causa de sua incompetência e de sua timidez e que talvez cansada de esperar uma decisão sua passou a se interessar por outro rapaz (infelizmente naquele tempo as mulheres não eram tão atiradas e esperavam que o primeiro passo fosse dado pelo homem).
Como dizer isso ao pai, que embora desse abertura para que os meninos se abrissem com ele (como quando Renato pegou uma doença típica daquelas que o homem pega quando procura uma mulher da vida, naquela época Renato nem sabia o que era preservativo).
Seu Carlos exigiu que Renato contasse o que estava acontecendo, e ele meio sem jeito contou e mostrou a dita doença, fazendo com que seu Carlos o levasse imediatamente ao médico.
O pior foi a injeção no referido local.
Mas agora o assunto era outro, era paixão, amor, e estava apenas dentro do seu coração, por isso ninguém nem seu pai, conseguiria arrancar nada dele.
Somando a timidez em falar com o pai, e a alegria de Reinaldo em saber que iria para Santos nas férias, Renato preferiu se calar e seguir o destino que lhe estavam reservando.
Quem sabe não fosse melhor assim, e essa viagem tirasse de vez aquele sofrimento e ele voltasse a ter uma vida normal e mais feliz.
No dia da viajem, os meninos não se despediram de ninguém.
Ainda estavam com aquele gostinho amargo daquela despedida em Santos, embora a situação fosse outra, e em um mês estariam de volta.
Seu Carlos já havia providenciado junto com dona Ioná irmã de dona Gisa e madrinha de Renato, que morava em São Vicente, uma casa em frente a sua que era alugada em período de temporada e férias de meio de ano.
Dona Ioná, havia insistido para que os meninos ficassem em sua casa, mas seu Carlos não queria incomodar pois sua casa era pequena, e além do padrinho seu Antonio e da madrinha, ainda tinham cinco filhos, Mário, Mauro, Marcelo, Mateus, e a caçulinha Mirian (tudo com M para que os pais não se perdessem nos nomes). Assim mesmo quando o pai estava meio "encharcado" de cana, costumava chamar urubu de meu louro confundindo o nome dos filhos.
Renato e Reinaldo viajaram durante o dia, chegando a São Paulo ás 16h00 para poder embarcar para São Vicente, em uma das empresas que ficava na Praça Clóvis Bevilácqua (o caminho inverso ao que haviam feito quando se mudaram para Garça).
Naquele tempo não existia ônibus direto, e muito menos uma rodoviária central como existe hoje.
Por volta de 18h00, já se encontravam em frente à casa dos padrinhos que os receberam com alegria, juntamente com os primos.
A tia já havia preparado a casa que se encontrava aconchegante.
Havia três cômodos, o quarto com uma cama de casal, um beliche e um pequeno guarda-roupa onde a madrinha tinha colocado lençóis e cobertores, a cozinha com uma geladeira pequena, fogão (que eles nunca usariam), uma mesa e um armário de parede.
A sala apenas com um sofá (sem poltronas) e uma TV em preto e branco.
Dali com certeza eles só usariam os móveis do quarto e a geladeira.
Os dois primos mais velhos resolveram ficar com Renato e Reinaldo na casa.
Por ser época de frio, as idas à praia se resumiam apenas quando tivesse muito sol, e as diversões ficavam mesmo por conta de quermesses, festas de aniversário em casa de amigos dos primos, regadas a muito quentão, vinho quente, e comidas típicas da época.
Foi numa dessas festas de aniversário que Renato se encantou com a aniversariante, Luciana.
Naquela noite dançou e conversou a noite inteira com ela como se não houvesse mais ninguém ali.
Dois dias se passaram e Mário o mais velho dos primos chamou Renato a um canto e disse.
- A Luciana quer falar contigo, e pelo jeito ela está parada na tua (gíria da época).
- Xiii!! Que barra hein? Eu não posso me envolver com ninguém, daqui a pouco as férias acabam e aí?.
- Bom vai lá e fala isso prá ela.
De noite, Renato foi a casa de Luciana e conversaram.
- Sabe Renato, não sei o que está acontecendo comigo, mas desde sábado (dia do seu aniversário), eu só penso em você.
Engraçado que quando não se está envolvido emocionalmente com uma pessoa, as palavras saem sem timidez e sem gagueira, (ao contrário do que acontecia em relação a garota de Garça, onde ele não conseguia esboçar uma palavra para faze-la perceber que a amava).
Com Luciana era diferente, ele não a amava, e não queria se envolver com ela, pois sabia que sua estada ali era passageira.
- Eu também gostei muito de você, de ter dançado e conversado com você, você é uma garota de bom papo. Uma ótima menina prá se namorar, pena que eu esteja aqui apenas em férias e logo terei que ir embora.
- É, eu sei, mas a gente pode sair como amigos, ir às festas, praia, cinema, sem compromisso, eu só quero sua companhia.
- Claro, quanto a isso não há problema nenhum, só não podemos nos envolver para que não fique nenhuma tristeza quando eu for embora.
Assim, Luciana e Renato passaram a ficar juntos quase que as férias inteiras e ele se sentia bem ao seu lado, pois ela que tinha por meta tornar-se professora, sempre tinha bons assuntos para conversar
Quem não estava gostando nada daqueles passeios era sua mãe, dona Tereza, que sentia sua filha envolvidíssima com ele.
Um dia chamou-o aproveitando que a filha não se encontrava em casa, e o questionou perguntando o que ele estava fazendo com os sentimentos dela.
- Não se preocupe dona Tereza, sua filha tem os pés no chão, e nós já conversamos sobre não nos envolvermos além da amizade (claro está que quando estavam juntos sempre rolava uns beijos e abraços mais fortes), mas nada que caracterizasse um namoro mais firme, pelo menos da parte dele.
Mal sabia Renato que Luciana, estava sim cada vez mais envolvida a ponto de chorar em seu quarto quando ele preferia sair com os primos e amigos.
Já que não estavam namorando, e saiam como amigos, era seu direito viver sua vida e passar suas férias à sua maneira.
O homem na Lua
20 de julho de 1969, o maior acontecimento da face da Terra, estava sendo realizado.
A bordo de um potente foguete Saturno V, o maior já construído, com mais de 110 metros de altura (um prédio de 36 andares) e 3 mil toneladas, o equivalente a 8 Boing 747-100 com sua capacidade máxima, três astronautas em uma missão chamada Apollo 11, conquistam a Lua. (Neil Armstrong (comandante), Edwin Aldrin (piloto do módulo de descida) e Michael Collins (piloto do módulo de vôo).
Dos três apenas Collins não desceu pois tinha que esperar o retorno dos companheiros.
Assim o mundo via pasmado e ao mesmo tempo fascinado os três romperem as fronteiras do espaço, cuja promessa tinha sido feita ainda em 62 por J.F. Kennedy.
Renato abraçado a Luciana comentou olhando para o céu e observando a Lua, linda e distante.
- A Lua já não é mais dos namorados, até isso estão tirando de nós (referindo-se intimamente à censura imposta pelo Regime Militar com o advento do AI-5 á alguns meses atrás).
Luciana não havia entendido a comparação, e Renato preferiu ficar calado, não era hora nem momento de se falar de política e brincou, dizendo que para se beijarem teriam que se esconder, pois lá em cima além de Deus, agora havia mais três para assistir.
Renato já começava a entender um pouco mais, o que significava o tal AI-5, e compreender melhor ainda porque o pai havia preferido um lugar distante no interior, a trabalhar no porto de Santos, considerada Área de Segurança Nacional.
As férias estão chegando ao fim e Renato está preocupado com Luciana que está cada vez mais apegada a ele.
Reinaldo é que é feliz, não se envolveu com ninguém mais sério durante as férias toda, e, portanto, não vai machucar o coração de ninguém.
Renato não queria que as coisas tivessem chegado a esse ponto, e por diversas vezes preferia sair com os primos para ver se amenizava aquele problema.
Luciana quis fazer o teste achando que seria forte o bastante para na hora certa, sair daquela situação numa boa.
Mas não era o que estava acontecendo, e sentindo próxima a despedida, sentia-se alarmada.
Dois fatores impediam que Renato se entregasse totalmente àquele amor que Luciana sentia por ele.
O de não estar emocionalmente envolvido com ela, e pelo fato de ainda estar pensando na garota de sorriso lindo.
Quantas vezes estando abraçado com Luciana, não se pegou pensando nela.
Fim de férias. Luciana foi junto com os primos, para se despedir (a agência ficava próxima à Praça 22 de Janeiro em São Vicente, hoje Praça Hipupiara).
No caminho, abraçada a Renato, pedia para que ele não a esquecesse, pois, passasse o tempo que passasse, ela estaria sempre esperando por ele.
Evidente que Renato a esqueceria, pois, a distância era muito grande para que ele alimentasse aquele amor.
Mas lembraria dela com muito carinho, apenas como uma grande amiga.
Luciana era o tipo da moça como se diz boa para se ter como esposa e constituir família, pena que ele fosse para tão longe.
Um dia antes, ainda na casa dela, ouviam abraçados uma música de Jerry Adriani, cujo nome sugestivo era “Tudo que é bom dura pouco” e sua letra dizia exatamente o que Luciana estava sentindo.
Agora no ônibus Renato comentava com Reinaldo, sobre os últimos acontecimentos.
A preocupação passava a ser com o segundo semestre no Ginásio, e a apresentação de Renato na Junta Militar.
Afinal já havia completado 18 anos.
O pensamento de Renato era um só. Ir à casa do amigo, e rever a garota dos seus sonhos.
Era difícil para ele, esquecer tão rapidamente do primeiro amor, e seu coração estava aos pulos só de pensar que logo a veria de novo.
Havia decidido que com ou sem namorado, ele ia se declarar.
- Seja o que Deus quiser, pensou.
Estava perdendo a timidez idiota que o acompanhava.
Tomaram o ônibus para Garça novamente na Praça Clóvis Bevilácqua e já estava escurecendo quando chegaram à Cidade.
A notícia que Renato não esperava ouvir
Seus pais os esperavam na Rodoviária, cheios de saudades, embora não ficassem um dia sem telefonar para a casa da madrinha durante as férias, a fim de saber se estava tudo bem.
No dia seguinte pela manhã, estavam tomando café quando Renato perguntou ao pai se tinha tido contato com o Waldir, claro que a pergunta era no sentido de que junto com a resposta viesse alguma informação sobre a garota.
E a informação veio meio que sutilmente.
- Tenho visto sim, pois sempre passo em frente a sua casa quando vou para o trabalho.
Aquela amiga de vocês não está mais na cidade, parece que foi com a família para outro lugar, mas não sei onde pois estava com pressa e o Waldir não me passou os detalhes.
Parecia que Renato tinha levado um soco no estômago.
Sentiu vontade de chorar, mas se conteve.
Reinaldo percebeu sua reação, e os pais só viram a palidez de Renato.
- Está se sentindo bem filho? Perguntou dona Gisa.
- Não mãe, não estou, vou para o quarto, acho que é o cansaço da viagem, mentiu.
No quarto, derramou todas as lágrimas que tinha acumulado, por conta de todo aquele sentimento que nutria por Cíntia. E agora, como vou fazer, logo agora que estava disposto a me abrir com ela, pensou.
Reinaldo entrou no quarto, e Renato tentou disfarçar.
- Tu não esqueceste dela um minuto né?
- Não mano, não esqueci e agora nem vou poder mais me declarar para ela.
- Ei, ânimo, vamos à casa do Waldir, e ver se descobrimos para onde ela foi.
Renato enxugou as lágrimas, um fio de esperança ainda existia e ele iria se apegar a isso.
- Pai! Mãe! depois da aula vamos passar na casa do Waldir, preciso saber o que aconteceu com a Cíntia.
O que ele ouviu do amigo, o deixou mais triste ainda. O pai de Cíntia havia falecido e ele não sabia para onde a família tinha ido.
Aguardava uma carta com o endereço. Renato ficou muito triste, pois, gostaria de estar ao seu lado para consolá-la.
- Assim que eu tiver alguma notícia falo com vocês. Prosseguiu Waldir.
Mas o tempo foi passando, e nada de informação, parecia que tinham evaporado.
O contato com o amigo foi se tornando mais difícil por causa das constantes viagens e concentrações que ele fazia com o time.
E era exatamente ali que sua história com Cíntia, que nem a menos havia começado, terminava.
O Tiro de Guerra
Triste com aquele desfecho, Renato continuava estudando, e o pior era não a ver mais no pátio do colégio.
Apresentou-se no TG -019 (Tiro de Guerra).
O TG, teve suas atividades iniciadas em 14 de fevereiro de 1946 e tem como finalidade formar reservistas de segunda categoria que possam executar tarefas limitadas na paz e na guerra, nos quadros de defesa territorial, garantia da lei e da ordem, defesa civil e ação comunitária.
Em Garça o Tiro desenvolve também um trabalho social em apoio à Prefeitura como coleta da Campanha do Agasalho, coleta do Natal Solidário, auxílio em atividades de plantio de árvores, entre outras.
Renato foi dispensando junto com vários outros jovens por excesso de contingente.
Sentiu-se aliviado, pois, só se animaria a servir o exército se estivesse em Santos.
Seu sonho era ir para a Marinha, mas como estava no interior e não havia mais tempo para se alistar, muito menos participar de cursos preparatórios, ficou feliz por ter sido dispensado.
Após jurar à Bandeira recebeu o CDI (Certificado de Dispensa de Incorporação).
Estava desanimado com a Escola e gostaria de acelerar aquele processo e obter o diploma o mais rápido possível para poder conseguir um emprego.
Madureza - Um curso de educação para jovens e adultos
Já ouvira falar do Madureza, um curso de educação para jovens e adultos, e do exame final de aprovação do curso que ministrava disciplinas dos antigos ginásio e colegial, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1961.
Fixava em16 e 19 anos as idades mínimas para o início dos cursos, respectivamente, de Madureza Ginasial e Madureza Colegial.
Exigia, porém, um prazo de dois a três anos para sua conclusão em cada ciclo, exigência essa abolida posteriormente pelo Decreto-Lei n.° 709/69.
Isso ocorreu porque a clientela dos exames de madureza era formada, na sua maioria, de autodidatas que tentavam suprir a formação escolar dentro de suas próprias condições de vida e de trabalho. Para estas pessoas somente o exame interessava.
Quando fosse a época das provas, o aluno poderia se inscrever em quantas matérias se achasse apto a eliminar. (além da mensalidade da escola, havia a taxa para cada matéria que ele quisesse tentar).
Esse sistema estava sendo implantado em Garça, e conversando com seu Carlos, este achou uma boa ideia e lhe deu todo o apoio financeiro que precisava.
Assim, além do Ginásio, Renato passou a frequentar o curso de Madureza à noite.
Sua vida estava retornando à normalidade, pensava na garota claro, mas já estava se conformando.
Se ela havia ido embora e nem a menos deu pista de onde estava nem para o Waldir que era muito mais seu amigo, ela deveria ter seus motivos.
Renato e Reinaldo, voltavam a nadar no Rio Gaia, a apanhar esterco de cavalo nas ruas da cidade para alimentar a horta que nunca fora abandonada.
As garotas continuavam também a mandar músicas, e eles voltavam a ir às suas casas.
Numa dessas visitas, Renato comentou, que nunca haviam feito uma música que falasse da cidade de Santos, só se ouvia falar, em São Paulo e seus bairros famosos, Rio de Janeiro e Copacabana, e até Piracicaba tinha uma música em sua homenagem.
Mas de Santos não se ouvia nada.
De repente no radinho da sala, se ouve As Curvas da Estrada de Santos.
É Roberto Carlos quem está cantando.
- Não acredito, disse Reinaldo, acabamos de comentar sobre isso, parece transmissão de pensamento.
O Álbum é de 1969 e Renato vai descobrir dias depois, que a exemplo de O Inimitável, Roberto traz músicas repletas de romantismo exceção feita a “Não vou ficar” e “Nada vai me convencer”, que tem uma batida meio parecida com o rap de hoje.
Nesse segundo semestre de 69 alguns fatos marcantes aconteceriam.
O som pesado dos Beatles, o cessar fogo e o milésimo gol de Pelé
O lançamento do Álbum Abbey Road em setembro mais pesado ainda que o White Álbum.
É notória a vontade de John de acabar com a banda.
Um mês antes o Santos de Pelé, continuava hipnotizando multidões.
Em uma excursão para a África, mais que paralisar os olhos dos torcedores, Pelé fez parar uma guerra, com o cessar fogo durante a revolução que pretendia criar a República da Biafra, na Nigéria, só para que todos pudessem acompanhar o Santos do Rei do Futebol.
Em 19 de novembro Pelé que agora intercalava suas estupendas jogadas com aparições em telenovelas, iria jogar com o Vasco no Maracanã pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa.
Até aí nenhuma novidade, a não ser que nessa partida o Rei poderia fazer o seu milésimo gol.
O estádio estava completamente lotado, e os repórteres se acotovelavam atrás das traves (em uma delas o gol sairia).
A partida corria sem que nada acontecesse, mas em determinado momento,
pênalti para o Santos.
A multidão de fotógrafos e repórteres corre para pegar o melhor ângulo.
O goleiro Andrada ainda se esforça para impedir que a bola entre (claro que ele seria fuzilado depois se impedisse o milésimo gol), mas não tem jeito, Santos 1x0 e Pelé imortalizava ali a camisa 10.
O fim do Ginásio em cinco matérias
Ainda naquele semestre a família se mudaria para uma outra casa, agora mais próxima do IBC com um amplo quintal com uma laranjeira, no fundo.
Renato continuava junto com Reinaldo no Ginásio, e no curso de Madureza.
O professor havia comunicado aos alunos que haveria inscrição para provas na cidade de Araraquara, e quem quisesse poderia se inscrever naquelas matérias que se sentissem aptos a eliminar.
Tinham que pagar a taxa por cada matéria, e seu Carlos aconselhou Renato a se inscrever em todas as cinco. (História, Geografia, Ciências, Matemática e Português).
- Se você não conseguir eliminar todas, pelos menos fica com experiência para as que sobrarem, disse ele.
Renato estava bem afiado por conta das aulas normais no Ginásio, só a bendita matemática realmente não era o seu forte.
Após as inscrições e o envio delas para o local onde se realizariam as provas em Araraquara, os alunos alugaram duas Kombis, e numa sexta-feira à noite viajaram.
Os exames estavam marcados para o sábado (português, história e geografia) e no domingo (matemática e ciências).
Alguns alunos iriam para a casa de parentes, e outros ficariam em hotel.
Renato ficaria na casa de um amigo de seu Carlos (Luiz), que já tinha combinado dias antes sobre sua ida.
No sábado pela manhã dirigiu-se ao colégio onde seriam realizadas as provas, e após duas horas, fechava português e história.
À tarde haveria ainda a prova de geografia. Gostaria de sair à noite com alguns colegas de Garça para conhecer a cidade, que apesar de completamente diferente da Araraquara que conheceu quando ainda era menino continuava impecável em matéria de limpeza, não se via um papel e nem um toco de cigarro nas ruas.
Mas Renato tinha que estudar matemática que era seu ponto fraco.
Sabia que tinha ido bem nas matérias do sábado e que ciências ele fecharia com certeza, então sua preocupação era só essa, por isso recusou o convite dos colegas e ficou na casa de seu Luiz estudando.
No domingo lá estava ele novamente no colégio e ficou feliz ao ver no quadro de avisos que havia eliminado as três matérias. Isso o encheu de confiança e se por acaso não conseguisse fechar matemática, ciências com certeza fecharia, e assim, como seu pai havia dito, nas matérias que ficasse, iria com mais experiência na próxima oportunidade.
Se dependesse então de uma só matéria no caso a matemática, seria ótimo.
Melhor ainda se eliminasse todas de uma vez, e aí Araraquara só ficaria para um passeio no futuro.
Com esse pensamento foi enfrentar a fera
.
Quando saiu do colégio algumas horas depois, tinha a certeza que ciências ele havia fechado, e que a probabilidade de ter fechado matemática também era de 70%.
A tarde com o coração na mão foi conferir o resultado
.
Para sua felicidade havia sim fechado matemática, de raspão mas fechou.
Comemorou muito com alguns dos colegas que tinha tido o mesmo resultado, embora alguns não tivessem se inscrito em todas elas, por insegurança.
Outros não tinham muito o que comemorar e estavam tristes.
Seu Luiz, e sua esposa ficaram felizes ao saber do fato e rapidamente ligaram para o seu Carlos para dar a boa notícia.
Entrando por um caminho perigoso
Á noite todos voltavam para Garça chegando por volta de 1h00 da manhã.
Com a eliminação das provas, Renato não precisava mais continuar no Ginásio e com o consentimento de seu pai, saiu do colégio.
Queria o mais rápido possível arranjar um emprego para ajudar o pai que se encontrava novamente numa situação difícil financeiramente falando, por conta da inflação galopante que assolava o país.
Reinaldo continuava no Ginásio e tinha arranjado um emprêgo meia boca num escritório no único prédio da cidade, mas Renato estava ocioso demais.
Começou junto com o tio Moacir, também ocioso, a frequentar os barzinhos onde gostava de beber e fumar cigarro de palha.
Com isso começou a entrar por um caminho perigoso em sua vida, pois fizera amizade com um rapaz (Marcio) que era de Quintana, cidade próxima de Garça, e que recentemente havia estado em Santos.
Renato queria saber notícias de sua cidade natal, e se apegava àquele novo amigo.
Através dele, frequentava os bailes e festinhas que constantemente eram realizados nos bairros, mesmo que não fossem convidados (eram bicões mesmo).
Para saber onde estava rolando uma festinha, bastava ficar em silêncio pois a cidade mesmo aos sábados era muito parada, e logo ouviam alguma música tocando em algum lugar e pronto lá iam eles.
Um envolvimento diferente e complicado
Foi numa dessas festas que conheceu Rosana, uma garota com a sua idade, casada e com uma filha de um ano.
Ao som do novo álbum de Roberto Carlos (claro) dançaram e ficaram juntos quase que a festa toda.
Definitivamente, Renato havia deixado a timidez de lado.
Rosana se encantara com o seu sotaque e não desgrudara dele um minuto sequer, deixando-o meio incomodado e preocupado com o que os outros convidados pudessem falar.
- Não tenha medo, todos aqui sabem de minha vida, e como é meu casamento. Meu marido está agora em casa bêbado e dormindo sem dúvida.
- É, mas a impressão que estamos dando é que não conseguimos ficar um longe do outro como dois namorados, e se isso chega aos ouvidos de seu marido?
- Pode ficar tranquilo, não vai chegar não, além do mais só estamos dançando e conversando. Por mim, a gente dava um jeito de escapar prá ficar sozinhos.
Essas palavras mexeram com Renato que deixando-se envolver pela sedução de Rosana, correu para um canto solitário do quintal.
Acabaram por terminar o resto da festa, num cômodo no fundo da casa onde se amaram e se entregaram um ao outro.
Era a primeira vez que ele tinha uma mulher toda sua em seus braços, pois suas experiências sexuais que haviam começado ali mesmo em Garça, foram feitas com as mulheres da vida.
Sentia-se bem ouvindo os sussurros de amor em seus ouvidos, mas ao mesmo tempo tinha medo de um envolvimento maior. Conhecia a si próprio o suficiente para saber que qualquer sorriso, ou palavra de carinho a mais, já se transformava em paixão (afinal era do signo de Peixes).
Porém a força do corpo era maior que a força da razão, e aquele envolvimento ia crescendo cada vez mais.
Comendo passarinho para não passas fome
Certa vez, seu Carlos precisou viajar para resolver um problema em Santos, e levou consigo, dona Gisa e Reinaldo, deixando Renato e o tio.
- Estamos deixando na dispensa, alimento suficiente para os quinze dias que estaremos fora. Disse seu Carlos.
- Já conversei com a diretora do Ginásio que liberou o Reinaldo por esses dias.
Ao final do 15° dia, seu Carlos ligou para casa, comunicando que havia tido um problema, e que tão cedo não deveria voltar e pedia que Moacir fosse ao colégio de Reinaldo e comunicasse o fato à diretora.
Passaram-se vinte dias, e nada de voltarem.
Os mantimentos na dispensa, já haviam acabado, e seu Carlos havia deixado em casa somente dinheiro para o pão do café da manhã, que precisaram ser gastos na compra de arroz e feijão.
Dias depois nem isso tinham mais.
Passaram a se alimentar das laranjas verdes do quintal, que comiam com sal, além de apanharem os pardais que inadvertidamente caiam numa armadilha que eles haviam feito, com uma bacia.
Dava dó matar os bichinhos, mas eles não podiam passar fome.
Assim seus dias eram regados, a pardal frito, e laranja verde com sal.
Marcio ao saber disso, comentou com seu pai, que chamando Renato e o tio, ofereceu um emprego na roça para colherem amendoim e milho em troca de uma alimentação mais saudável.
Os dois aceitaram de cara, e na manhã seguinte já estavam na porta da casa do amigo.
Costumavam sair às cinco da madrugada, para a roça, não sem antes se alimentarem.
Para Renato e o tio, era estranho o costume do velho, pois o café da manhã era composto de arroz, feijão, farinha, carne de porco, e um café bem forte moído ali na hora.
Só por volta de 10 horas era que a mãe de Marcio ia com um bule de café, pão com queijo e bolo de milho, para que eles repusessem as energias. Aí ficavam até o escurecer, quando então voltavam para casa e depois de um banho reconfortante, jantavam.
Depois disso, Renato e o tio iam para casa, descansar, pois na manhã seguinte tudo se repetia.
No 23° dia finalmente, seu Carlos voltava com a família.
Ele havia comunicado que chegariam, e por isso nem Renato e nem o tio foram para a roça.
À noite, Renato foi a casa de Marcio e para agradecer a força que haviam dado a ele e ao tio, mesmo porque a colheita já estava no fim e já não havia a necessidade de mais duas pessoas.
Renato mesmo naqueles dias de penúria continuava se encontrando com Rosana, geralmente na casa de sua irmã, que aos domingos gostava de promover suas festinhas regadas a caipirinha e música.
E os dois sempre davam um jeitinho de se afastar de todos para ficarem sozinhos.
Renato, porém, estava se sentindo apreensivo, não só pelo fato de que seu marido viesse a descobrir, mas principalmente por achar que estava entrando num compromisso do qual poderia se arrepender depois.
Primeiro porque não tinha um emprego, segundo porque era muito jovem e inexperiente para assumir uma mulher com uma filha.
Rosana já havia comentado com ele que estava pensando em pedir o desquite para poder viver feliz com ele.
- Rosana, isso é uma coisa muito séria, eu vou te sustentar como, se nem emprego eu consigo aqui?
- A gente pode ir embora para Marilia, lá você teria mais chance de emprego, eu poderia arrumar alguma coisa pra fazer também, sei lá, a única coisa que eu sei é que não consigo mais ficar sem te ver um minuto sequer.
Renato se encontrava numa sinuca de bico, gostava dela sim, mas não a ponto de jogar fora seu futuro que mal estava iniciando.
O que fatalmente iria acontecer.
Além disso, a garota de sorriso lindo, como ele havia batizado sua primeira paixão, ainda teimava em não sair de seus pensamentos. Era tudo muito recente.
Por ela sim, ele faria qualquer loucura. Até ir morar com ela, onde quer que ela es- tivesse.
Dona Gisa que já sabia de seu envolvimento com Rosana, vivia sempre apreensiva e suas dores de cabeça agora tornavam-se constantes.
- Meu filho, pelo amor de Deus, larga essa mulher, isso ainda vai lhe dar muitos aborrecimentos. Procure uma menina que seja livre, pedia ela.
- Vou largar mãe, prometia ele, vou largar, só estou esperando uma oportunidade de dizer as palavras certas.
Um dia ao chegar em casa com o tio, Renato encontrou Rosana e a filha, conversando com sua mãe, que até então não sabia que a menina era sua filha, pois haviam combinado de dizer se um dia elas se encontrassem, que ela era sua sobrinha.
Claro que dona Gisa, nunca engoliu essa conversa, e vendo a garotinha ali a sua frente, teve mais certeza ainda de que ela e Renato estavam mentindo.
Seu Carlos então, já havia matado a charada, na primeira vez em que Renato comentara com ele, a situação que estava vivendo, e perguntado se ela tinha filhos.
Ao receber a resposta de Renato dizendo que era apenas sobrinha, riu dizendo:
- Sobrinha? Sei, sei...
Renato estava adentrando á casa, quando ouviu dona Gisa interrogando Rosana.
Fez um sinal para o tio, para que não se aproximassem, e ficaram ouvindo.
Queria saber o que poderia tirar de proveito, com aquela conversa, pois dona Gisa sem dúvida daria a ela uns bons conselhos.
- O que você quer fazer da vida de meu filho, da sua vida e da vida de sua filha?
- Mas...ela...
- É sua sobrinha? Ora Rosana, até um cego veria que essa menina é a sua cara, a menos que você tenha uma irmã gêmea.
- Está bem, disse Rosana, não adianta mais mentir, a única coisa que não é mentira é que amo seu filho, e não sei o que fazer, para apagar esse sentimento.
- Olha, porque você não dá uma oportunidade ao seu marido, sei que ele é um beberrão e que não liga para você e para sua filha, porém quem sabe você dando essa chance a ele, as coisas não melhorem. Às vezes o diálogo é a melhor solução.
Renato resolveu se aproximar e entrar na conversa.
- Rosana, minha mãe tem razão, isso tudo pode se transformar em uma coisa boa, ou ruim, só depende de você.
- Vou te contar uma coisa que aconteceu dias atrás, não quis te falar prá te poupar. Teu marido esteve na casa da mãe do Marcio, numa tarde perguntando com quem era que tu estavas saindo, se era com o Marcio ou com outra pessoa.
Sabia que ela saia com alguém, por causa do disse me disse que estava circulando entre a família.
- Nessa tarde estávamos eu e o Marcio em seu quarto e ouvimos tudo. A mãe dele disfarçou dizendo que ele não deveria ouvir comentários maldosos e que você era uma esposa dedicada e muito amorosa com a filha.
- Ela conseguiu contornar a situação, mas, depois que ele saiu cascou a lenha em mim, dizendo mais ou menos o mesmo que minha mãe está te dizendo agora e falando ainda que teu marido não era bobo e que não havia engolido aquela conversa.
Chorando, Rosana perguntou:
Mas o que é que eu faço se estou apaixonada por você, não vou conseguir suportar isso.
- Ah vai, vai sim, interrompeu dona Gisa, e o primeiro passo é vocês não se verem mais, o segundo é sentar e conversar com seu marido, procurar saber se ele não bebe justamente por não ter a mulher ao seu lado, lhe dando apoio e carinho. Será que você também não está errando em alguma coisa? Porque o erro só tem que ser dele?. Tente fazer isso, tenho certeza que se você lhe der uma chance ele vai mudar.
O fim do romance
No dia seguinte, Marcio lhe entregava uma carta de Rosana que dizia:
“Renato, para mim vai ser muito difícil te esquecer e reconquistar meu marido, por isso decidi ir embora para Marilia com minha filha.
Sua mãe tinha razão quando disse que eu poderia estragar seu futuro e o da minha filha, mas, com meu marido não dá mais, por isso estou indo embora”.
Eu nunca vou te esquecer.
Te amo
Rosana
Aquele bilhete provocou um aperto em seu coração, mas longe de se sentir triste, sentiu-se aliviado
.
Ao chegar em casa mostrou o bilhete a sua mãe dizendo:
- Pronto! Dona Gisa, seus temores acabaram, e espero que suas dores de cabeça também.
- Deus seja louvado, até que enfim vou poder dormir tranquila.
Renato riu e a partir dali voltou a ter sua vida mais sossegada.
Nunca mais viu Rosana e sua filha, e muito menos seu marido.
Mesmo assim ainda frequentava a casa de sua irmã, que lamentava tudo o que havia acontecido, pois torcia pelos dois.
Por ela sabia que Rosana estava bem, e a menina cada vez mais levada.
Aquele bilhetinho ficaria por muitos e muitos anos com Renato e só após esses anos, já em Santos é que ficaria sabendo por Márcio que havia mudado também para lá, que Rosana havia voltado com o marido, que já não bebia mais e haviam tido outra criança deixando-o feliz, com a notícia.
Finalmente ele e seu tio conseguiam um emprego.
Uma firma de expurgo fora contratada para realizar serviços nessa área, no armazém do IBC, e o encarregado precisava de seis pessoas para a tarefa.
Para seu Carlos, encaixar os dois não foi difícil e assim dias depois já estavam trabalhando.
O expurgo que no dicionário significa depuração, limpeza, aqui significava eliminar, imunizar, ou seja, acabar com as brocas do café (praga cafeeira), que estavam infestando todo o estoque do armazém.
Primeiro eram demarcadas as quadras de café que seriam imunizadas, em seguida entrava o trabalho pesado. Com enormes lonas plásticas se cobria toda a quadra demarcada.
Depois disso, colocava-se saquinhos compridos costurados com areia dentro em toda a extensão da quadra, de maneira que tudo ficasse bem vedado e aí entrava a parte mais perigosa da tarefa: Injetar gás venenoso dentro da quadra vedada.
O produto era tão nocivo que os seis trabalhadores se apresentavam equipados com material de segurança desde o macacão, luvas e máscaras que impediam que eles aspirassem o veneno.
Mas essa prática não alterava o sabor do café na hora em que ia para o bule porque segundo o encarregado, dias depois todo o gás se desfazia, deixando apenas o resultado da pratica no chão, ou seja, milhares de bichinhos (brocas) exterminadas.
Estamos em 1970 e a família já havia mudado para outra casa, só que nesse caso, não era o espírito aventureiro de seu Carlos que estava falando mais alto, e sim a renovação do aluguel da 2° casa, que estava inviabilizando a continuação, pois o proprietário estava pedindo um preço absurdo para a renovação.
Assim a melhor opção seria ir para outro lugar.
Já se cogitava até em ir embora da cidade.
- Vou só esperar que o Renato e meu irmão fiquem desempregados para então irmos embora, comentou ele com dona Gisa.
Reinaldo havia arranjado uma namoradinha e gostava de levá-la ao cinema, porém não se sentia bem em ter que pedir dinheiro ao pai, e essa tarefa normalmente ficava a cargo de Renato que era mais cara de pau.
Só que Renato sabia das dificuldades do pai e acabava dando dinheiro do seu próprio bolso e Reinaldo mais constrangido ficava por se sentir sem ação e agora sem emprego, pois, havia saído do escritório.
Se para Renato e o tio, conseguir um trabalho embora temporário, havia sido uma questão de sorte, pois, precisou uma firma de fora, vir à cidade e contratá-los apenas porque seu Carlos tinha certa influência como funcionário do IBC, imagine então quando é que Reinaldo conseguiria um emprego.
Não era todo o dia que uma firma de expurgo caia do céu na cidade.
Já estava ficando adulto e no mês de setembro completaria 17 anos.
O serviço militar o incomodava.
O ano chegava a sua primeira metade.
O Santos F.C. já estava sem a maioria de seus craques que haviam se despedido no tri paulista de 69: Pepe e Gilmar aposentados, Coutinho se transferindo para a Portuguesa de Desportos, e Dorval e Formiga iniciando suas carreiras como treinadores.
Ainda em maio o Santos mesmo sem todos esses ícones do futebol excursionava pelo mundo, trazendo na bagagem alguns troféus:
O Hexagonal do Chile e no Brasil a Taça Cidade de São Paulo. Era muito pouco para um time acostumado a grandes conquistas.
No Campeonato Paulista desse ano, fica apenas em quarto lugar.
Mesmo assim para orgulho de seus torcedores, manda Carlos Alberto, Clodoaldo e Pelé para a Copa do Mundo no México.
E eles não decepcionam.
Brasil 4 x 1 Itália
Na decisão contra a Itália o Brasil é mais que favorito, tanto que Renato, resolvera participar de um bolão com todo o pessoal do IBC, funcionários, equipe de expurgo, e outras pessoas que resolveram entrar no bolão.
Havia cravado 4 x 1 para o Brasil e quando Pelé enfia aquela bola açucarada para Carlos Alberto encher o pé, e decreta o placar final, Renato não sabe se comemora o título da seleção ou o fato de ter acertado seu palpite.
Estava na casa da irmã de Rosana, e no final da partida, correu feito louco pela rua gritando, Ganhei! Ganhei! Ganhamos Brasil!
Foi para casa dar a boa notícia para a família.
Na segunda-feira pegava toda aquela dinheirama, junto com ele apenas mais um colega havia acertado o palpite, e assim dividiram o dinheiro meio a meio.
Não era muita coisa, mas deu para ajudar os pais em algumas despesas e ainda dar algum para o irmão.
O trabalho de expurgo havia chegado ao seu final, e o encarregado fazia os acertos financeiros com os seis empregados.
Renato sentiu uma tristeza muito grande, havia feito amizade com todos nos seis meses em que trabalhara no armazém. Mas era essa a realidade, e agora se via desempregado novamente.
Ainda não sabia das intenções do pai com relação a irem embora de Garça.
Seu Carlos reuniu a família dizendo que iriam ficar somente até o Natal, depois disso iriam embora, pois ele queria passar o reveillón com os parentes em Santos.
Renato sabia que o pai estava escondendo a verdade, pois nunca fora dessas frescuras de passar Ano Novo com parentes, e que o que gostava mesmo era de estar nesse dia, apenas com a esposa e os filhos, e claro o irmão que agora estava com ele.
Sentia-o triste, o salário e mais a diária, já não estavam sendo suficientes para que ele desse um conforto melhor à família, prova disso era a casa que havia alugado. Velha de madeira, caindo aos pedaços, e um banheiro no quintal que nem vaso sanitário tinha, e quando tinham de fazer suas necessidades, elas iam cair no fundo de um poço que exalava um cheiro nada agradável.
Apesar disso, dona Gisa e os filhos nunca reclamavam, o mais importante é que estavam juntos para o que desse e viesse.
Mil coisas passavam pela cabeça de Renato, recordando o primeiro dia em que entraram lá na casinha de boneca da Melchiades Nery de Castro, os meninos caçoando deles por estarem pegando cocô de cavalo na rua, as amizades com as garotas, as brigas com os ciumentos de plantão e principalmente a garota de sorriso lindo. (por onde andaria ela?)
Tudo isso passava como um turbilhão no seu pensamento. Sua estadia na cidade estava acabando assim como sua história.
Reinaldo havia deixado a namorada, pois sabia que não poderia se envolver mais seriamente com ela, e depois ter que abandoná-la. Iria se apresentar ao Serviço Militar, mas, em Santos, quem sabe não tivesse uma melhor sorte do que tivera Renato e conseguisse alguma coisa na Marinha ou Aeronáutica.
Voltou primeiro para Santos, e foi morar com a irmã de seu Carlos, indo trabalhar como feirante.
Fim de uma linda aventura
Algum tempo depois a família toda também partia.
Dias antes, seu Carlos, Renato e dona Gisa foram à casa do amigo Waldir para se despedirem e seu Carlos comunicou a ele que iria fazer de tudo para que ele fosse para o Santos F.C., pois tinha amizade com o presidente do clube, e com o treinador.
Waldir agradeceu e acabou dando a notícia que Renato a tanto esperava. Sua garota de sorriso lindo havia se mudado para Barretos.
Deixou o endereço com Renato que na primeira oportunidade escreveria para ela.
Em setembro de 70, com um pouco da experiência que tivera em Garça, consegue um emprego e vai trabalhar na mesma área em um armazém em Santos.
A família estava provisoriamente na casa de uma das irmãs de dona Gisa, mas quase nem tiveram tempo de esquentar cadeira.
De Santos a São Paulo num piscar de olhos
Três meses depois, já estavam em São Paulo. O destino agora era um armazém do IBC, na Vila Carioca, um subdistrito do bairro do Ipiranga, na divisa com São Caetano.
O armazém ficava a duas quadras da Rua Auriverde, onde seu Carlos havia alugado uma casa de fundos.
O tio Moacir, novamente os acompanhava e junto com Renato, vai trabalhar como ajudante geral no armazém.
Próximos de Santos, Renato e Reinaldo agora não perdiam a oportunidade de todo o final de semana descerem a serra e junto com os primos aproveitarem as praias. Gostavam de frequentar a Biquinha, e o Gonzaguinha, praias de São Vicente que tinham mais a ver com a cara dos dois, por causa das amizades.
Renato ainda se lembrava da garota de Garça, mas havia perdido seu endereço, agora não recordava se na mudança para Santos ou para São Paulo, eram tantas as mudanças que em alguma parte, alguma coisa haveria de se perder.
Não queria entrar em contato com Waldir, pois a promessa que seu pai fizera a ele de trazê-lo para o Santos não pode ser cumprida, e Renato achava chato pedir qualquer coisa que fosse a ele.
Assim, a garota foi ficando longe em sua memória. Tinha que tocar sua vida, e não era conveniente ficar vivendo de passado.
O rock pesado e suas vastas cabeleiras
Entrava a década de 70, com todas as suas mudanças de comportamento, de moda e de música.
Cabelos compridos, calças justas, bocas de sino blusas com as mangas cheias de franja.
Grupos de rock fazendo som pesado, tirados da inspiração nos Beatles que acabavam de se separar, e que deixavam como último legado, o LP Abbey Road, curiosamente gravado antes do Let It Be, mas lançado depois, com muito som pesado, que também tinham sido herança deles mesmos no Álbum Branco.
Agora o que se ouvia era Deep Purple, Led Zeppelin, Black Sabbath, considerados o Trio de Ferro da Inglaterra.
Na esteira vinham bandas menos conhecidas, mas, não menos essenciais ao rock que se formava.
Reinaldo ainda não trabalhava, por isso sempre que Renato tinha um dinheiro a mais, lá iam os dois para São Vicente.
Chegavam na sexta à noite e só voltavam no domingo.
A Turma da Caveira e a banda de rock
Foi assim que criaram “A Turma da Caveira” junto com um primo e mais quatro amigos, entre os quais duas garotas. “minas” como se costumava falar.
Tinham um assobio próprio para se comunicarem na praia ou nos shows de rock que eram realizados no E.C. Beira Mar “O Beira” como era conhecido e no São Vicente Praia Club, lá perto do Corpo de Bombeiros, no caminho para a Ponte Pênsil.
Dona Gisa havia bordado uma caveira, no lado direito de suas jaquetas e eles gostavam de “tirar onda”, se exibindo aonde iam.
Um dos rapazes tinha um fusquinha batizado de Herbie, e nele, não perguntem como, iam as sete pessoas. Uma em cima da outra. O que valia mesmo era a curtição, sem maconha e sem LSD e sem violência, puramente curtição.
Quando nem Renato e nem o pai, tinham dinheiro para que eles descessem a serra, eles davam um jeito de pegar carona.
Primeiro indo até a Via Anchieta com alguém, depois completando a viagem até a Baixada.
Claro que essas caronas seu Carlos jamais ficou sabendo. Era a situação típica de dois rapazes no início dos anos 70 ávidos por aventuras e cheios de imaginação. (mochila nas costas e pé na estrada).
Por essa época, montaram uma banda chamada Cosmos Originary, com dois integrantes da Turma da Caveira, que tocavam guitarra.
Conseguiram um maluco para a bateria e costumavam ensaiar em cima de um barzinho no Bairro do Beira Mar em São Vicente.
Renato, Reinaldo, os primos e as garotas, ficavam por conta do coro, pois não tocavam nada, só vitrola como dizia seu Carlos.
Faziam bons covers, do Creedence Clearwater Revival que eram sua fonte de inspiração, de George Harrison o grande guitarrista dos Beatles que após a separação pode mostrar toda a sua habilidade como compositor e de vários outros grupos de rock.
As apresentações do Cosmos normalmente eram na quermesse do Brasil um clubezinho de São Vicente.
Garça parecia ter ficado para trás na memória de Renato, assim como a garota de sorriso lindo.
Não queriam fama nem sucesso, só queriam curtir o momento...e curtiam.
O amigo Waldir, depois de ter passado pela Ponte Preta de Campinas, foi se firmar no São Paulo e em pouco tempo também deixava sua história na seleção brasileira.
Uma nova vida na Mata Atlântica
Seu Carlos finalmente começava a melhorar as condições de vida. Conversando com um amigo, descobriu que lá pelos lados de Ribeirão Pires estavam vendendo lotes de terras, na divisa com Rio Grande da Serra.
Eram terras baratas que com uma pequena entrada podiam ser adquiridas sem muita burocracia.
Num sábado pegou toda a família e foi para Ribeirão. Chegaram à imobiliária e junto com um corretor foram conhecer o tal loteamento.
Toda a área era coberta por mata virgem, a Mata Atlântica que ali ainda reinava intocável.
O loteamento estava localizado em um morro, que tinha como única opção de entrada, uma estradinha de terra, aberta por pás carregadeiras.
Seu Carlos se encantou com uma área já na descida do morro, que dava vista para a cidade de Rio Grande da Serra.
Se fechassem negócio seria uma tarefa árdua limpar todo aquele local e deixa-lo pronto para construção.
- O que vocês acharam? Perguntou seu Carlos.
- Eu achei ótimo, disse dona Gisa, pelo menos poderemos ter nosso próprio cantinho.
O tio Moacir que também havia ido, concordou com ela.
Renato e Reinaldo apenas acenaram afirmativamente com a cabeça, pensando em quantas vezes teriam de deixar de ir para a casa dos primos em São Vicente, por conta daquelas terras.
- Sendo assim, vamos para a imobiliária fechar negócio, disse dirigindo-se ao corretor que ria certamente pensando no bom negócio que fizera.
Algumas horas depois seu Carlos saía da imobiliária, exibido o contrato na mão.
- Tá feito! Aquele vai ser nosso cantinho de lazer nos finais de semana.
Reinaldo passou a fazer um curso numa escola de aeronáutica. Estava determinado em seguir carreira.
Renato e o tio continuavam trabalhando no armazém do IBC.
As idas para São Vicente realmente estavam ficando mais difíceis, pois mais animados com a chácara que haviam adquirido os irmãos passaram a dedicar seu tempo livre a ajudar o pai e o tio na limpeza do terreno que somava 5.326m².
Na sexta-feira ia ao mercado da Lapa com Reinaldo e Renato e lá comprava miúdos de frango e frutas.
Dona Gisa temperava o frango na sexta à noite, e no sábado bem cedinho, pegavam o trem na Vila Carioca, indo até o centro de Ribeirão Pires, onde ainda tinham que tomar um ônibus, até o Jardim Valentina, bairro na divisa com Rio Grande, onde estava localizado o loteamento.
Dali subiam o morro a pé.
Na hora do almoço, Dona Gisa estendia uma toalha em uma clareira que haviam aberto, e ali no meio das formigas e outros insetos, devoravam os miúdos de frango e as frutas com refrigerante quente.
Ao entardecer, juntavam as coisas e escondiam as ferramentas no meio do mato fechado.
No domingo faziam o mesmo.
Já era a quarta semana que a família ia ao local para desmatar o terreno e seu Carlos havia trazido o pai seu Luiz, que apesar da idade, ainda tinha muita força e era o encarregado de com o machado cortar as raízes das árvores (destocar) como ele dizia, para que as mesmas não crescessem mais.
Dois fatores estavam cansando a família, mas principalmente seu Carlos e dona Gisa. Primeiro o fato de terem que se deslocar todo o sábado e domingo para lá. Segundo que tinham de pagar o aluguel da casa e mais as prestações do terreno.
-Se ao menos pudéssemos construir uma casinha pequena, apenas para que saíssemos do aluguel, disse ele a dona Gisa.
- É! Mas para isso teríamos que abrir mão de várias coisas, inclusive o curso de Aeronáutica que o Reinaldo está fazendo, retrucou dona Gisa.
- Mas Ribeirão Pires não fica tão longe que uma viagem de trem não resolva, respondeu seu Carlos, além do mais até construirmos essa bendita casa, Reinaldo já pode ter terminado o curso.
Morando no meio do mato
Num sábado em que lá estavam, notaram um grande movimento no terreno abaixo, onde havia uma modesta casa.
Vários carros estacionavam em frente ao local com pessoas rindo e falando alto.
- Na hora em que pararmos para comer eu vou dar uma chegada lá como quem não quer nada, só por curiosidade, afinal é a primeira vez em um mês que alguém resolve vir aqui, disse seu Carlos.
Assim, depois do almoço, lá foi ele e dona Gisa, conversar com o vizinho que junto com os demais, se divertia cantando ao toque de cerveja e churrasco.
Logo estavam diante dele. Pedro era seu nome. Era de Santos e só de vez em quando vinha com os parentes e amigos para a chácara.
Chácara esta que tinha um pequeno lago, a casinha modesta que mais tarde seu Carlos soube se tratar de apenas um cômodo que tinha um fogão a lenha.
-Minha ideia é criar patos e galinhas aqui aproveitando esse lago, além de plantar algumas árvores frutíferas, mas eu não tenho tempo de vir sempre aqui, por causa de meu trabalho em Santos e não conheço ninguém de confiança que tenha disponibilidade para morar aqui e tocar meu projeto.
Rapidamente os neurônios de seu Carlos começaram a funcionar.
- Olha! Eu tenho uma chácara no terreno acima, mas moro em São Paulo e só venho aqui aos sábados e domingos, para limpar o terreno que pelo andar da carruagem para ficar do jeito que eu quero vai levar muito tempo ainda. Dias atrás conversava com minha esposa a respeito de como seria bom se já tivéssemos uma casinha construída para podermos mudar para cá de vez. Podemos unir o útil ao agradável, eu venho morar em sua casa, cuido dos animais que você comprar e continuo meu trabalho no meu terreno. O que me diz?
O proprietário olhou para sua esposa que estava ao lado, perguntando o que ela achava.
Imediatamente ela respondeu que concordava, concluindo que nos finais de semana em que viessem com os parentes e amigos, seu Carlos certamente estaria cuidando de suas terras.
-Mas quero deixar claro uma coisa disse seu Carlos, o serviço pesado eu não vou fazer no seu terreno, esse eu reservo para o meu terreno, ok?
- Fechando negócio, quando vocês se mudariam para cá?
- Nessa semana que entra mesmo, não sou de esperar muito para fazer as coisas.
- Então está combinado, quando formos embora eu subo lá e deixo a chave da casa, mas lembre-se que o cômodo é pequeno e vocês terão que ver o que vão trazer para cá.
- Não se preocupe, só vamos trazer camas, mesa, um armário o guarda roupa e nosso fogão, apesar de vocês terem um a lenha aqui, televisão e geladeira eu vou vender.
Da teoria à prática não se passou nem três dias e já na quarta-feira da semana seguinte, por volta de 10h00, após terem pedido licença do serviço, um caminhãzinho parava defronte à chácara de seu Pedro.
Imediatamente se Carlos o irmão e o pai se encarregavam de montar as camas, enquanto os meninos faziam alguma pequena limpeza na casa, e dona Gisa se apressava em recolher lenha para fazer o almoço.
Ela tinha uma grande prática em lidar com fogão à lenha, pois, não esquecera de seu fogão em Araraquara.
Depois do almoço subiram ao terreno para pegar as ferramentas que estavam espalhadas pelo mato.
A vida da família corria tranquila, embora as dificuldades fossem maiores, pois Renato, seu Carlos e o tio Moacir continuavam trabalhando em São Paulo, e Reinaldo ainda continuava no curso.
No sítio só ficava dona Gisa e seu Luiz que bem cedinho ia para o terreno continuar o desmatamento.
Seu Carlos resolveu pedir para que o tio Moacir deixasse o serviço no armazém para se dedicar junto com o pai, ao terreno, para ver se assim as coisas andavam mais depressa.
Moacir concordou e passou a ajudar o pai, além de cuidar das aves que Pedro já havia levado para lá e também das mudas das árvores frutíferas.
No sábado e domingo todos se reuniam no terreno par cuidar do terreno, menos dona Gisa que ficava por conta de fazer o almoço.
Mas seu Carlos não sossegaria enquanto não tivesse sua própria casinha, por isso a meta agora era deixar uma área limpa para se concentrarem na construção.
Seu Pedro aparecia na chácara apenas de vez em quando, e assim mesmo sozinho apenas para ver se precisavam de alguma coisa para os animais ou fertilizante para as árvores, e em seguida ia embora, mas seu Carlos sentia-se incomodado por saber que aquele teto não lhe pertencia.
Demarcado o local a família se concentrou em limpá-lo e em pouco tempo já estava pronto para a construção.
Seu Carlos comprou o material de construção necessário solicitado pelo pai, e assim, deixavam momentaneamente o trabalho de limpeza do terreno para se dedicarem a levantar uma casinha, provisória.
- Essa vai ser só prá quebrar o galho, para podermos sair da casa do Pedro. A casa que quero construir vai levar muito mais tempo ainda, pois quero construí-la do jeito que sempre sonhei.
Tempos depois, já tinham um teto próprio para morar.
Seu Luiz havia levantado um cômodo com dois quartos pequenos e a cozinha ficava num galpão semiaberto com uma parede apenas para que o vento não atrapalhasse na hora em que o fogão estivesse aceso.
Levaram os pertences para a casa, deixando apenas a cama do tio Moacir, e do vô Luiz, que continuariam na casa, cuidando das aves e árvores de seu Pedro.
Pela manhã o tio e o avô, subiam com alguns baldes d’água, que pegavam na fonte que formava o lago no terreno de seu Pedro e dona Gisa preparava o café.
Depois guardava o restante em um filtro de barro que haviam comprado.
Precisavam urgentemente cavar um poço.
Perigo a 40 metros de profundidade
Renato havia saído do armazém em que o pai trabalhava, e estava agora trabalhando em São Paulo.
Reinaldo havia saído do curso, pois com a mudança para Ribeirão Pires, estudar na Capital estava muito difícil. Havia sido dispensado do serviço militar, e sua preocupação agora era ter um emprego.
Enquanto isso não acontecia, iria ajudar o tio a cavar o poço
.
A chácara já estava em estado adiantado com quase 80% da área pronta para receber plantação. Haviam propositalmente deixado uma área grande, com as árvores nativas intactas, onde construíram banquinhos e mesas de madeira.
Ali seria o bosque da família, disse seu Carlos.
Em fevereiro de 72 Renato deixava o emprego em São Paulo pois para ele estava ficando muito cansativo.
Saía do emprego às 18h00 pegando o ônibus para Ribeirão no Parque Dom Pedro, mas só conseguia chegar em casa por volta de 22h30, pois de Ribeirão até a subida para a chácara, não havia mais ônibus e lá ia ele estrada afora a pé.
O problema era que pela estrada havia luz nos postes, mas, quando subia o morro, a escuridão era total, por isso sempre andava com uma lanterna a tiracolo.
Em dias de chuva as coisas pioravam por causa da lama.
Falando com o pai este concordou.
- Enquanto você não consegue outro emprego, pode ajudar seu tio e seu irmão a cavar o poço.
Resolveram que o poço seria próximo da casa já construída, pelo motivo óbvio que não precisariam ir lá em baixo buscar a água e trazer até a casa.
Assim munidos de balde, sarilho e cordas, tio e sobrinhos iniciaram aquele trabalho árduo.
Só que na parte mais alta justamente onde se encontrava a casa, após cavarem 40 metros terra adentro, o trabalho acabou dando em nada, ou melhor, deu em gás.
Conversando com entendidos no assunto na vila, seu Carlos descobriu que água mesmo só achariam na parte mais baixa do terreno.
Se tivessem perguntado antes, não teriam perdido um tempo enorme.
Seu Carlos então resolveu que a casa principal seria construída na parte baixa do terreno, e o poço seria aberto ali.
Água finalmente!
De fato, depois de algum tempo e 30 metros cavados, logo começava a brotar água lá no fundo, e foi uma grande alegria para o tio Moacir que gritou quando se deparou com a água jorrando.
Renato e Reinaldo se revezavam no sarilho, puxando a terra molhada que o tio colocava no balde.
Em poucos minutos a água já atingia um metro, mas segundo os entendidos, ainda assim era necessário que se cavasse mais um metro, para que a água chegasse limpa.
A construção da casa principal feita de madeira, seria lenta e gradual.
- Se vamos construir nosso teto definitivo, que seja da maneira que planejarmos com conforto para todos.
Nesse tempo, Reinaldo havia conseguido um emprego em uma indústria química na divisa com Rio Grande da Serra, e Renato estava trabalhando em uma firma de componentes eletrônicos em Ribeirão Pires.
Agora podiam ajudar o pai, na compra do material de construção, pois estavam ganhando razoavelmente bem.
Por conta do trabalho em sistema de turno e mais o trabalho na chácara, tanto Renato quanto Reinaldo deixavam os passeios à São Vicente um pouco de lado.
Finalmente a tão sonhada casa estava pronta. Com três quartos, uma sala enorme, cozinha com fogão à lenha e uma área de serviço parcialmente coberta para que nos dias de chuva dona Gisa não reclamasse que não podia secar as roupas.
Agora Renato e Reinaldo estavam mais sossegados e podiam novamente ir para São Vicente nas folgas.
O fim da Turma da Caveira
Já não era mais a mesma coisa, pois os amigos estavam namorando sério e outros até se casando, e assim a Turma da Caveira e a banda Cosmos Originary ia aos poucos se desfazendo.
A curtição agora era a praia e os bailes do Beira e do Praia Clube.
Reinaldo havia comprado um toca discos que funcionava com aquelas pilhas enormes, e ele e o irmão podiam ouvir seus discos de rock.
No quarto deles posters e mais posters de bandas de rock colados na parede. Zeppelin, Purple, Sabbath, Beatles, Pink Floyd, T. Rex, e a sensação do momento Alice Cooper.
Os pôsteres vinham numa revista de rock lançada recentemente que eles colecionavam.
A coleção de discos, também estava aumentando, pois tinha vezes que os irmãos saíam com destino à Santos, mas ao passarem por uma loja de discos em Santo André, não resistiam à tentação de mais um álbum para a coleção, e aí para surpresa dos pais, lá estavam eles de volta à chácara, ás vezes com dois ou três discos na mão, para desespero de seu Carlos.
O chiqueiro e o galinheiro já estavam prontos e seu Carlos comprou um casal de porcos de raça alemã, assim como um galo e algumas galinhas.
Ao mesmo tempo, começavam a plantar vários tipos de árvores frutíferas, canteiros com legumes e verduras, além de um grande carramanchão na entrada da chácara com parreira se espalhando por ele.
Comprou também um cavalo e uma carroça para que o tio Moacir pudesse buscar lavagem no restaurante da vila, para dar aos porcos.
O rock e suas performances teatrais
Deep Purple, Led Zeppelin e Black Sabbath, se firmavam cada vez mais no cenário do rock.
Surgiam também outras bandas: Uriah Heep, Nazareth e Slade entre outros.
Os discos do Alice Cooper, banda liderada pelo vocalista Vincent Furnier, estavam chegando aos montes nas lojas do Brasil e se tornavam conhecidos pelo álbum Billion Dollar Babies de 1973.
Já era o sexto ábum do grupo embora os dois primeiros Pretties For You de 69 e Easy Action de 70 (que chegaram ao Brasil em forma de álbum duplo), não acrescentassem nada ao mundo do rock.
Eles só se firmariam mesmo como rockeiros na essência, com o lançamento de Love It To Death lançado pela Warner Bros trazendo entre as faixas: Ballad of Dwight Fry, que é uma referência ao ator de Hollywood, Dwight Frye, (1899-1943), cuja carreira se estendeu durante as décadas de vinte, trinta e quarenta.
Ele é mais notório pelo seu papel como o corcunda Fritz em Frankenstein e Reinfield em Drácula, nas primeiras versões produzidas para o cinema. Alice Cooper compôs a letra da canção lembrando seu primeiro período em uma clínica de desintoxicação alcoólica, onde segundo ele, se sentia como o personagem Reinfield, que Frye tão habilmente personificou.
Por outro lado, aqui no Brasil tínhamos Secos & Molhados, que embora não contassem histórias quilométricas em suas músicas, se apresentavam maquiados ao extremo, com o vocalista Ney Matogrosso exibindo sua dança cheia de trejeitos.
Seu primeiro álbum de 73 autointitulado, trazia o hit Sangue Latino, O Vira e o poema de Vinícius de Moraes adaptado por Gerson Conrad: Rosa de Hiroshima.
Campeonato Paulista de 1973 – O dia em que um juiz errou na matemática
Em 26 de agosto de 73 o Santos cheio de caras novas volta a conquistar o campeonato paulista. É o décimo terceiro de sua história, com Pelé sendo o artilheiro da competição com 11 gols.
Por causa de um erro grotesco do juiz Armando Marques, o título que havia sido decidido em penalidades, acabou sendo dividido com a Portuguesa de Desportos.
Renato havia acabado de sair da firma de Ribeirão Pires, pois, havia sido chamado para trabalhar na Indústria Química onde o irmão trabalhava, embora em outro setor.
Os parentes de seu Carlos e dona Gisa, continuavam visitando a chácara todos os finais de semana, onde se divertiam no bosque ouvindo os discos de seu Carlos, bebendo cerveja que vinham acondicionadas em caixas de isopor com muito gelo e churrasco ou as feijoadas que dona Gisa preparava como ninguém.
Nesses dias os meninos nem se atreviam a querer colocar seus discos de rock pra tocar pois não era a praia dos parentes que preferiam os samba-canção do seu Carlos.
Assim, eles saiam com os primos pela mata virgem ao redor da chácara.
Não era sempre que eles podiam ficar com os pais e os parentes, pois, como trabalhavam em sistema de turno acontecia de suas folgas serem no meio da semana, e era nesses dias que eles desciam a serra (quando não havia nenhum disco novo na praça, claro).
Reinaldo estava entrando de férias, e comunicou a todos que iria passá-la integralmente em São Vicente para descansar um pouco de todo aquele trabalho na chácara.
Renato com menos tempo no emprego ainda não tinha direito a férias por isso teve que se contentar com as folgas de turno para poder descer também.
Numa tarde após ter chegado do trabalho, antes de subir para a chácara, foi buscar pão na padaria da vila.
Uma gata no meio do mato
Lá dentro se deparou com uma moça acompanhada de uma garotinha.
Era linda, loura de olhos verdes e sorridente.
Renato se aproximou dela cumprimentando-a, e dirigindo-se à garotinha brincou com ela dizendo que era muito bonitinha.
Essa foi a deixa para puxar conversa com a moça.
- Olá meu nome é Renato, é a primeira vez que a vejo aqui.
- Meu nome é Lia e essa é minha irmãzinha Lídia, é verdade, acabamos de nos mudar para cá, meu pai comprou uma chácara ali atrás do posto de gasolina, na entrada da vila.
- Eu já estou há mais tempo, temos uma chácara lá no alto do morro.
Compraram seus pães e saíram.
- Você não quer ir até minha casa? convidou Lia.
- Posso ir sim, é caminho.
Entraram por uma mata densa que ficava atrás do posto.
Logo na frente um enorme portão de madeira, e mais adiante a casa, de alvenaria, e pintada de branco. Muito bonita.
No quintal, patos e galinhas ciscavam fazendo uma barulheira enorme.
Ao chegarem, Lia se apressou em apresentá-lo à sua mãe, aos dois irmãos, Pedro e Paulo e as irmãs Carla e Carina.
O pai trabalhava em outra cidade e só aparecia por lá nos fins de semana, havia dito Lia, no meio das apresentações.
Depois de conversarem por algum tempo, Renato se despediu e Lia o acompanhou até a saída da chácara.
- Agora você está me devendo uma visita, brincou ele.
Lia se aproximou para beijá-lo no rosto, mas Renato não resistindo. Beijou-a na boca.
Pediu desculpas pelo atrevimento, mas Lia, longe de brigar, puxou-o contra si e beijou-o com mais força.
Renato sorriu e foi embora
.
Dentro dele um sentimento novo estava nascendo
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Na tarde seguinte foi novamente buscar o pão, claro que na esperança de encontrá-la.
Ela já estava em frente ao posto
.
- Comprei o pão mais cedo e só estava te esperando. Vi quando você desceu do ônibus da sua firma. Posso ir conhecer sua chácara?
- Claro, está disposta a subir o morro?
- Vamos lá
.
Pelo caminho, paravam para se abraçar e se beijar.
- Lia, você está reascendendo um sentimento que eu havia esquecido a alguns anos.
- Eu também estou me sentindo assim, Renato.
Já em casa Renato a apresentou a todos.
Notou que ao ser apresentada à dona Gisa, esta franziu a testa. Sabia que quando a mãe fazia isso era sinal de que alguma coisa não estava de acordo, porém não se ateve demais ao fato.
A partir desse dia começaram a namorar, e não havia um só dia ou folga em que os dois não estivessem juntos, ou na sua casa ou na casa dela.
Se Renato estava trabalhando na parte da tarde, ia encontrá-la de manhã, se estava trabalhando à noite, dificilmente dormia, pois queria ficar acordado e com ela.
Estava virando um verdadeiro grude.
Parecia que aquele sentimento que tivera por Cíntia, estava definitivamente se apagando.
As férias de Reinaldo estavam terminando, e ele voltou para casa três dias antes. Queria ficar um pouco com os pais antes de retornar ao trabalho.
Renato que naquela semana estava no turno da noite e havia acabado de chegar, tomava seu café da manhã junto com todos.
Contou ao irmão sobre Lia, e mais tarde iria buscá-la para apresentá-la a ele.
Outra decepção amorosa
Assim à tarde ele foi buscá-la e em poucos minutos Reinaldo a conhecia.
Parecia que um raio havia atingido os dois.
Lembrava muito aqueles desenhos animados em que o casal fica paralisado e coraçõezinhos saem deles.
Renato sentiu que alguma coisa estava errada e que estava acabando de perder a namorada.
Foi tomar um banho para ir para o trabalho, e quando retornou ao quarto, Reinaldo e Lia, estavam na varanda conversando. Do seu quarto podia ouvir o que diziam, embora não tivesse interesse nisso, porém uma frase dita por Reinaldo, fez com que ele passasse a prestar a atenção na conversa:
- Mas você está namorando meu irmão e isso não seria justo.
- Eu sei disso, mas ao te ver parece que tomei um choque.
-Também me senti assim, mas não posso trair meu irmão.
Ao ouvir aquilo, Renato sentiu o mesmo soco no estômago que havia sentido quando seu pai havia dito ainda lá em Garça que Cíntia tinha ido embora da cidade.
Porém mostrou-se frio como se nada estivesse acontecendo. Depois de pronto surgiu diante deles, chamando Lia para irem embora.
Mesmo no escuro percebeu um olhar de tristeza de Lia ao olhar para Reinaldo.
Dona Gisa perguntou se podia colocar a janta dele, mas havia até perdido a vontade de comer.
- Não mãe! Estou sem fome, depois como alguma coisa lá no serviço.
- Mas nós já vamos? Perguntou Lia.
- Sim, vamos respondeu quase que secamente.
Ela olhou para Reinaldo e com a voz quase sumida disse tchau.
No caminho Renato não abriu a boca, esperava que ela dissesse alguma coisa.
- Muito bonito seu irmão disse ela finalmente rompendo o silêncio.
- É verdade, e muito charmoso também, respondeu Renato, gostou dele?
A pergunta vinha com um duplo sentido e sarcasmo, mas Lia soube se desvencilhar dela.
- Gostei sim, ele é muito simpático.
(falsa) pensou Renato.
Já no portão da chácara Lia quis beijá-lo porém Renato de esquivou.
- Está acontecendo alguma coisa? Perguntou ela.
- Não sei, está? Respondeu Renato novamente com sarcasmo.
- Vai me levar até a porta de casa?
- Não, daqui volto para esperar o ônibus.
Ia dentro do ônibus pensando no que havia acontecido e apesar de triste procurou ver aquilo com bons olhos. Se imaginou com ela a mais tempo, já completamente seduzido, e passando por aquela situação.
Seria muito pior de aguentar, ainda bem que aconteceu no início, assim tenho como me recompor, pensou com seus botões.
No trabalho procurou se concentrar apenas nos seus afazeres e na hora do lanche, já se sentia mais aliviado (o soco no estômago já estava passando).
Pela manhã no caminho de volta para casa, já sabia o que fazer.
Tinha passado na padaria e trazia pão fresquinho.
Dona Gisa já estava preparando o café enquanto o pai se preparava para ir trabalhar.
Aproveitando que estavam os dois sozinhos na cozinha, dona Gisa perguntou o que havia acontecido naquela noite para que ele estivesse tão abalado, a ponto de não querer jantar.
Renato contou tudo à ela.
- Eu sabia. Quando você a trouxe aqui pela primeira vez senti que alguma coisa nela não estava certa.
- É verdade, eu percebi sua reação pelo seu semblante, mas não se preocupe mãe, eu já sei o que preciso fazer.
- Veja lá o que vai fazer filho, não cometa nenhuma besteira.
- Claro que não dona Gisa, só não sei se o que vou fazer é o certo.
Mais tarde foi buscar Lia em sua casa. Queria colocá-la frente à frente com Reinaldo.
No caminho de volta não comentou nada com ela e para não levantar suspeita vieram abraçados morro acima.
Chamou Reinaldo e foram os três para o bosque.
- Olha só, eu acredito em paixão à primeira vista e acho que foi exatamente isso que aconteceu quando eu os apresentei um ao outro.
- Mas, mano...
- Quieto Reinaldo, o que estou tentando dizer é que ontem quando saí do banho e fui me trocar no quarto, ouvi o que vocês conversavam. Para mim foi como se tivesse tomado um chute no estômago por isso nem quis ficar muito tempo em casa, preferindo ir para o trabalho imediatamente.
- Hoje já mais calmo posso dizer com certeza que ainda não estou preparado para assumir alguma coisa com você Lia e nem com mulher nenhuma. Ainda tenho alguma coisa para tirar do meu coração, para aí sim estar livre.
Reinaldo olhou para Renato sabendo que ele estava referindo-se a garota de Garça.
- Além do mais não seria justo estar com você sabendo que seu pensamento está em meu irmão, então estou tirando meu time de campo e deixando o caminho livre para vocês.
Lia e Reinaldo sem ação ainda quiseram argumentar alguma coisa, mas Renato os impediu dizendo:
- E você dona Lia, trate de fazer meu irmão feliz, do contrário vai se haver comigo.
- Obrigado mano, por não estar rancoroso conosco.
Renato desceu até a casa e abraçando dona Gisa disse:
- Pronto mãe! Resolvi tudo da melhor maneira possível.
Pouco depois desciam Lia e Reinaldo e a apreensão de dona Gisa estava longe de acabar.
Renato agora nas suas folgas não queria mais saber de comprar discos em Santo André e preferia descer a serra e ficar em companhia dos primos e dos amigos.
Não queria atrapalhar os pombinhos que não se desgrudavam mais.
Nos dias em que estava trabalhando quando chegava em casa tratava de ir para o quarto ler suas revistas de rock e ouvir seus discos.
Algum tempo depois, Lia ia morar com Reinaldo na chácara.
O tio Moacir passou a ficar no quarto com Renato e seu quarto ficaria para os dois, visto que o avô depois de algum tempo, resolvera voltar para sua casa em São Vicente, pois queria no tempo de vida que ainda lhe restava, reformar a casa e construir uma outra no mesmo terreno para os filhos.
Num final de semana, como era de hábito, Tia Bel, e os filhos vieram passear na chácara, e resolveram junto com Reinaldo, Lia e seus irmãos, irem tomar banho e pescar na represa que existia próximo dali.
Todos se divertiam e os que tinham mais afinidade com a natação, se arriscavam a pular da ponte ou então nadar para locais mais profundos.
Quem não sabia nadar, ficava ali pela margem apenas pescando.
Não foi o caso de Pedro irmão de Lia, que, inadvertidamente, acabou se distanciando da margem.
Em poucos segundos começou a afundar e gritar por socorro.
Renato mergulhou e se aproximou dele, mas quando isso acontecia, Pedro se agarrava desesperado fazendo com que ele também afundasse, e Renato tinha que se desvencilhar dele.
Depois voltava para tentar salvá-lo e a cena se repetia.
Quase sem forças, Renato gritou para o primo Wilsinho que pegasse uma das varas mais compridas que eles haviam trazido, e, segurando na ponta agarrou Pedro pelos cabelos e do outro lado Reinaldo, Wilsinho e Paulo, puxavam os dois.
Pouco depois, extenuados os dois estavam na margem, sem a necessidade de respiração boca a boca, pois, não haviam engolido muita água.
Já na Vila, entraram em um barzinho e tomaram sozinhos, uma garrafa inteira de Coca Cola.
Assim o tempo passou, mas a situação na chácara não era a mesma.
Dona Gisa e Lia não se bicavam, mas ela nunca foi de maltratar ninguém e preferia curtir sua tristeza sozinha, sem que ninguém percebesse, pois, perto de Reinaldo, Renato e seu Carlos, Lia se transformava num cordeirinho.
Bastava estarem juntas e sozinhas para que ela atazanasse a vida de dona Gisa.
Seu Carlos que não era bobo, percebia a tristeza dela, e um dia obrigou-a a contar o que estava acontecendo.
A fuga para Santos
Um dia ao voltarem do trabalho depois de fazerem o turno da manhã, não encontraram os pais em casa.
- O que houve? Perguntou Reinaldo à Lia
- Não sei, disse Lia, só sei que seus pais pegaram as roupas no quarto e disseram que iam para Santos.
O tio Moacir que estava no quarto descansando, comentou que eles haviam dito a ele que não tinham pretensão de voltar mais, e que seu Carlos preferia vir de Santos a São Paulo para trabalhar do que continuar ali.
- Mas o que aconteceu de tão grave, o que você andou aprontando com os meus pais? Perguntou Reinaldo.
- Não aprontei nada, eles é que já estão velhos e enjoados.
Foi o bastante para Renato começar uma discussão com ela que logo foi contida pelo irmão e pelo tio Moacir.
Renato estava triste, aquela chácara depois que os pais se foram, não era mais a mesma, e nem os parentes vinham visitá-los.
O tio Moacir também se sentia só, e os dois se apegavam no trabalho com afinco, cuidando dos porcos que haviam se multiplicado, das aves e da plantação.
Alice Cooper em São Paulo
Alice Cooper estava vindo ao Brasil numa turnê chamada Billion Dollar Babies, cujo álbum já fazia parte da coleção dos meninos.
Nascido em Detroit em 1948, Vincent Damon Furnier, formou suas primeiras bandas na década de 60, mas foi em 69 que montou o Alice Cooper junto com Mike Bruce e Glen Buxton (guitarras), Dennis Dunaway (baixo) e Neil Smith (bateria).
O sucesso do grupo começou no momento em que o produtor Bob Ezrin aconselhou o vocalista a fazer performances teatrais nas apresentações, abusando de efeitos teatrais de horror e com sua jiboia chamada Kachina que deslizava pelo seu corpo.
Os primos e os amigos de São Vicente manifestaram o desejo de assistir a esse show que seria realizado no Anhembi em uma única apresentação e depois a banda iria para o Rio de Janeiro.
Claro que Renato e Reinaldo iriam ver o show mesmo com todo o empenho de Lia para que Reinaldo não fosse.
- Mas não tem ninguém nesse mundo que me impeça de ir, disse Reinaldo, bravo.
Assim ficou acertado que os primos e os amigos viriam para a chácara no dia anterior ao show, para que eles pudessem estar na frente dos portões do Anhembi no dia seguinte bem cedinho.
Naquela tarde-noite na chácara ao som de muito rock na vitrola à pilha dos meninos, regado à maconha, ninguém pregou o olho para desespero de Lia que brigava com todos, e principalmente com Reinaldo que não estava nem aí pra nada e enfrentava a fera com firmeza.
- Vocês nem se importam com seu tio que está cansado e precisa dormir.
- Deixa o pessoal se divertir, dizia o tio.
E assim a bagunça se prolongou até altas horas da madrugada.
Na manhã seguinte, com o mau humor que lhe era característico, Lia foi preparar o café enquanto a turma toda ia buscar o pão na vila, cantando alto e em um mau inglês, as músicas do Billion Dollar Babies.
Depois do café, com suas mochilas às costas, todos iam para São Paulo, enquanto tio Moacir subia para cuidar da criação.
Havia gente de todos os lugares do Brasil e em pouco tempo, o local ficou completamente lotado.
Quando os portões se abriram, foi um corre-corre para pegar os lugares lá na frente.
Como não havia cadeiras, o público teria que assistir ao show ou sentado mesmo ou em pé.
A maresia corria solta, mas a segurança nem estava se importando com isso.
Se fosse prender quem estivesse fumando não ficaria quase ninguém para o show.
No palco O Som Nosso de Cada Dia animava a turma.
Haviam montado um ambulatório de emergência próximo ao palco, para o caso de necessidade.
O calor lá dentro devido à quantidade de pessoas estava insuportável e muita gente antes do início do show já estava passando mal. Fosse por causa do calor fosse por causa da maconha que se fumava exageradamente.
Foi o caso de um dos amigos de Renato e Reinaldo, que não ligando para o conselho que lhe davam para que maneirasse, continuava queimando tudo.
- Cara, tu não vais conseguir ver nem o início do show desse jeito, comentou Reinaldo.
- Que nada, eu tô legal.
Alguns instantes depois as luzes se apagaram, dando lugar a canhões de luzes coloridas e muito efeito.
Depois os canhões se apagaram dando lugar novamente às luzes comuns.
No palco: Alice e sua cobra Kachina, Bruce, Buxton, Dennis e Smith iniciavam a batida de Billion Dollar Babies, para delírio de todos.
O amigo fumeta começou a passar mal, e levá-lo para o ambulatório seria difícil da maneira natural.
O jeito foi passá-lo por cima das pessoas que iam passando para outras e assim por diante até chegar ao palco, onde seguranças e enfermeiros o levaram para dentro do ambulatório. Isso foi feito não apenas com ele, claro, mas com outras pessoas que estavam se sentindo mal.
Os amigos nem tinham como acompanhá-lo.
- Deixem ele lá, logo se recupera, depois do show a gente dá um jeito de encontrá-lo, sugeriu Renato.
Até ali apenas alguns casos desse tipo apareceram, mas quando a banda começou a tocar os acordes de Elected, considerada pelos brasileiros como o carro chefe do álbum, por ser a música mais executada nas rádios, aí o Anhembi veio abaixo.
Começou um empurra-empurra, com gente caindo e sendo pisoteada. Todos queriam se aproximar mais do palco. E quem já estava lá na frente sofria mais as consequências, por não ter onde se apoiar.
O vocalista parou a música e pediu calma a todos, do contrário iria parar o show.
Foi o suficiente para que todos se acalmassem.
Para medir a dimensão do problema, Renato que havia ido com sua jaqueta, e trazia no bolso um maço de cigarros, ao tirá-lo do bolso, tudo o que encontrou foi apenas uma pasta de fumo misturada com o papel do cigarro.
Já com os ânimos mais calmos por medo de que a banda fosse embora, o show continuou.
No palco Alice entrava com uma escova e uma pasta de dentes enorme para cantar Unfinished Sweet.
Em outro momento trazia uma boneca decapitada na mão para a música Dead Babies.
Músicas de outros álbuns também foram cantadas.
No final do show, o resultado negativo era de apenas algumas pessoas feridas sem gravidade pelo tumulto, e muitas das que estavam no ambulatório era mesmo por overdose de calor e de maconha.
O amigo dos irmãos estava nessa lista.
Na volta para Ribeirão não pode deixar de ser zoado pelos amigos.
- Tá vendo sua besta, daqui a alguns anos o que você dirá para seus filhos quando eles ouvirem falar de Alice Cooper? Eu fui ao show, mas, não assisti, porque tinha bodeado, cutucou Reinaldo.
Ele nem tinha o que responder.
Voltaram para a chácara onde Lia esperava Reinaldo com aquele lindo rosto de poucos amigos.
Era bonita, mas, sabia fazer cara feia quando precisava.
Na manhã seguinte os amigos voltaram para São Vicente.
Renato segue o caminho dos pais
A chácara voltou à sua normalidade, porém, Renato não se sentia à vontade e depois de ponderar consigo mesmo decidiu ir morar sozinho apesar de todo o empenho de Reinaldo e Lia para que ele não fosse.
Alugou um quarto num dos poucos predinhos que havia no centro de Ribeirão e levou para lá somente suas roupas.
Assim começou uma nova rotina de vida. Normalmente almoçava ou jantava no próprio restaurante da firma.
No final do ano como estava no turno da noite, teve que comemorar o Ano Novo trabalhando, junto claro com os colegas de trabalho.
Montaram uma mesa próxima às suas máquinas (eram operadores de máquinas de extrusão), com vários tipos de comida e frutas que cada um deles se encarregara de trazer.
Bebida alcoólica nem pensar, apenas um espumante para brindar na passagem de ano.
Enquanto comemoravam suas máquinas não paravam de trabalhar.
Era uma turma muito unida e não podia faltar a troca de presentes no famoso Amigo Secreto.
No dia 21 de fevereiro entrava em férias.
Já havia comunicado seus superiores que talvez não voltasse mais, pois sentia muita saudade dos pais que estavam em Santos e também do irmão a quem só via raramente no portão de entrada da firma.
Reinaldo sempre pedia para que ele voltasse para a chácara, mas, ele recusava.
- Mano, minha vontade é de largar tudo isso aqui e ir morar com nossos pais.
- Mas você não vai conseguir um emprego melhor do que esse lá, pode ter certeza.
- Eu sei disso.
De férias desceu a serra e foi ficar com os pais que estavam morando com a irmã dele, tia Maria, numa casa enorme onde passaram a dividir o aluguel.
Ali conheceu Marlene que trabalhava com a tia que tinha um salão de beleza na casa.
Começou a flertar com ela, mas, sem nada mais sério.
No final de seu expediente gostava de acompanhá-la até a avenida da praia, onde ela pegava uma condução para São Vicente onde morava.
Renato já havia comunicado os pais de sua decisão de não voltar a trabalhar em Ribeirão Pires e que terminadas as férias iria apenas para pedir demissão.
Seu Carlos que sabia o que ele estava sentindo e o queria sempre por perto, concordou.
- Aqui com certeza você vai conseguir um emprego bom também, disse ele.
Tia Maria se prontificou a arrumar o quarto que existia no fundo do quintal, onde eram guardadas suas tranqueiras e as tranqueiras do filho Jonas.
No dia 15 de março estava de volta ao trabalho apenas para confirmar sua saída da firma.
Já havia comunicado o gerente do prédio onde havia se hospedado, e só passaria lá para pegar suas roupas.
Assim no dia 21 do mesmo mês, mesmo com a promessa por parte de seu encarregado de turno de um aumento para que ele não saísse, ele não cedeu.
- Agradeço muito tudo o que vocês fizeram e estão fazendo por mim, mas infelizmente não posso continuar pelas questões pessoais que você já conhece, disse ele ao encarregado.
Por ser considerado um bom empregado, a direção resolveu que pagaria todos os seus direitos como se ela a empresa, o estivesse demitindo.
Na sua carteira ainda viria o aumento prometido pelo encarregado.
Sabia que não estava fazendo a coisa certa, e que dificilmente conseguiria outro emprego do mesmo nível, mas seu coração falava mais forte do que a razão.
Um novo emprego e uma nova namorada
Já na casa de tia Maria e junto com os pais, Renato estava se sentindo no paraíso.
O passo seguinte era conseguir um emprego, pois havia se comprometido a pagar o aluguel do quarto porque não queria que o pai arcasse com essa despesa, que ele havia criado.
Ao mesmo tempo iniciava um namoro com Marlene. Dessa vez dona Gisa não franziu a testa, mas brincou dizendo que ele não perdia tempo.
- Primeiro uma loura, agora uma morena, disse ela.
- Pois é mãe, a branquinha de cabelos negros lá de Garça não me quis. Fazer o quê?
Marlene era uma garota de cor negra, muito bonita e esforçada.
Tia Maria gostava muito de seu trabalho.
Em junho de 75 Renato conseguia um emprego de almoxarife numa transportadora.
Embora nunca tivesse ouvido a palavra almoxarife, enfrentou o desafio, dizendo ao encarregado, que só teria prática se ele lhe desse uma oportunidade.
- Eu posso não conhecer o trabalho, mas não sou burro, e com certeza vou aprender bem rápido, o que eu preciso é do emprego.
Diante do argumento, o encarregado pediu que ele voltasse no dia seguinte já para começar a trabalhar.
Seu trabalho seria o de colocar em ordem todo o material que era usado na reforma dos caminhões que iam parar na oficina.
Esse material estava amontoado em um canto num pequeno cômodo ao qual eles chamavam de almoxarifado.
Com a ajuda do encarregado da oficina começou a tomar conhecimento do nome das peças e fazer um balanço do que tinha no estoque.
Em pouco tempo o almoxarifado já se encontrava transitável, com o material no seu devido lugar.
Também já havia atualizado o cardex ou Kardex.
Cardex é um tipo de gaveta com fichas dos materiais que ficam nas prateleiras (escaninho), em ordem alfabética ou por código.
Nessas fichas constam as entradas, saídas, nota fiscal, e estoque atual dos referidos materiais e outras informações, para que não falte um parafuso sequer, no estoque.
Renato era responsável também por abastecer os tanques dos caminhões na parte da manhã.
O teatro e a futura esposa
Estava aprendendo rápido o serviço, quando foi convidado para trabalhar em uma fábrica de fertilizantes em Cubatão.
O serviço era o mesmo, mas o salário bem melhor.
Trabalharia em sistema de turno a exemplo da indústria de Ribeirão Pires.
O namoro com Marlene durou apenas um mês, mas logo terminou. Ainda não estava preparado para assumir algo mais sério e era isso que pais dela deixavam nas entrelinhas quando conversavam com ele.
Seu Carlos estava alugando uma casa em São Vicente, pois, queria sair da casa da irmã para ter seu cantinho.
Por coincidência essa casa era a mesma onde Renato e Reinaldo haviam passado as férias quando ainda estavam em Garça.
Tudo fora arranjado novamente por tia Ioná que sabendo que a dona da casa que morava em Santo André, não pretendia mais alugar a casa somente para temporada e sabendo também que seu Carlos estava procurando outro lugar para ficar, intermediou a transação.
Ele já havia se transferido para o IBC de Santos e não tinha mais a necessidade de subir e descer a serra todos os dias.
Como já foi dito a casa só tinha um quarto, sala e cozinha e por isso, a sala se transformou em quarto para Renato.
Reinaldo e Lia tinham agora uma filha (Diana) e num final de semana vieram trazê-la para os pais conhecerem.
Seu Carlos e dona Gisa claro ficaram bobos, afinal era a primeira netinha deles.
Antes de voltar para Ribeirão, Reinaldo manifestou o desejo de vir morar perto dos pais, pois estava se sentindo só, já que tio Moacir também havia ido embora para ficar com o pai e ajudá-lo na construção da outra casa.
Reinaldo pediu ao pai que procurasse uma casa ou apartamento ali por perto.
As mágoas com Lia, haviam ficado para trás e estar perto do filho e da neta era o que mais importava.
Renato se dividia agora entre o trabalho seu mais novo hobby, o teatro.
Junto com um primo e mais quatro amigos criou o E.T.A. (Equipe de Teatro Amador).
O trabalho do grupo era levar às escolas, a idéia de se montar peças que falassem dos perigos das drogas e do alcoolismo como causas principais da desestrutura familiar.
Depois da escolha dos integrantes e dos ensaios, a peça era exibida na própria escola com convite aberto à população e também em locais previamente contatados como Sociedades de Melhoramentos, Sindicatos etc.
Aqueles que mais se destacassem na peça, eram convidados a continuar o projeto na escola, se responsabilizando também por escrever suas próprias histórias dentro daquele contexto.
Então a equipe ia com o projeto para outra escola.
Foi numa dessas escolas que Renato conheceria Marisa, sua futura esposa.
Fazia parte do grupo escolhido para encenar a próxima peça que a equipe apresentaria.
Ela se destacava dos demais por sua maneira de encenar e falar, brincando com todos e chamando mesmo a atenção para si.
Renato havia gostado do seu jeito, mas, não queria misturar as coisas, afinal ele era o diretor do teatro e ela era uma atriz trabalhando.
A coisa, porém, mudaria durante a comemoração de aniversário de um dos integrantes da equipe.
Nessa tarde, Renato que teria que trabalhar no turno da noite, deu apenas uma passada pela casa do amigo que morava na mesma rua que ele.
Entre uma cerveja e outra (não podia beber muito pois tinha de trabalhar), chamou Marisa para dançar e no embalo de She’s My Girl de Morris Albert, e Torneró de I Santo Califórnia, acabaram se beijando.
Mas Renato tinha um compromisso e logo teve que ir embora.
No ônibus ia pensando nela e naquele beijo, e aquelas musiquinhas não lhe saiam da cabeça.
Estava tendo um sentimento diferente. Será que finalmente estava se livrando do estigma da garota de sorriso lindo?
Seu Carlos havia conseguido um apartamento para Reinaldo há quatro quadras de casa que tempos depois se mudava com a família.
A chácara havia ficado abandonada e era preciso arrumar com urgência um caseiro.
Seu Carlos conseguiu um senhor que se prontificou a ir para lá.
Teria um dos quartos para ele comida e um pequeno salário no fim do mês.
Em troca ele só precisaria cuidar dos animais e da plantação da chácara.
Mas um mês foi o suficiente para seu Carlos perceber que havia feito uma burrada, pois o caseiro só fazia beber, e os animais e plantação estavam morrendo.
Nem o cavalo que servia para buscar a lavagem para os porcos ele estava tratando.
Seu Carlos mandou-o embora e imediatamente colocou a chácara à venda.
O casamento
Infelizmente não posso confiar em ninguém e como não temos como cuidar dela, o melhor é passar pra frente, disse ele tristemente.
Tudo o que ainda se encontrava dentro da casa foi para o apartamento de Reinaldo.
Alguns dias depois seu Carlos colocava um anúncio no jornal e em pouco tempo apareceram alguns interessados, com suas propostas.
Uma proposta em especial chamou a atenção de seu Carlos.
Um senhor que morava no Guarujá, havia ligado para ele no serviço, dizendo que tinha quatro casas em uma Vila em São Vicente e que além disso dava uma parte em dinheiro.
Primeiramente seu Carlos, dona Gisa e os meninos foram conhecer as tais casas, e depois no sábado levaram o senhor para ver a chácara.
O homem ficou encantado com o local.
-Só não está melhor porque ficamos muito tempo longe daqui, e o caseiro que tomava conta, só sabia encher a cara, quase matando minha criação de galinhas e porcos.
Com todos de acordo, com a proposta dada, dois dias depois seu Carlos passava a escritura da chácara para o senhor, que fazia o mesmo em relação às casas.
De bônus ele levava além dos porcos, galinhas e patos, o cavalo e a carroça.
Era um péssimo negócio para a família, mas era a única coisa que podiam fazer.
Seu Carlos deu o terreno com as casas para os filhos e ficou com o dinheiro.
-Vocês podem morar em uma delas e alugar as outras, disse ele.
Em dezembro de 76 Renato e Marisa se casavam na Igreja Matriz em São Vicente.
A E.T.A. ficou com o primo e os amigos.
Foram morar numa das casas que haviam escolhido. Reinaldo, Lia e a filha tinham ido antes.
Os pais de Marisa foram morar na Lapa em São Paulo e seu Carlos e dona Gisa alugaram um kitnet no Gonzaga.
-Agora sou só eu e sua mãe e não precisamos de nada muito grande para viver disse ele feliz por poder ir morar em frente à praia.
Renato que havia saído da fábrica de fertilizantes em Cubatão trabalhava agora como carteiro em Santos, e Reinaldo que havia deixado a Indústria Química em Ribeirão, estava agora numa fábrica em Cubatão como Analista Químico.
Ambos tinham também alugado as outras casas do terreno.
O nascimento do primeiro filho. A primeira safra dos “Meninos da Vila” e o rompimento do dique
Em 21 de outubro de 1977, nascia o primeiro filho do casal, Eduardo.
No primeiro semestre de 78, o Santos F.C. voltava a encantar a torcida com um futebol irreverente de um time batizado de “Os Meninos da Vila”.
Juari, João Paulo, Pita e Ailton Lira, faziam o torcedor lembrar as jogadas de Pelé e Cia. Na década de 60.
Para a vida de Renato, Reinaldo e sua família as coisas, porém, ficariam difíceis.
Numa semana de fortes chuvas, o dique próximo a vila onde moravam, rompeu, inundando ruas e casas.
Na casa em que Renato morava, por ter sido construída em um local mais alto, as águas só chegaram ao assoalho, fazendo com que ele colocasse seus móveis sobre blocos de cimento.
A mesma sorte não teve Reinaldo e os inquilinos que moravam em casas mais baixas, perdendo boa parte dos móveis.
Reinaldo e a família foram para a casa de Renato, até que a água baixasse, e os inquilinos foram para a casa de parentes.
Para trabalhar era um sacrifício, pois, os irmãos tinham que ir até a avenida a umas 5 quadras de onde moravam, para ali no barzinho de um amigo, poderem colocar as roupas e sapatos que levavam na mochila.
Reinaldo esperava o ônibus que o levaria até Cubatão e Renato pegava um ônibus para o centro de Santos.
Eduardo tomava leite materno, mas tanto ele quanto a prima, já sentiam os efeitos de toda aquela umidade.
Seu Carlos tinha colocado seu kit à disposição dos filhos, mas estes não queriam incomodar por saberem que o local era muito pequeno para mais seis pessoas.
Era só uma questão de tempo, pois tinham certeza de que a chuva pararia e as águas logo baixariam. Já estava providenciando uma nova barreira para o rio.
Mas a barreira não ficava pronta, a chuva não cessava e as águas não baixavam.
Cobra também mama
A gota d’água (sem trocadilho) veio quando Marisa no meio da noite gritou dizendo que alguma coisa estava andando sobre seu seio.
Ao acender a luz, Renato viu uma cobra, deslizando para fora da cama e indo sair por uma fresta do assoalho.
Seu grito acordou todos e Lia ficou horrorizada com o que acabara de ver.
Renato olhou para o irmão e a decisão estava tomada.
Juntaram suas roupas e a das crianças e por dentro da água, chegaram até a avenida onde chamaram um táxi.
Pouco depois estavam diante do apartamento dos pais.
Depois de acomodarem as crianças, contaram o que havia acontecido.
-Se vocês tivessem deixado o orgulho de lado e aceitado vir para cá quando falei, não teriam passado por isso.
Os irmãos não retrucaram, pois, sabiam que o pai estava certo.
Dona Gisa providenciou cobertores para que todos pudessem dormir mais confortáveis no chão.
Mas ninguém conseguiu dormir, apenas as crianças.
No dia seguinte com as caras parecendo que um rolo compressor tinha passado por cima, Renato, Reinaldo e seu Carlos, saíram para trabalhar.
Os irmãos já haviam decidido que não mais voltariam para as casas, mesmo depois que as águas baixassem. Não tinham mais ânimo para viver naquele fim de mundo.
Reinaldo pedira uns dias de licença no serviço para procurar casa e uma semana depois já estava mudando para um apartamento em São Vicente.
Teria de comprar toda sua mobília de novo, pois havia perdido tudo.
Mas tanto Reinaldo quanto Lia, eram fortes e iriam com certeza superar aquela situação.
Para Renato as coisas tinham sido mais fáceis, conseguira um kitnet, no mesmo prédio do pai, e seus móveis foram quase todos aproveitados.
A Torcida Uniformizada e o som das discotecas
No Correio, Renato e um grupo de amigos que torciam pelo Santos F.C. decidiram fundar uma torcida uniformizada a qual batizaram “Duas Estrelas”, por causa dos dois títulos mundiais.
Acompanham o time, “Dentro ou fora do Alçapão”, como dizia a letra de seu hino não oficial.
Na música o que se ouvia agora era o som das discotecas, onde até o grupo inglês Bee Gees, havia se inserido.
Estaria o rock morrendo?
Para provar que não, Led Zeppelin colocaria na praça, em 79 “In Trough The Out Door”, com várias músicas lindas, entre elas “All My Love”.
Tentando a sorte na capital e a decepção profissional
Ainda em 1978, Renato teria em sua vida mais uma mudança radical.
Não, agora não era por causa do espírito aventureiro do pai, mas sim por causa de sua vontade de melhorar de vida.
O convite vinha de um tio de Mariza, que trabalhava em São Paulo em uma grande indústria responsável pela construção de vagões de trens.
A coisa estava tão certa que a convite dos sogros para que fossem definitivamente para São Paulo, Renato não titubeou pedindo demissão do Correio.
Junto com o filho e a esposa foi morar na casa deles no Alto da Lapa.
-Seu Carlos sempre com um pé na frente e outro atrás, ainda comentou com Renato, se ele não estaria se precipitando, trocando o certo pelo duvidoso, mas Renato via a coisa como confirmada, e disse a ele que estava tudo certo.
Após se instalarem na casa dos sogros, e colocar todos os seus móveis em um galpão no fundo do quintal da casa, por causa do pouco espaço, no dia seguinte Renato foi se encontrar com o tio de Marisa.
Despediu-se dizendo que provavelmente só retornaria á tarde, certo de que após a entrevista de praxe, já estaria sendo encaminhado para seu setor de trabalho.
O convite era para que trabalhasse no almoxarifado da indústria.
...Só que não foi isso que aconteceu.
Ao chegar lá já teve a primeira decepção.
O tio da esposa não havia ido trabalhar.
-Em que posso ajudar? Perguntou a recepcionista.
-Meu nome é Renato e tenho uma entrevista com o sr. Marcos (nome do tio de Marisa).
-Ele não veio hoje, mas, do que se trata? Talvez eu tenha agendado essa entrevista com outra pessoa.
Renato contou então o motivo de estar ali e a recepcionista mandou que ele aguardasse.
Talvez o sr. Marcos já tivesse deixado tudo encaminhado.
Um homem que se identificou como sendo o gerente geral, adentrou à sala e depois de tudo explicado disse:
- Eu sinto muito, mas, não estou sabendo disso. Além disso, nosso quadro de funcionários está completo, e não há nenhuma vaga em aberto principalmente no almoxarifado.
-M...mas estava tudo certo, gaguejou Renato sentindo mais uma vez aquele soco no estômago.
-Alguém deve ter passado alguma informação errada para o Marcos, que por sua vez a passou para você, disse o gerente já se afastando.
Sem ação, Renato se retirou sob o olhar de pesar da recepcionista.
Ainda assim, preferiu acreditar que tivesse havido algum engano e que tudo se esclareceria assim que falasse com o tio de Marisa.
Chegando em casa abatido, contou o que havia acontecido.
-À noite nós vamos à casa do meu tio, disse Marisa. Tenho certeza de quem nem ele está sabendo disso.
Á noite foram à casa de Marcos, mas, não o encontraram.
-Ele acabou de sair, disse dona Geni (tia de Marisa).
A verdade é que Renato nunca ficaria frente a frente com esse tio, porém ficara sabendo por parentes, que ele confessara ter se precipitado ao chamar Renato, pois achava que sendo gerente de um setor, tinha poderes para demitir e admitir quem quisesse.
Só que havia um gerente geral, e que o setor precisava sim de um almoxarife, mas esse alguém já estava trabalhando e era amigo do tal gerente geral.
Sem emprego e sem lugar para morar, teria que se contentar em ficar na casa dos sogros mesmo.
Seus móveis ficariam mais tempo do que o previsto no galpão da casa.
Mas Renato não tinha muito tempo para se lamentar não.
No dia seguinte pela manhã, saiu em busca de emprego, pois tinha uma família para cuidar, e não era justo ficar nas costas do sogro.
Em maio de 78 já estava trabalhando em uma transportadora na função de datilógrafo.
Pela primeira vez, conseguia regredir seu salário, mas o importante é que estava trabalhando.
O Evangelizador do Reverendo Moon I Parte
Dona Marina sua sogra, estava há algum tempo se comportando de maneira esquisita. Já não suportava que fumassem diante dela, e os recriminava quando falavam algum palavrão.
Não havia um domingo sequer, em que ela não saísse pela manhã e voltasse somente à noite.
Para seu Jaime ela dizia que ia à casa de parentes, mas ele desconfiava que não era verdade.
Pressionada acabou confessando que havia conhecido uma nova religião onde estava se sentindo muito bem.
Renato logo pensou: “Eu sabia, tem coisa de crente nesta história”.
Um dia ela comentou que ficaria ausente por uma semana por conta da igreja. Seu Jaime tentou retrucar, mas, sua decisão já estava tomada.
Levou consigo as duas filhas.
Assim, por uma semana, não se ouviu falar em dona Marina.
Totalmente mudada, ela surgiu em casa, e perguntada do porquê de tal mudança, preferiu fazer um convite para que tanto Renato e Marisa, quanto seu Jaime e o filho, fossem participar de uma “palestra”, na tal igreja.
Como Renato queria fazer uma média com a sogra, e estava cheio de curiosidade, aproveitando que Marisa havia se prontificado a ir, aceitou o convite.
Ás 8h00 do domingo, lá estavam todos, menos as meninas que já haviam ido, e preferiram ficar com o sobrinho Eduardo em casa.
-Só vim para não criar encrenca, resmungou seu Jaime.
Lá dentro todos eram só sorrisos, parecia que já se conheciam de longa data.
Seu Jaime e Renato, claro sempre com um olho no peixe e outro no gato, estavam na defensiva, prontos para detectar algo errado.
Mas não havia nada de errado, pelo contrário, aquela palestra baseada na Bíblia, falava de coisas que iam de encontro com o que Renato sempre acreditara, mas que não havia encontrado na sua religião.
A primeira parte da palestra se estendeu até mais ou menos 13h00, quando então pararam para almoçar.
Uma comida leve, a base de legumes e verduras, nada de carne ou qualquer tipo de ave.
Depois do almoço, já cansados, Renato e seu Jaime que tinham o costume de tirar uma soneca depois do almoço, só tinham um pensamento:
Ir para casa para assistir um jogão de bola pela TV.
De repente, no meio da palestra veio a bomba.
...e assim, através deste paralelo histórico, podemos afirmar que o Messias já se encontra entre nós...
-Hein? Como? Ele está aqui agora nesse mesmo teto? Perguntou Renato.
-Não, aqui não, mas se quiserem saber mais detalhes, vocês terão que participar de um seminário de sete dias, que começa a partir de domingo que vem, convidou o palestrante.
Passou até a vontade de ir ver o tal jogo na TV.
Marisa se apressou em aceitar o convite e Renato foi no embalo. Queria saber mais sobre aquele novo Jesus Cristo.
Ficou combinado com os sogros que enquanto estivessem no seminário, eles cuidariam de Eduardo.
A cada dia Marisa e Renato se encantavam mais com as revelações que estavam recebendo e isso de alguma forma compensava a saudade que estavam sentindo do filho.
Ao final do seminário veio o convite:
- Vocês aceitam ficar como membros internos na Igreja?
Marisa rapidamente aceitou.
Renato perguntou em que implicaria essa aceitação, e diante da resposta de que iriam ter que deixar Eduardo com os parentes, Renato ponderou que ainda não era a hora de tomar tal decisão, pois, o menino que ainda não tinha um ano de idade precisava dos pais ao seu lado.
-Como não é o momento, retrucou Marisa, estamos na casa de meus pais vivendo de favor, você com um emprego que mal dá para nos manter, e você diz que não é o momento?
Temos a chance de ajudar a consertar este mundo cheio de problemas e de falta de fé, e eu acho que em nome disso tudo, vale a pena ficarmos separados por um tempo de nosso filho.
Sem poder de ação, ou por fraqueza de opinião, Renato acabou acatando seus argumentos, talvez mais por medo de perdê-la e com certeza a seu filho.
Quando expuseram toda a situação aos pais de Marisa, seu Jaime não acreditou.
-Como é que é? Então vocês vão embora para uma igreja que mal conhecem deixando seu filho conosco.
-É só uma experiência que vamos fazer seu Jaime, tenho certeza que logo estaremos com o Eduardo novamente.
-Vocês são dois loucos, respondeu.
-Calma, Jaime, interpelou dona Marina. Eu sei que eles se darão muito bem lá. Depois, qual é o problema de ficarmos com o Eduardo?
-Prá mim problema nenhum, disse ele, apenas acho que o filho tem que ficar com os pais.
Mesmo a contragosto Renato foi com Marisa para a Igreja.
Lá entenderam o porquê da não permissão para que o filho estivesse junto.
Devido às constantes viagens que fariam para outras cidades, seria impossível ficar com Eduardo.
Renato descobriu lá dentro outra situação mais difícil de ser aceita:
Teria também que ficar separado de Marisa, fisicamente falando.
Essas regras e dogmas seriam entendidos apenas mais tarde.
Sabendo que Renato tinha tido experiência como diretor de teatro, convidaram-no para escrever e dirigir peças para serem apresentadas a cada final de seminário.
Peças de cunho religioso, claro.
Marisa também estava feliz em poder contribuir, e ajudava Renato na composição das peças onde também atuava.
Tudo parecia transcorrer conforme Renato havia previsto.
Todos os domingos, dona Marina ia para lá e levava Eduardo, além das filhas.
Seu Jaime raramente aparecia, e quando o fazia era apenas para fazer algum serviço de manutenção na igreja.
Assim tinha dias na semana em que ele aparecia por lá a convite do presidente para fazer uma reforminha daqui e outra dali sempre com a ajuda de Renato.
Mas sempre resmungava:
-Estou vindo porque é para fazer algum serviço, mas sem essa de querer me trazer para ficar aqui, senão nem venho mais fazer nada.
Apesar de resmungão tinha um coração de ouro e nunca se negava a nada que lhe pedissem.
Renato já havia se acostumado com o fato de não ter contato físico com Marisa, e pelo jeito ela também.
Missão em Curitiba
Mas um convite para que fosse para a Igreja de Curitiba, mudaria toda aquela situação.
-Estamos precisando que você vá para lá pois temos uma pequena fábrica onde fazemos quadros negros para os missionários e pastores que estão em outros Estados, e queremos que você vá ajudar nessa fábrica, disse o presidente da Igreja.
-Mas, eu irei sozinho, e a Marisa e meu filho?
-Você não pode ser egoísta e pensar só em você. Temos um propósito muito grande de construção de um novo mundo, onde os sentimentos são o que menos importa.
Renato quis discordar, mas, ele completou.
-Lembre-se o que disse Jesus: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim”, além do mais, essa separação faz parte de seu crescimento espiritual.
Mas que igreja é essa que coloca os sentimentos das pessoas em segundo plano, e afirma que seguir Jesus Cristo é mais importante do que a família?
Para Renato que ainda não concebeu muito bem a ideia e os dogmas da nova religião é muito difícil aceitar.
Adão e Eva e o Princípio da Criação
Aqui vamos dar uma pausa para conhecer um pouco dessa nova e estranha religião.
Seu ensinamento é baseado na Bíblia Sagrada, o qual parte do princípio de que o homem, a maior criação de Deus, ao comer o fruto proibido, quebrou o elo que o ligava a Ele, sendo expulso do paraíso, e desde então vem tentando voltar através da religião que em latim significa religare. Ligar o que foi desligado.
O homem foi desligado de Deus.
Procura também mostrar o conteúdo real da Bíblia, dissecando simbologias e parábolas nela contidas, mostrando entre outras coisas que o Pecado Original está relacionado com o ato pecaminoso praticado entre a serpente, Adão e Eva e que através de seu real entendimento acontecerá o mundo ideal projetado por Deus, pelo verdadeiro amor na família, na nação e no mundo.
Lúcifer o arcanjo, era para Deus, o mesmo que um capataz é para o fazendeiro, ou seja, o seu braço direito na construção de todo o Universo.
Ladeado por outros arcanjos, comandava todos os anjos do céu.
Sentia-se o mais amado, o predileto, o mais importante para Deus, e achava que essa condição jamais mudaria.
Mas Deus criou o homem à sua imagem e semelhança (Gênesis 1-26), em seguida criou a mulher (Gênesis 1-27), e passou a amá-los dando a eles o domínio sobre toda a criação, incluindo-se aí os arcanjos e anjos.
Em (Gênesis 2-15,16,17), Deus ordena que Adão e Eva cultivem e guardem o Jardim do Éden, e que comam de todos os frutos das árvores mas recomenda que não se aproximam da Árvore da Ciência (conhecimento) do Bem e do Mal pois do contrário morrerão.
Ora, Lúcifer que desde a criação do homem, remoía seu ciúme pelos cantos do Jardim, por achar que Deus o havia abandonado em seu pleno amor, começa a arquitetar um plano para tentar mudar aquela situação. Afinal de contas ele estava com Deus desde o princípio e não era justo a seu ver que dois novatos tomassem seu lugar no coração de Deus.
Assim, protagonizando a primeira cena de ciúme da história da humanidade, e sabedor do mandamento que Deus havia dado, ele começa a rondar Eva afim de seduzi-la, mostrando que o fruto da Árvore da Ciência do Bem e do Mal, nada mais é do que uma forma de impedir que eles tenham conhecimento sobre todos os segredos de Deus para a criação do universo (Gênesis 3-5).
Curiosa. Eva prova do fruto e um turbilhão de imagens surge em sua mente, mostrando como Deus havia concebido o mundo, misturando passado e futuro, deixando-a amedrontada.
Não suportando a série de informações que acabara de adquirir, corre para Adão para que ele a ajude, e faz com que ele também coma do fruto proibido.
Seduzido, Adão descobre que ambos estão nus (Gênesis 3-6).
No livro do Gênesis em duas passagens: (3-14,15 e 3-24), Deus amaldiçoa a serpente e a expulsa do paraíso junto com Adão e Eva e os anjos que não guardaram o mandamento, colocando querubins armados com espadas de fogo à porta do paraíso, impedindo-os de voltarem.
Aqui cabe uma pergunta:
Que fruto era esse que se comido era capaz de causar a morte.
Se morreram serpente, Adão e Eva como se explica que eles foram expulsos vivos para fora do jardim?
Muitas religiões acreditam tratar-se mesmo de um fruto literalmente falando.
Ora, se era um fruto por que então, eles não esconderam suas bocas, como normalmente o fazem as crianças que assaltam um doce na geladeira e sendo pegos pela mãe, a primeira atitude é levar a mão à boca par tentar esconder o que estão comendo?
Adão e Eva ao contrário, ao descobrirem-se nus, cobrem suas partes íntimas com folhas de figueira entrelaçadas, como está escrito em (Gênesis 3-7).
Daí se chega à conclusão de que o fruto a que se refere a Bíblia é na verdade a prática de um ato de amor ilícito.
As Bíblias mais antigas narram essa passagem como sendo um ato de fornicação.
Ato este praticado pela serpente, Eva e Adão.
Bem fornicação ou ato sexual, se pratica a dois, mas como explicar que a serpente que na verdade é Lúcifer e que como anjo é um ser espiritual, possa se relacionar carnalmente com pessoas físicas?
Aqui cabe uma outra explicação:
No início sem o conhecimento do Bem e do Mal, o relacionamento entre seres espirituais e seres físicos era possível, pois assim como temos nossos cinco sentidos físicos: visão, audição, tato, paladar e olfato também o temos em nosso ser espiritual, mas que devido à queda do homem pelo não cumprimento do mandamento, estão adormecidos.
Assim apenas raramente nos é possível que um dos nossos sentidos espirituais se abra numa fração de segundos.
Quantos de nós já não ouvimos alguém nos chamar sem que não haja ninguém no local onde estamos, ou sentimos o cheiro de um perfume, onde também não tem ninguém, ou um toque arrepiante em nosso corpo?
Só homens de pureza de alma têm esse privilégio.
Veja-se sobre isso em (Mateus 17-3), onde Jesus fala com Elias no Monte da Transfiguração.
Então um relacionamento físico com um ser espiritual é possível sim, desde que seja puro. Coisa que o eram Adão e Eva lá no começo da história da criação.
Dadas as explicações vamos voltar ao tema.
Caim e Abel
Fora do Paraíso, Eva concebeu e deu à luz Caim e depois Abel.
Em (Gênesis 4-1,2), está escrito que enquanto Caim cultivava o solo, Abel se tornava pastor de ovelhas e em (Gênesis 4-3,5), a Bíblia conta que Deus aceitou as ofertas de Abel, porém não quis as ofertas de Caim, provocando nele o mesmo sentimento de ciúme que havia levado Lúcifer a cair em tentação.
Caim entendia que por ser o mais velho e por direito de primogenitura tinha que ter as suas ofertas aceitas, e tudo que Deus oferecesse em troca, deveria oferecer a ele e não ao irmão mais novo.
Deus nota Caim irado e de semblante caído (Gênesis 4-6) e logo a seguir mata seu irmão (Gênesis 4-8).
Depois de ter tomado a difícil atitude de expulsar Adão e Eva do Paraíso, colocando à porta querubins para que estes não pudessem retornar, ainda assim Deus abre uma brecha para que o homem se redima e volte a Ele, trabalhando nas figuras de Caim e Abel.
Porém para sua imensa tristeza novamente o homem falha.
A Arca de Noé
Mas Deus não é um Pai de maldade e quer a todo custo que seu filho retorne (como um pai que mesmo tendo um filho rebelde, ainda assim o perdoa e o aceita de volta em seu lar.
Então Ele vai trabalhar com outra família, em outra época.
Noé, filho de Lemec, gerou Sem, Cam e Jafet (Gênesis 5-28,32).
A corrupção no mundo era grande, e Deus chamou Noé e deu-lhe a missão de construir uma Arca, pois iria aniquilar todo o povo corrupto. (Gênesis 6-17).
Disse a Noé: “Mas tu, teus filhos e tua mulher, junto com um casal de cada espécie de animal, entrará na Arca” (Gênesis 6-18,21).
Veio o dilúvio, e nele todo ser vivente que não se encontrava na Arca pereceu.
Por quarenta dias e quarenta noites a chuva caiu torrencialmente (Gênesis 7-17), e as águas cobriram a terra por cento e cinquenta dias (Gênesis 7-24).
No (Gênesis 8-1), a Bíblia conta que Deus fez soprar um vento forte sobre a Terra e as águas baixaram. Então a Arca parou sobre as montanhas do Ararat (Gênesis 8-4).
(Gênesis 8-7,8,9,10,11), Noé solta um corvo que sobrevoa até que as águas sequem. Sete dias depois solta um pombo que voa e volta, indicando que ainda não há terra firme para pousar.
Passam-se mais sete dias e mais um pombo é solta que volta à Arca com um ramo de oliveira no bico. Mais sete dias depois e outro pombo é solto que voa e não retorna mais. Agora sim, a Terra havia secado por completo.
No Livro do Princípio Divino ou Novíssimo Testamento, o corvo está representando o Mal que tomou conta da Terra na figura do Arcanjo Lúcifer, os anjos, Adão e Eva, expulsos. Daí o seu não retorno à Arca, que está representando o Paraíso.
O primeiro pombo solto representa Caim e Abel no projeto de Deus de trazer seus filhos novamente para Si. O fato de ela retornar a Arca significa que houve falha nessa tentativa, pela inveja de Caim que resultou na morte de Abel.
O segundo pombo representa Jesus Cristo, filho perfeito de Deus, que vem com a missão de tirar os pecados do mundo. Porém ele é crucificado. O ramo de oliveira representa o local onde Jesus fez sua última oração.
O terceiro pombo representa a vinda do Senhor do Segundo Advento, ou seja, o Salvador agora vem para conseguir o intento de seu Pai, por isso o pombo não retorna, mostrando que agora os pecados do mundo realmente foram tirados.
Após certificar-se de que as coisas estavam sob controle, Noé desembarca todos os animais e também sua família.
Tudo transcorre em paz, e Noé e a família passam a viver do cultivo de uvas, fabricando os melhores vinhos (Gênesis 9-20).
Numa tarde de muito calor, depois de chegar das vinhas, cansado e com sede, Noé bebe algumas canecas de vinho deita-se nu e adormece (Gênesis 9-21).
Em seguida Cam entra na tenda e ao ver o pai com suas vergonhas à mostra, corre para fora e vai contar aos irmãos que de costas, cobrem o pai sem ver sua nudez (Gênesis 22-23).
Ao acordar, Noé fica ciente do ocorrido e amaldiçoa Cam, junto com seu filho Canaã, bendizendo a Sem e Jafet (Gênesis 9-24,25,26,27).
Ainda segundo o Novíssimo Testamento, Deus colocara ali sua providência para que Noé e Cam restabelecessem o elo de ligação para com Ele, e assim o homem pudesse finalmente voltar ao Jardim, invertendo a situação anterior na qual Caim, o filho mais velho, havia falhado, visto que agora o trabalho estava sendo realizado na figura do próprio Cam (filho mais novo).
Observe-se que ao levar o fato ao conhecimento dos irmãos, Cam cometeu o mesmo erro que Eva cometera ao levar seu conhecimento do Mal a Adão. Isso chama-se multiplicação do Mal (o que hoje chamamos de fofoca maldosa que pode prejudicar alguém).
Se simplesmente ele tivesse coberto o pai sem estardalhaço, a providência estaria ali naquele momento, restaurada.
Preparação para a vinda de Jesus Cristo
Na história Deus tentou restabelecer a ligação com o homem através de outras figuras centrais, Abraão, Moisés mas falar sobre todos eles seriam necessárias horas e horas de escritos. Porém cabe aqui uma explicação a respeito de Jesus, já que ele é a principal figura central desse contexto.
Depois de toda a preparação para que Jesus fosse concebido pelo poder do Espírito Santo, a desconfiança de José para com Maria, a luta de João Batista, seu primo no deserto, comendo gafanhotos e mel silvestre, como forma de se preparar para recebê-lo como o Messias, Jesus chega para por abaixo todos os conceitos e ensinamentos do Velho Testamento onde já não haveria o olho por olho, dente por dente e sim a Lei do Perdão do Novo Testamento, pregações onde ele pede que os mortos enterrem seus mortos, e que ele é o filho de Deus, enfim, palavras que aos ouvidos dos leigos da época, soavam como blasfêmias, fazendo com que os senhores da “verdade” se rebelassem.
Jesus é julgado e condenado. O povo o troca pelo ladrão Barrabás, crucificando-o e ele morre na cruz.
Morre para nos libertar de nossos pecados.
Mas nós não fomos salvos. Não da maneira como Deus havia planejado, pois se realmente sua morte nos tirou os pecados, como explicar que ainda continuamos fora do Jardim e porque quando nascemos já trazemos o bônus do Pecado Original?
Por que continuamos desligados de Deus e nossos cinco sentidos espirituais continuam fechados, e tememos a morte e o sobrenatural?
Se sua morte e ressurreição nos ligou a Deus, porque ainda precisamos de religião?
Essas são questões que o Livro Princípio Divino ou o Novíssimo Testamento vem explicar.
Na verdade, na providência de Deus a morte de Jesus Cristo foi mais uma tentativa falha na intenção de trazer o homem de volta ao seu lar original como acontecera com Caim e Abel, Noé e Cam.
Ainda segundo o Princípio Divino sua morte se deu pelo fato de João Batista ter falhado em sua missão ao mandar dois de seus discípulos perguntarem a Jesus se ele de fato era o Messias (Mateus 11-2,3).
Logo ele, o filho de Malaquias, portanto respeitadíssimo, fazendo com que os seguidores o confundissem até com o próprio Messias.
Ora, se Deus fez toda essa preparação com João para que ele parasse de batizar nas águas no exato instante em que o Espírito Santo indicasse aquele que viria batizar em seu nome, ele simplesmente deveria tê-lo feito sem questionar.
No entanto João Batista continuou batizando com água do outro lado da margem do rio.
Isso fez com que o povo ficasse confuso quanto a quem realmente seguir (Lucas 3-15).
Em (Mateus 11-4 a 15), Jesus diz aos dois discípulos de João “Ide e dizei a João Batista que o menor no Reino dos Céus é ainda maior do que ele”.
Muitas religiões apregoam que Jesus está glorificando a humildade de João Batista, mas a verdade é que Jesus já sente que João falhou e que também sua falha em salvar a humanidade é eminente.
O Senhor do Segundo Advento
Por isso é necessária a Segunda Vinda, mas não como o Cristo que conhecemos, mas outro que não venha em nuvens de glória, como todos esperam.
Seria muito fácil aceitar o Messias se ele viesse nessas condições e até o pior pecador se redimiria no ato para garantir seu lugar no céu.
Não, o Senhor do Segundo Advento não virá em nuvens, e muito menos gerado do Espírito Santo, mas nascerá da Terra como um homem comum, sem os milagres que Cristo trouxe em sua época.
Virá para restabelecer todas as coisas perdidas e tiradas de Deus no momento da Queda do Homem (desobediência ao mandamento), dotado de grande inteligência e poder para arrebatar as massas.
Ainda segundo o Novíssimo Testamento que vem colocar por terra todo o ensinamento do Velho e do Novo Testamento, através de um paralelo histórico, esse Messias já está entre nós, e prega através da mídia um novo caminho de volta ao Paraíso não apenas aos pobres, mas também para toda a camada alta da sociedade.
No Novíssimo Testamento ou Princípio Divino, o novo Messias disseca todas as parábolas e simbologias contidas na Bíblia Sagrada revelando coisas surpreendentes, pois acredita que agora o homem está preparado para essas revelações, diferente da época de Jesus que disse “Se falo das coisas terrenas e vós não acreditais como falar das coisas de meu Pai que está no Céu”? Numa clara alusão de que o povo ainda não estava preparado para ouvir toda a verdade.
A vida do Reverendo Moon
Porém, assim como Jesus fora perseguido em seu tempo por suas pregações, agora também a Igreja de Unificação do Reverendo Moon, é perseguida sendo vítima de apedrejamentos e críticas dos meios de comunicação.
Como se não bastasse, o Reverendo Moon é conhecido como fervoroso anticomunista, por ter sofrido as consequências da guerra entre Coréia do Sul e Coréia do Norte, guerra esta que se iniciou em 1950 quando o Japão perdeu, o que fez com que acabasse o regime colonial que existia desde 1910, acarretando em que houvesse uma divisão pois ficara acertado durante a guerra que a União Soviética aceitaria a rendição do Japão ao norte e os Estados Unidos ao sul do paralelo 38.
Os soviéticos apoiaram a criação de um Estado Comunista, e, no sul foi criada uma administração de ocupação norte-americana, mas ambos ambicionavam reuni-los sobre seu domínio.
Foi quando em 1950 os norte-coreanos atacaram o Sul, empurrando as forças sul coreanas e do E.U.A. para Pusan.
Entre os prisioneiros de guerra estava o Reverendo Sun Myung Moon (trecho tirado do livro Mundo Unificado, de março/abril – 1981).
O Reverendo Moon nasceu na Coréia do Sul em 20 de janeiro de 1920 vindo de uma família de fazendeiros convertida ao cristianismo. Viveu sua infância e adolescência em um ambiente de grande religiosidade, tendo muito cedo despertado para o sentido de fé e para as questões referentes a Deus e seus desígnios.
Na manhã da Páscoa de 1936, estando em profunda oração no topo de uma montanha, Jesus lhe apareceu e revelando seu propósito e o curso de sua vida pediu ao jovem que completasse sua missão, tornada incompleta por sua morte na cruz.
Através de extremos esforços, em um curso de 9 anos de sofrimento e perseverança, o Reverendo Moon pode entrar em contato com Deus e com os santos e sábios no mundo espiritual, para encontrar a resposta última às profundas questões que, ao longo dos séculos têm afligido a humanidade:
Qual a origem do homem?
Qual a finalidade de sua vida?
Qual é a verdadeira relação entre Deus e o homem?
O que são o Bem e o Mal?
Qual a origem do sofrimento humano?
O Princípio Divino, revelado pelo Reverendo Moon, apresenta a resposta a essas questões.
Portador da Nova Mensagem de Deus para o nosso tempo e encarregado de libertar a humanidade da opressão, da ignorância e do sofrimento, construindo um mundo onde homens e mulheres de raças, credos, cor e condição social diferentes, possam reconhecer-se como filhos do mesmo Pai, o Reverendo Moon iniciou em 1945, o caminho para realizar a paz em todos os níveis.
Voltemos agora ao texto principal do livro.
Com os argumentos colocados pelo presidente da Igreja, Renato não teve outro remédio senão ir para Curitiba.
Fugindo da Igreja
Chegou pela manhã e foi falar com a Pastora Margarete
Depois da apresentação foram todos tomar café e por volta de 8h00 um dos membros internos acompanhou Renato até a pequena fábrica de lousas, onde ele iniciou seu trabalho.
Sua função junto com mais alguns irmãos era pintar os quadros que já chegavam montados de outra parte da fábrica.
Renato trabalhava até mais ou menos 13h00 e depois do almoço saía junto com os companheiros para fazer o que eles chamavam de restauração material.
Algumas siglas são usadas e faladas na igreja para o entendimento dos membros.
Por exemplo: RM (restauração material): significa trazer para Deus, tudo o que lhe foi tomado com a Queda do Homem, através da venda de materiais, no caso, quadrinhos, lanches, livretos etc.
RE (restauração espiritual): é o ato de trazer para Igreja através de testemunhos dados nas ruas ou nas casas, pessoas para fazerem os seminários de um e sete dias, como aconteceu com a sogra de Renato, quando os convidou para o seminário.
Filhos Espirituais: são aquelas pessoas que após o término do seminário de sete dias se prontificam a seguir a Igreja, como membros internos ou externos.
Assim, Renato passava seus dias entre o trabalho na fábrica e as saídas para RM. Ainda não lhe era permitido sair para dar testemunho.
Aos domingos por volta de 5h00, todos vestidos de branco, participavam junto com a pastora da Cerimônia de Inclinação. Renato já conhecia o ritual, pois já o fizera quando estava em São Paulo.
Esse ritual é feito pelas Igrejas do mundo todo, e tem como fundamento principal, orar pelo mundo, pelo sucesso da Igreja, pelo Reverendo Moon e sua esposa para que consiga sucesso no seu intento na criação de um mundo melhor.
Os membros tinham como hábito também, antes do café da manhã, irem a uma praça em frente à Igreja, para orarem e fazerem alguns exercícios físicos.
Depois voltavam para a Igreja e após o banho tomavam café e seguiam seu rumo.
Para Renato, a saudade que sentia de Marisa e Eduardo, porém não o estavam deixando completamente à vontade. Seu casamento era muito recente assim como o nascimento do filho.
Sentia que ainda não estava preparado para ser de fato um membro interno e muito menos ficar longe dos seus.
Não aprendera ainda tudo sobre os dogmas da Igreja (ou não aceitava) e isso o estava corroendo internamente.
Tomou então uma decisão meio maluca e aproveitando o intervalo entre o horário do almoço e a saída para a RM, foi a um orelhão e de lá ligou para o pai.
Colocou-o a par da situação e ele embasbacado não acreditava no que estava ouvindo.
Para seu Carlos tudo o que sabia era que Renato havia ido para São Paulo e que se dera mal em relação ao emprego, mas que já estava trabalhando em outro lugar.
Mal sabia ele que Renato já havia deixado o emprego por conta da Igreja.
-O que você quer que eu faça? Perguntou.
Renato contou que todos os dias era de costume irem para a praça para praticar exercícios e orar. (deu o endereço a ele).
Era ali que eles deveriam se encontrar.
-Está bem, vou falar com seu tio Fred e amanhã te pegamos bem cedinho.
-Tú és mesmo um louco, resmungou ele antes de desligar o telefone.
Apreensivo como se estivesse fugindo da polícia Renato arquitetou um plano para poder sair da Igreja com sua mala sem ser notado (era a única coisa que havia trazido de São Paulo).
Depois do trabalho na fábrica foi para a Igreja, pois, sabia que àquelas horas estava vazia porque a maioria dos membros ou estavam em RM, ou tinham saído para dar testemunho.
Apenas a pastora, ficava no escritório ou na sala de oração e as irmãs que cuidavam da casa e do almoço.
De fato, Renato entrou e saiu com a mala sem ser notado.
Dirigiu-se para a rodoviária, e pagando uma taxa, deixou a mala guardada.
Poderia ter ido embora dali mesmo, tão fácil havia sido, mas havia combinado com o pai e além do mais estava sem dinheiro para a passagem.
Estava tudo correndo como ele havia planejado.
Depois disso, voltou para a fábrica onde pegou alguns materiais de restauração, e saiu para a rua. Comeu alguma coisa por lá mesmo.
A noite fez a oração com os demais e foi deitar. Não conseguiu dormir pois estava agitado demais.
5h00 e lá estavam todos reunidos (menos a pastora) para a oração na praça.
Um carro aproximou-se. O assobio inconfundível de seu Carlos chamou a atenção de Renato.
-São eles, pensou.
Enquanto os irmãos estavam ajoelhados rezando de olhos fechados, Renato foi se esgueirando pelos arbustos e rapidamente entrou no carro.
-Rápido, vamos embora disse seu Carlos ao irmão mais novo Fred.
-Cadê suas coisas?
-Estão no guarda-malas da rodoviária. Ontem à tarde eu a levei para lá.
Após passarem pela rodoviária, tomaram a estrada rumo a Santos.
No caminho tanto o pai como o tio queriam saber o que o havia levado a entrar para aquela Igreja desconhecida.
Dadas todas as explicações com todos os detalhes possíveis, os dois só fizeram balançar a cabeça em tom de reprovação.
Não se tocou mais no assunto.
Renato, que não havia conseguido dormir na noite anterior, somando ainda o fato de estar em jejum, acabou adormecendo no banco de trás do carro.
Horas depois estavam em frente ao prédio onde o pai morava.
Quando dona Gisa viu Renato com aquela cara de sono e fome, as lágrimas caíram dos seus olhos.
-Meu filho, o que fizeram com você?
-Nada mãe. Só estou cansado e com fome.
Correu para o chuveiro e depois de uma boa ducha, já se sentia mais reconfortado.
Só faltava forrar o estômago.
Durante o almoço, Renato foi contando as peripécias pelas quais passou, desde sua saída do Correio.
Tio Fred, sempre balançando a cabeça negativamente.
-Sabe mãe. Jesus vai me desculpar, mas, não tenho o menor dom para deixar minha família, vocês, a Mariza, e o Eduardo, para segui-lo.
-Eu acho que aí existe um erro de interpretação da Bíblia, quando ele diz que para segui-lo tem que largar pai e mãe. Só não sei ainda o que ele quer dizer com isso.
Indo resgatar a esposa – A primeira separação
Amanhã vou a São Paulo tirar a Marisa da Igreja.
-Você pretende ir para onde? Perguntou seu Carlos.
-Sei lá pai. Não queria ter de voltar para a casa de meus sogros. Eles são legais, mas, não me sinto confortável lá.
Então faz assim. Pega a Marisa e o Eduardo e vem para cá. A gente se aperta um pouco mas dá-se um jeito.
Renato tenta disfarçar, mas, as lágrimas começam a rolar em seu rosto.
Agradece a Deus por ter seus pais ao seu lado e se pergunta.
Como Deus pode querer que as famílias se separem, se a família é o verdadeiro alicerce na construção do mundo?
Realmente, só pode ser um erro de interpretação bíblica.
-O tio Fred, se despediu de todos não sem antes cutucar Renato.
-Juízo hein moleque.
No dia seguinte pela manhã, Renato estava se preparando para viajar, quando dona Gisa resolveu que iria acompanhá-lo.
Na estrada ia confiante em que tiraria Marisa da Igreja e junto com Eduardo, iria ter sua vida novamente restabelecida.
Ao chegarem à Sede Central, já ficavam sabendo que a Igreja de Curitiba tinha colocado Marisa a par da situação, contando que Renato havia saído de lá, e com certeza iria procurá-la para que ela saísse também.
De fato, quando lá chegaram ela já se encontrava na defensiva.
-Você vai e eu fico. Não tem nada que me prenda lá fora.
-Mas Marisa, nosso filho precisa do pai e da mãe juntos. Não podemos abandoná-lo.
-Deus precisa mais de nós do que ele. Eu não vou sair daqui.
Renato novamente sentiu aquele soco no estômago, mas sua decisão bem como a dela já estava tomada.
-Bem, sendo assim só me resta te dizer adeus, disse com uma ponta de tristeza.
Dona Gisa ainda tentou argumentar com ela, mas, irredutível, tirou sua aliança do dedo e atirou em direção à Renato.
-Adeus, disse.
Abatido, porém ciente do que queria saiu de lá com a mãe.
-Vamos, mãe, ainda temos que passar na Lapa e pegar o Eduardo.
Mesmo com todas as imposições dos sogros, Renato foi taxativo:
-Não dona Marina meu filho já vai ficar sem a mãe, não é justo que fique também sem o pai.
Assim, mesmo com toda choradeira de dona Marina, que já havia se apegado demais ao neto, Renato e dona Gisa o traziam de volta a Santos.
O pobrezinho com apenas um ano de vida nem sabia o que estava acontecendo a sua volta.
Entrava o ano de 1979 e em fevereiro Renato vai trabalhar novamente em uma fábrica de fertilizantes em Cubatão no período noturno.
Não está feliz. Pensa dia e noite em Marisa e seu consolo é o filho a quem leva todas as manhãs junto com o pai, à praia.
Depois do almoço aí sim, dá uma cochilada.
Seu Carlos nota sua tristeza e preocupado começa a apresentar algumas garotas a ele na esperança de que esqueça Marisa.
-Vamos filho! Ânimo. Não existe só a Marisa no mundo. Quantos casamentos não estão sendo desfeitos agora nesse exato instante em que estamos conversando.
A conquista dos “Meninos da Vila” e a mudança para o Norte de Minas
Em julho de 79 o Santos F.C. com a primeira safra dos “Meninos da Vila”, se torna campeão paulista, campeonato este que tinha tido início em 78.
Juari é o artilheiro com 29 gols e Clodoaldo se despede dos campos.
Seu Carlos chega do serviço e comunica que foi convidado para trabalhar no norte de Minas, em uma cidadezinha chamada Caratinga.
Ganhará com isso a já famosa diária.
Com ele irão mais dois colegas: Artur e Mariano.
Dessa vez Renato nem se importa. Sabe que terá que ir junto por causa de Eduardo, mas, mesmo assim brinca com a mãe.
-Lá vamos nós de novo, hein dona Gisa?
-É verdade filho, mas vou te dizer uma coisa. Desta vez nem foi por causa da diária, e muito menos por causa de espírito aventureiro de seu pai.
-O que a senhora está querendo dizer com isso?
-Que seu pai está fazendo isso por sua causa. Ele está te vendo tão triste e abatido e acha que uma mudança de ares irá te ajudar a esquecer a Marisa.
Renato nada respondeu. Seu pai tinha razão como sempre. Quem sabe indo embora de Santos e da proximidade com São Paulo, não lhe fosse mais fácil esquecer?
Dias antes da mudança definitiva, ele, o pai e os dois colegas, viajaram para acertar os detalhes na cidade.
Já haviam dado autorização para que o encarregado do armazém de Caratinga procurasse três casas para eles.
Dentro do Corcel branco de Mariano, partiram os quatro.
Uma viagem dura e cansativa, regada a muito cigarro (os quatro fumavam), e Halls de eucalipto extraforte para disfarçar o bafo miserável da nicotina.
Aos trancos e barrancos, parada para trocar pneu furado, abastecer o corcel que bebia uma gasolina lascada, eles finalmente chegam à cidade pela manhã.
Entraram num hotel onde tomaram um banho para tirar o cansaço. Depois do café servido no hotel, foi cada um ver suas respectivas casas, combinando de se encontrar mais tarde no hotel.
Depois de tudo acertado, dirigiram-se ao escritório do IBC, onde se apresentaram já como novos funcionários.
Renato havia gostado da cidadezinha. Só não sabia ainda o que fazer lá, pois tinha certeza que arrumar emprego seria muito difícil.
A noite tomavam o caminho de volta a Santos, novamente a base de muito cigarro e Halls.
Ao chegar em casa, depois de descansar um pouco, Renato foi para a firma onde trabalhava.
Queria chegar mais cedo para pegar o escritório aberto e pedir sua demissão.
Seria a última noite em que trabalharia lá.
Dias depois Renato, dona Gisa e Eduardo partiam para uma nova vida em outra cidade.
Preferiram viajar durante a noite para poder chegar bem cedo na cidade.
A mudança só iria no dia seguinte com seu Carlos.
A estrada Rio-Bahia que passa dentro de Caratinga, estava em alguns trechos em péssimas condições, fazendo com a viagem se tornasse mais demorada e cansativa.
No colo de dona Gisa, Eduardo dormia como um anjo.
Por volta de 10h00 chegavam à rodoviária e dali pegavam um táxi para a nova casa.
Nas mãos de Renato duas malas pesadas.
O início de uma grande amizade
A denominação do município Caratinga, de origem indígena, (cará / tinga = branco) é devido à falta de alimentação diversificada, o que fazia com que os primeiros habitantes da região se alimentassem de um tubérculo muito encontrado na região na época do povoamento, um cará-branco que servia de alimento para os índios.
A história de Caratinga começou quando os primeiros colonizadores surgiram na região, em 1573, comandados por Fernandes Tourinho.
Aqui encontraram a tribo dos índios Bugres, da tribo dos Aimorés, que viviam às margens do rio Bugre que, mais tarde (1878), passou a chamar-se Rio Caratinga.
O primeiro desbravador do atual território do Município de Caratinga é atribuído a Domingos Fernandes Lana, natural de Araponga, município de Viçosa. Teria vindo em companhia de amigos, serviçais, escravos, índios catequizados, a procura de poaia (ipecacianha), abundante na região e de grande valor comercial. Acredita-se que aqui tenha permanecido desde o princípio de 1841 até 1847.
Os méritos da fundação do povoado cabem a João Caetano do Nascimento.
Em junho de 1848, o pequeno povoado foi elevado à categoria de Paróquia e Conselho Distrital, subordinado à Comarca de Mariana, tendo posteriormente pertencido também a Ponte Nova.
O distrito foi criado pela lei provincial nº 2027 em 1º de dezembro de 1873, e passou a município em 6 de fevereiro de 1890, pelo decreto estadual nº 16, assinado pelo Presidente de Minas Gerais, Cesário Alvim.
A lei estadual nº 2, de 14 de setembro de 1891, confirma a criação do distrito-sede e, em 24 de junho de 1892, a vila se eleva o município, com território desmembrado de Manhuaçu.
Ainda com o nome de São João de Caratinga, em 1873, foi construída a primeira igreja Católica de Caratinga, a Igreja de São João Batista; hoje tombada pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico. Trazendo o progresso para a região, a Estrada de Ferro Leopoldina foi resultado de uma luta heroica, servindo à cidade de 1930 até 1978. A rodovia BR-116, conhecida como Rio-Bahia, iniciou sua construção em 1941 e é hoje um grande canal de escoamento, ligando o Sul ao Norte do País.
Nos anos 60 e 70 o município começa a perder parte da sua população que se direciona em busca de novas oportunidades no Vale do Aço mineiro, em Ipatinga (Usiminas) e Timóteo (Acesita), mantendo sua atividade cafeeira como principal fonte de renda.
Nos anos 80 e 90 Caratinga passa por um grande processo político e administrativo que resulta na emancipação de vários de seus distritos, ( Santa Bárbara, Santa Rita, Piedade, Entre Folhas, Imbé, Ubaporanga, Ipaba e Vargem Alegre ), como resultado a cidade se tornou um centro regional e os distritos ganharam mais força no que se diz respeito a arrecadação e realização de obras para a população sem depender de aprovação da antiga sede.
No ano de 2003 e 2004 a cidade de Caratinga enfrentou seu mais triste e infeliz momento, as duas enchentes que destruíram todo centro comercial, queda de prédios com repercussão nacional.
Dois ícones do cenário brasileiro são de lá: O cantor Aguinaldo Timóteo e o cartunissta Ziraldo.
Já dentro da casa dona Gisa forrou uns cobertores no chão colocando Eduardo, cobrindo com uma pequena manta.
Já estavam imaginando como dormir no chão puro até que a mudança chegasse, quando na porta da sala surgiu uma senhora e uma garota.
Levaram um susto, mas
a senhora os acalmou se apresentando como a vizinha.
Seu nome: Luiza e a garota, Karen.
-Desculpe a intromissão, mas, nós vimos quando chegaram, trazendo uma criança e viemos ver se precisam de alguma coisa.
-Ah sim, a criança é meu neto. Estamos chegando agora de Santos, e nossa mudança só vem amanhã, disse dona Gisa.
Dona Luiza pediu a Karen que fosse buscar uma garrafa de café e pouco depois estavam os quatro bebericando um café bem quentinho.
Pediu a Renato que acompanhasse Karen até sua casa e lá pegassem três colchões e roupas de cama.
-Quando suas coisas chegarem você me devolve.
Em menos de meia hora tudo estava arrumado em um dos quartos.
Como não tinham muita coisa para colocar em ordem, dona Gisa pediu que a vizinha esquentasse a mamadeira de Eduardo que já havia acordado com fome.
Renato se prontificou a ir buscar um almoço num restaurante próximo e Karen se ofereceu para acompanhá-lo.
Descobriu assim, que ela a seu exemplo também estava separada recentemente de seu marido e tinha um filho que naquele momento estava na casa de sua ex-sogra.
Sentia na voz dela uma grande tristeza.
-Você ainda gosta dele, não é?
-Gosto, nosso casamento é recente, mas não deu certo.
-Engraçado, eu vim para cá exatamente para tentar esquecer minha ex. E eu preciso esquecer, pois, nosso casamento não tem mais volta.
Renato contou sua história para Karen que por sua vez contou a sua para ele, e nascia ali uma grande amizade.
Na volta depararam com uma mesinha e duas cadeiras colocadas na sala da casa.
Depois disso se despediram e foram para suas casas, deixando dona Gisa e Renato à vontade.
-Como são atenciosas disse dona Gisa.
-Onde que em Santos, seríamos tratados desse jeito, respondeu Renato atracado numa coxa de frango.
No quarto, depois de ter sido trocado, Eduardo dormia tranquilo.
Na tarde do dia seguinte, seu Carlos chegava com a mudança.
A partir dali, Renato começaria a se preocupar em arranjar um emprego.
Começou a sair à noite com Karen, que o levava aos barzinhos.
Ele notou que Karen bebia um pouco além do que considerava normal.
Como já sabia de sua vida e de sua separação, sentiu que ela estava entrando num caminho perigoso, o mesmo caminho que ele havia entrado quando se encontrava em Garça.
Sua mãe gostava quando Renato a convidava para sair, por que normalmente ele tirava de sua cabeça, a ideia de irem para os bares. Preferia um baile ou mesmo um cinema.
Nessas horas conversava com ela dizendo que não valia a pena se esconder atrás de um copo por causa de um casamento.
-Veja, você sabe que me encontro na mesma situação e no entanto, não pretendo estragar a minha vida por causa de um amor não correspondido.
Longe de criticá-lo por querer se intrometer em sua vida, ela agradecia, sentindo nele um porto seguro.
-Nós dois temos a responsabilidade de nossos filhos em nossas costas. Não vale a pena viver por eles?
-Você tem razão, vou tentar mudar.
Aos poucos Karen se tornava uma moça diferente. Tinha ainda vinte anos, e uma vida inteira pela frente, para conhecer novos amores.
Dona Luiza torcia para que os dois se acertassem, mas tanto Karen quanto Renato ainda tinham seus corações fechados e tudo o que existia entre eles era uma grande amizade.
Um bom emprego e a nova namorada
Um mês depois, através de um amigo do pai que trabalhava no IBC, e era muito conhecido na cidade, Renato conseguia um emprego numa loja de produtos agrícolas.
Na entrevista com o dono, soube que teria de organizar o almoxarifado que estava totalmente em desordem, por causa da saída do funcionário do setor.
Ninguém sabia o que tinha, e o que faltava no estoque.
Renato se propôs com a experiência adquirida na fábrica de bebidas em Santos e na fábrica de fertilizantes em Cubatão, a colocar tudo no seu devido lugar.
Para isso pedia carta branca para agir, um ajudante, o material para executar o projeto.
O dono se prontificou a comprar todo o material, e em seguida chamou Renato para começar o trabalho.
A partir dali já era um empregado registrado da loja.
Continuava saindo com Karen que já se mostrava uma outra pessoa.
Mais consciente e ciente de suas obrigações com seu filho Sergio que estava com dois anos de idade.
Dona Luiza continuava comentando com dona Gisa que Renato havia caído do céu.
No final do mês, entregava o almoxarifado em perfeitas condições, com todo o estoque atualizado, desde uma minúscula arruela de pressão até tratores e ceifadeiras que eram vendidas na loja.
Com isso o dono deu o cargo em definitivo a ele e ao seu ajudante. Um rapaz nordestino, muito simpático e trabalhador.
O salário também havia aumentado. Era pouco, mas, para o padrão de vida da cidade estava ótimo.
Com a confiança adquirida, e sabendo que estavam precisando de um funcionário para o Departamento Pessoal da loja, pediu ao dono que contratasse sua amiga, no que foi prontamente atendido.
Agora sim, dona Luiza s sentia tranquila chegando a dizer para sua mãe que “Era Deus no céu e o Renato na terra”.
Renato sentia-se feliz com os elogios, mas não achava que merecia tanto.
Apenas chegou na hora certa na vida de Karen.
Mas ela também havia chegado na hora certa em sua vida.
Para decepção de dona Luiza, Renato arranjou uma namorada.
Lena era seu nome, e se conheceram através do pai dela, seu Alfredo que era funcionário do IBC.
Renato passou a acompanhá-la no colégio onde depois das aulas e aos sábados ela ensaiava uma peça de teatro.
Ela sabia que Renato havia tido uma equipe de teatro em São Vicente e perguntou se ele não queria dirigir a peça.
-Não Lena, vocês já têm uma equipe muito boa. O que eu posso fazer e dar algumas sugestões se houver necessidade.
Lena era uma garota simples. Tinha 22 anos e era a típica garota tímida do interior.
Renato havia contado a ela parte de sua, vida, mas nem precisava, pois, seu Carlos já havia se incumbido de dar sua ficha completa à família toda.
A exemplo de Luciana, sua namorada de São Vicente, ele não estava apaixonado por Lena e fazia questão de que ele soubesse disso.
-Ainda não posso e nem quero ter um envolvimento mais sério com você, primeiro porque ainda não estou preparado para abrir meu coração e segundo que priorizo a criação de meu filho. Podemos ficar juntos sim, mas você terá de ter paciência comigo.
-Não tem problema Renato, quem sabe não seja eu a abrir esse coração.
Sentia que ela estava entrando na mesma via que Luciana havia entrado.
Foi nessas condições que iniciaram seu namoro, e agora lá estava ele dando seus pitacos e palpites na peça de teatro.
Lena tinha um irmão caçula e mais duas irmãs. Uma delas estava passando uns dias no Rio de Janeiro na casa de uma irmã da mãe.
Uma paixão instantânea e o John Travolta brasileiro
Dela, Renato só sabia o nome: Cristina e que tinha dezessete anos.
Caratinga finalmente abraça o fenômeno discoteca. Patrick Hernandez, Glória Gaynor, Diana Ross, Abba, Village People, Kool & The Gang, Sylvester, Bonney M, KC & The Sunshine Band, e outros.
Já totalmente comprometidos com a nova onda, o grupo inglês, Bee Gees, conhecido por suas músicas românticas, traz Barry Gibb cantando em falsete e a música You Should Be Dance, torna-se uma espécie de hino desse novo movimento.
Saturday Night Fever, torna-se famosa por causa do filme homônimo com John Travolta.
Renato mesmo não sendo adepto da nova onda, conhece alguns passos da dança, que aprendera, nas raras vezes em que ia aos clubes de dança em Santos.
Quando vai ao clube da cidade com Lena, se sente o próprio Travolta, dançando no meio da pista rodeado por alguns amigos, músicas como Born To Be Alive de Patrick Hernandes, Boney M e Bee Gees.
Lena sente-se orgulhosa do namorado.
Cristina chega do Rio de Janeiro, e Lena o leva a sua casa para conhecê-la.
Ao vê-la, Renato sente a mesma sensação quando em Garça, fora apresentado por Waldir à Cíntia.
Linda, cabelos e olhos negros, Cristina trazia no rosto o sorriso mais lindo, só comparado ao sorriso de Cíntia.
Quando toca sua mão, sente uma emoção indescritível, e seu coração bate em descompasso.
Rapidamente ele retira sua mão, pois estava ficando evidente em seus olhos aquele sentimento e dona Silvana sua mãe, poderia perceber alguma coisa.
Agora entendia exatamente o que havia acontecido com Reinaldo e Lia, lá em Ribeirão Pires.
Gaguejando, diz apenas um olá.
Sentiu que para ela, também ele não havia passado desapercebido, pois sua mão ao cumprimentá-lo estava trêmula.
Se Lena percebeu alguma coisa, não deixou transparecer. Não é à toa que dizem que o amor é cego.
A partir dali seu relacionamento com Lena seria diferente.
21 de outubro de 79. Eduardo está completando 2 anos e seu Carlos faz questão de preparar uma grande festa, afinal é o primeiro aniversário com o neto.
Convida todos os amigos do IBC, e a casa fica lotada.
Dona Luiza e Karen junto com o filho Sergio, também estão lá.
Karen, já mudou muito sua maneira de ser, e mesmo sem contar com Renato para os passeios, quando sai, vai para o cinema ou a um baile. Aboliu definitivamente os bares de sua vida e está cada vez mais firme no emprego.
Sendo sua amiga e confidente, já sabe dos seus sentimentos em relação à Lena e à Cristina.
Pede que ele tenha cuidado para não magoar a garota dizendo que ele deve contar a verdade por mais dolorosa que seja.
Renato diz que não está acontecendo nada entre ele e Cristina, ainda.
Ainda, porque tudo irá mudar a partir daquela festa de aniversário.
Dona Silvana, havia esquecido o presente de Eduardo, pedindo que Lena fosse buscá-lo.
Renato vai com ela, e Cristina os acompanha.
Em frente à sua casa que fica a quatro quadras dali, Lena entra para apanhar os presentes deixando Renato e Cristina esperando no quintal.
Cristina aproveita o momento para puxá-lo contra si, e beijando-o diz que está apaixonada por ele.
-No começo, queria me vingar de Lena por ter roubado um namorado meu, tempos atrás, mas agora meu sentimento não é de vingança, e sim de amor por você.
-Eu também estou me sentindo assim desde o momento em que fomos apresentados e o remorso de magoar tua irmã impede que eu seja e a faça feliz como ela merece.
Ia falar mais alguma coisa, porém, Lena já voltava com os presentes.
Renato sabia que tinha de colocar um fim naquela situação, mas, não tinha coragem, e deixou o barco andar (um erro imperdoável).
Continuava com Lena, e quando iam aos bailes ou cinema, Cristina fazia questão de ir também.
Quantas vezes dançando com ela dava um jeito de disfarçadamente no meio de outros pares, beijá-la sem que Lena percebesse.
No cinema, sentava-se no meio das duas, e ao mesmo tempo em que abraçava Lena, acariciava Cristina com a outra mão.
O pouco tempo em que permanecera na Igreja do Reverendo Moon, o fazia entender que não estava agindo corretamente, sentindo-se um canalha.
Cristina também já não estava mais suportando aquela situação.
Por diversas vezes, ele tentou falar com Lena, mas como que adivinhando o que ele iria dizer (porque mesmo o amor sendo cego, a mulher não é boba e tem o famoso sexto sentido), ela o interrompia mudando de assunto.
Dessa maneira não teve outra alternativa a não ser escrever uma carta a ela, contando tudo o que estava acontecendo.
Pediu que seu irmão a entregasse apenas em suas mãos.
Pior que falar foi ter escrito.
Jogando com a sorte
Em poucas horas todos em sua casa já sabiam da carta.
Seu Alfredo, violento, aplicou uma surra em Cristina deixando-a marcada e sem direito a se defender.
Jurou que ia fazer o mesmo com Renato.
Seu Carlos que já havia tomado conhecimento da situação, o alertou, dizendo que ele havia agido errado e que tomasse cuidado pois ele o havia ameaçado.
Falar ao pai que as coisas do coração são difíceis de entender, não adiantaria. Com certeza ele já sabia disso.
Renato resolveu então dar um tempo até as coisas acalmarem e não procurou Cristina.
Dois dias depois pela manhã ela o procurava no serviço cheia de saudade e ainda com o rosto machucado.
-Quer se encontrar comigo hoje? Perguntou Renato.
-Mas, onde?
Estou pensando no rio Caratinga. Eu saio para almoçar e não retorno à tarde.
A gente se encontra lá na rodoviária e tomamos um ônibus e de lá vamos embora.
-Está bem, então por volta de 13h00 a gente se encontra lá. Dou uma desculpa qualquer em casa. Ninguém vai imaginar que estou com você, pois todos sabem que você está trabalhando.
Antes de sair para o almoço, mentiu para o patrão que teria que ir com o pai na parte da tarde a um armazém de café na cidade de Carangola, cidade próxima.
Em casa mentiu que iria fazer um serviço fora da cidade para o patrão.
Tramóia feita foi para a rodoviária. Antes passou em um mercado comprando frutas e refrigerante.
Ao encontrar Cristina, seu coração disparou mais uma vez. Estava linda, com uma saia branca curta realçando sua pele, mas sem exagero e os cabelos soltos.
O sorriso continuava o mesmo.
Estava trêmula, pois sabia o que representaria aquela aventura.
-Está nervosa? Perguntou Renato.
-Estou! Nunca tinha feito algo assim, mas isso aumenta minha adrenalina, pois o perigo da aventura é excitante.
Renato a beijou e entraram no ônibus.
No rio, ajeitaram-se no gramado e ali conversaram e se amaram a tarde toda.
Depois de sua separação, era a primeira vez que tinha uma mulher inteiramente sua.
Passaram a repetir o feito duas vezes por semana e seu receio era que tanto patrão quanto pai descobrissem a armação.
Ficaria sem o emprego e sem a confiança do pai.
Pior ainda seria se os pais delas descobrissem.
Enfrentando uma fera
Numa das idas ao rio tomou uma decisão.
-Vou falar com seu pai, não podemos mais ficar nos escondendo como se fôssemos bandidos.
-Você está louco? Ele vai te matar.
-Não, não vai.
-Ele vai entender que não sou um covarde que nem ao menos luta pelo seu amor.
-Já sei o que vou fazer. Sei que seu pai costuma ir a um barzinho tomar umas cachaças, depois do serviço. É lá que vou esperar por ele.
-Toma cuidado Renato. Isso é muito arriscado.
Arriscado ou não a decisão estava tomada.
Não comentou nada em casa para não alarmar dona Gisa e depois do serviço foi para o tal barzinho onde pediu uma cerveja e aguardou.
Não demorou muito e a “fera” apareceu.
Ao ver Renato, sua cara de alegria ao cumprimentar os amigos do bar, transformou-se em uma carranca horrível.
-Sente-se aqui seu Alfredo, convidou Renato. Preciso falar com o senhor.
-Não tenho nada para conversar com você seu moleque, esbravejou.
-Bem, sentado ou não o senhor vai me escutar. Gosto de sua filha e ela gosta de mim. Prefiro enfrentá-lo a ter que ficar me encontrando às escondidas com ela, pois ela não merece isso.
Lívido, ele pediu uma cachaça e de dedo em riste ameaçou:
-Se eu te pegar com minha filha eu te mato, apesar de minha amizade com seu pai. Entendeu?
-Então o senhor terá de me matar, pois não vou desistir dela tão facilmente.
Estou lhe dando uma oportunidade de resolver isso em paz.
-Você não devia ter feito o que fez com a minha filha Lena. Isso eu não vou perdoar.
-A Lena sabia desde o começo, o meu sentimento por ela e mesmo assim resolveu arriscar. Não tenho culpa se me apaixonei pela Cristina.
-Bom você já está avisado disse ele virando as costas.
“Homenzinho difícil” pensou Renato.
Vendo que aquela conversa não ia dar em nada, pagou sua cerveja e saiu.
Resolveu que não iria mais se arriscar indo para o rio e comunicou isso à Cristina.
-Podemos nos encontrar à noite num bairro mais afastado, o que você acha?
-Para mim está bem, desde que eu esteja com você.
Beijaram-se apaixonadamente.
Lena segundo Cristina, estava vivendo sua tristeza, dentro de casa, e não tinha nem ânimo para as peças de teatro do colégio.
Renato sentia um certo incômodo, por aquela situação, mas não podia fazer nada.
Vendo sua filha assim, seu Alfredo sentia mais ódio dele, afinal era a filha mais velha e, portanto, o xodozinho da casa.
Seu Carlos resolveu que iria mudar, pois a casa onde estavam devido ao córrego que passava ao lado estava deixando-a úmida e mofada, prejudicando a saúde de Eduardo.
Em poucos dias já se encontravam em outro local. Uma casa maior e mais arejada, com um quintal enorme e íngreme por tratar-se de um morro.
Eduardo já se sentia bem melhor.
Uma decisão maluca que não se concretizou
Cristina procurou Renato no serviço e combinaram de se ver no local que haviam escolhido onde já há algum tempo se encontravam.
-Espere por mim lá, pois tenho um assunto sério prá falar contigo.
-Hummm, do que se trata?
-Depois te falo, agora deixa eu trabalhar senão o meu patrão me come o fígado.
Viu-a afastar-se, linda e sorridente nos seus quase dezoito anos (iria completar ainda naqueles dias).
Depois do trabalho, Renato foi para casa, tomou um banho e caprichou no perfume.
Ao chegar ao local do encontro, lá estava ela, linda numa saia branca, realçando seu corpo e sua pele morena.
Abraçou-a de sopetão e beijou-a com uma certa violência, oferecendo uma rosa que havia comprado pelo caminho.
-Nossa, como você está hoje hein? Disse ela.
-É que não resisto aos seus encantos minha princesa, brincou ele.
A vontade de Renato era de levá-la para um hotel, mas tinha medo por causa de sua idade. O remédio era ficarem por ali mesmo, só de namorico.
-Cristina, presta atenção no que vou te dizer. Pode parecer loucura e nem sei se você vai aceitar.
-Só vou saber se você falar. Brincou ela.
-Tá! Eu recebi uma proposta para trabalhar em Governador Valadares. Uns clientes de meu patrão foram lá hoje, e ele me elogiou, falando do meu trabalho no almoxarifado da loja.
Como eles pretendem montar uma loja lá nos mesmos moldes dessa me convidaram para trabalhar com eles, me dando um salário bem melhor do que ganho, além de uma casa para morar.
-Mas você vai embora, e eu como fico?
-Calma, é aí que entra a minha proposta com você. Estou te convidando para ir comigo e o Eduardo.
-Daqui a alguns dias você completa dezoito anos e já será dona de suas próprias decisões.
-A proposta é tentadora, mas tenho que pensar, pois é complicado deixar meus pais assim de uma hora para outra.
-Te dou um mês para pensar. É o tempo que pedi a eles também, afinal ainda nem montaram a tal loja.
Não tocaram mais no assunto preferindo namorar e falar de outras coisas.
Renato já sabia de antemão que sua resposta seria não. Era muito nova para assumir o compromisso de fugir com um namorado que já trazia na bagagem o bônus de um filho.
Nem precisou esperar um mês.
Dias depois, seu Carlos chegou em casa dizendo que ela havia ido para o Rio de Janeiro.
Sem coragem de falar pessoalmente, preferiu deixar uma carta com Karen, para que lhe entregasse.
No bilhete ela dizia que tinha sido obrigada pelo pai, a ir embora, e que apesar de estar apaixonada, não poderia aceitar sua proposta, por se achar nova e inexperiente para cuidar de uma criança.
Exatamente como ele havia deduzido.
Ficou sem ter notícias dela por um bom tempo, pois não tinha coragem de ir à casa de seus pais para se informar.
Só ficou sabendo que ela estava bem, no Rio e namorando, quando teve que se internar no hospital da cidade por problemas renais.
-Deixando toda a mágoa que ele lhe havia causado, Lena e seus irmãos foram visitá-lo, mesmo a contragosto do pai.
Ninguém havia tomado conhecimento de sua intenção de ir embora com ela, para Valadares, e isso morreria junto com ele.
Com o rumo que as coisas haviam tomado Renato também desistiu de viajar, optando por ficar com seus pais. Mesmo porque se fosse, Eduardo teria que ficar com os avós.
Karen ao mesmo tempo em que lamentava aquele desfecho, sentia-se feliz.
Seu amigo e confidente não iria mais embora.
Triste por ter perdido Cristina, jurou para si mesmo que não mais se envolveria seriamente com uma mulher.
Passou a dedicar-se mais a Eduardo. Levava-o junto com sua mãe para passear.
Gostava de levar sua mãe ao cinema, e agora tinha mais tempo para isso.
Seu Carlos não era muito adepto das telonas e preferia ficar em casa com Eduardo.
Aos poucos estava se conformando com a perda da namorada.
Um emprego melhor
André, um amigo da loja que havia se demitido para gerenciar uma concessionária, convidou-o para trabalhar com ele no almoxarifado onde além do serviço normal do setor, ficaria responsável pela elaboração de mapas de produtividade dos funcionários.
O salário seria quase triplicado e seu patrão não tinha condições de cobri-lo, optando por liberá-lo para tristeza de Karen que via seu amigo se afastar.
Já no dia seguinte se apresentou aos donos da concessionária e iniciou seu trabalho.
André morava com a esposa em um dos poucos prédios existentes na cidade. Tinham vindo do Rio de Janeiro, por uma transferência dela que trabalhava em um Banco.
André já vinha por indicação de um amigo da cidade, empregado na loja onde Renato trabalhava, e sua aproximação com ele, devia-se ao fato de que sendo do Rio de Janeiro, e ele de Santos tinham afinidade por serem ambos de cidades litorâneas com modos de falar e agir parecidos.
Um dia ao saírem da concessionária, André o convidou para tomar uma cerveja em sua casa, pois, tinha umas ideias para melhorar o desempenho dos funcionários e queria ouvir sua opinião.
Outra namorada
Ao chegarem ao prédio Renato se deparou com uma garota linda que sorriu para ele.
Ao entrarem no apartamento Renato perguntou quem era a garota.
-É a Joana. Trabalha para o senhor Flavio e a esposa no apartamento aqui da frente. Sua família é da roça e ela mora aqui com o casal.
Renato havia prometido não se envolver mais, porém, dentro dele mesmo com tudo dando certo em sua vida, ainda faltava alguma coisa. Não era homem de ficar muito tempo sem o carinho de uma mulher.
Na terceira visita resolveu se aproximar dela.
Assim, descobriu que seus pais moravam em um sítio de café em uma cidadezinha chamada Bom Jesus do Galho afastada a alguns quilômetros dali e que precisando estudar e trabalhar, acabou conseguindo aquele emprego, onde podia passar a semana toda, indo para a casa somente no domingo. Estava com dezoito anos.
Renato contou também um pouco de sua vida. Gostava de deixar claro a todas as mulheres com quem se envolvia que tinha um filho e era separado.
Não demorou uma semana para começarem a namorar.
-Tú não sossega teu facho mesmo hein Renato, brincou dona Gisa.
Joana se mostrava uma garota simples e inexperiente em matéria de sexo, além de virgem por isso Renato respeitando essa sua condição procurava não se aprofundar em seus carinhos.
Não sabia o que poderia surgir daquele namoro, e não queria prejudicá-la.
O casal tinha uma grande confiança nele a ponto de deixá-lo sozinho com ela no apartamento sempre que saiam para as noitadas no clube da cidade.
Quando se encontravam sozinhos, ela ligava o aparelho de som e colocava músicas suaves para ouvirem, servindo uma bebida que o patrão tinha em seu barzinho. Depois, sentava-se no sofá ao seu lado e namoravam, sem segundas intenções.
Sentia-se bem com ela, pois lhe trazia uma paz no tumulto em que tinha se transformado sua vida naqueles últimos anos.
Conheceu seus pais, onde um dia a convite de ambos, foi com sua família, participar da festa de aniversário de um dos seus irmãos.
Seus pais se encantaram com o local e com a atenção dada a eles a outros convidados.
Agora dona Gisa e seu Carlos também estavam tranquilos, por causa de sua paz de espírito.
Tudo estava indo bem em sua vida, tinha um bom emprego (coisa rara em uma cidade pequena) e uma garota linda e simples.
Já falavam em se casar e Renato ia começar a mexer com a papelada para conseguir sua separação definitiva.
A reconciliação e uma difícil decisão
Porém... mais uma vez o destino colocaria suas garras em cima dele.
Numa manhã, estava ele e seu Carlos se preparando para trabalhar quando alguém bate palmas no portão.
Ao atender, um senhor diz a ele que tem uma pessoa no seu taxi que deseja falar com Renato.
-Sou eu, mas quem quer falar comigo a essa hora da manhã.
Estranhando, Renato dirige-se ao carro.
Seu coração gela, quando de dentro dele sai Marisa.
-O que você está fazendo aqui? Pergunta sem acreditar no que está vendo.
-Preciso conversar com você, posso dispensar o motorista.
-Hein? Ah, sim, claro. Venha, vamos entrar, responde Renato aturdido e sem muita certeza.
Quando entram em casa, seu Carlos e dona Gisa ficam boquiabertos e sem ação.
É seu Carlos quem quebra o silêncio, convidando-a para sentar-se e tomar café.
-Que bom estou precisando mesmo, responde Marisa, sem conter o nervosismo.
-Renato, nós precisamos conversar.
-Tá, mas essa conversa vai ter que esperar porque já estou de saída para o trabalho.
Dona Gisa já com a pulga atrás da orelha, puxou Renato para o quarto.
-Será que ela veio buscar meu neto, pergunta aflita.
-Não sei mãe, mas não se preocupe. Isso não vai acontecer. Fica com ela aí que na hora do almoço eu vou ver o que ela tem a dizer, está bem?
Na hora do almoço, Renato preferiu ligar para que ela descesse e o encontrasse na loja.
Queria que a conversa fosse entre eles apenas, pois já sabia mais ou menos qual seria o assunto, e, não queria preocupar os pais.
Foram a um restaurante próximo e enquanto almoçavam ele perguntou:
-Muito bem, Marisa o que você tem a me dizer de tão importante que a fez sair de São Paulo, largando sua igreja para vir aqui?
-Pois é, eu não pertenço mais à igreja e estou aqui para te perguntar se você me dá uma segunda chance.
-Você só pode estar brincando, depois de um ano vem me procurar e propor uma reconciliação, como se eu estivesse esperando por isso, e não tivesse feito minha carruagem andar? Não, eu não posso te aceitar, pois já reformulei toda a minha vida, inclusive estou namorando sério e ia entrar em contato com você, para iniciarmos o processo de separação.
-Então eu não tenho nenhuma chance?
-Claro que não, o melhor a fazer é voltar para a casa dos teus pais.
-Não posso voltar para lá, não depois do que disse ao meu pai, por ele não ter aceito a igreja na época. Vou para qualquer lugar menos para a casa dele.
Marisa voltou para casa e Renato para o trabalho.
Naquela noite deixou que ela dormisse no quarto com Eduardo e foi para o sofá.
No dia seguinte combinou com ela que se encontrassem na loja á tarde para comprar sua passagem de volta.
No caminho para o trabalho, contou ao pai sobre a conversa que tiveram.
-Pai, o senhor acha que eu devo jogar tudo para o alto e aceitá-la de volta?
-Ah filho, esse assunto apenas você e seu coração podem responder. Nem eu nem sua mãe podemos dar palpite, pois se dissermos que sim, você deve dar uma chance a ela, e as coisas não saírem de acordo, vamos nos sentir culpados.
Por outro lado, se dissermos não você pode achar que deveria ter tentado. Lembre-se apenas que no meio de tudo isso está o Eduardo.
Passou o dia inteirinho pensando no que fazer.
Aceitar implicaria em abdicar da chance de ser feliz novamente com outra pessoa no caso sua namorada Joana.
Não aceitar, significaria mandá-la sabe Deus para onde.
Como o pai havia dito, no meio de todo esse dilema, estava seu filho.
Á tarde Marisa foi encontrá-lo.
Estava triste, pois já havia se despedido do filho.
Já havia passado na rodoviária e comprado a passagem, vindo mesmo só para despedir-se dele.
Renato acompanhou-a até à rodoviária e no meio do caminho pediu sua passagem.
Para surpresa dela, rasgou-a ao meio.
-Mas, o que você está fazendo? Perguntou incrédula.
-Nem eu sei o que estou fazendo, mas você me pediu uma chance e eu estou te dando. Seu filho precisa da mãe ao seu lado.
Marisa jogou sua mala no chão e quis abraçá-lo, mas Renato se esquivou.
-Seu filho precisa de você, não eu. Respondeu secamente. Mas você terá que provar que merece minha confiança.
Sabia que estava sendo rude com ela, mas era assim que as coisas iriam funcionar.
Levou-a para casa, e comunicou sua decisão aos pais.
Naquela noite, foi para a casa da namorada, comunicando sua decisão.
Mas você vai morar com ela no mesmo teto? Perguntou meio abalada.
-Sim, mas não se preocupe, vou fazer isso apenas pelo meu filho. Não há a menor chance de voltarmos como marido e mulher
-Brevemente pedirei o divórcio e aí nós podemos casar.
-Bom, você é quem sabe, mas tome cuidado, respondeu abraçando-o com a estranha sensação e que o estava perdendo.
Infelizmente, a partir dali seu relacionamento com Joana já não seria mais o mesmo.
Sempre questionando sua fidelidade, chegou a colocá-lo na parede.
-Ou é ela ou eu.
Joana estava com a razão. Qual mulher gostaria de ver seu namorado, dividindo o mesmo teto com a ex-mulher?
Assim, mesmo a contragosto decidiram que o melhor seria se separarem, pois acima de tudo estava o bem-estar de Eduardo.
-Não serei eu a criar um ambiente contrário ao crescimento dele, disse ela chorando. Só te peço que nunca me apresente a ela. Não terei prazer nenhum em conhecê-la.
Com um aperto no coração, Renato saía para sempre de sua vida.
(Se pudéssemos saber nosso destino, jamais Renato trocaria um amor puro e simples, por uma incógnita, como se verá mais adiante).
Eduardo, acostumado com a avó, chamava-a de mãe, e Marisa de tia.
Dona Gisa sentia-se constrangida, e quando isso acontecia, ela imediatamente apontava para Marisa dizendo que ela era sua mãe.
Mas não tinha jeito e Marisa teria de se conformar com isso até que ele crescesse e começasse a entender melhor.
Renato continuava a dormir no sofá e por diversas vezes, Marisa, procurava se aproximar com segundas intenções, sendo sempre evitada por ele.
Tanto ele quanto os pais, viviam à sombra da dúvida de que ela na verdade havia se aproximado para pegar Eduardo e levá-lo para os pais em São Paulo voltando em seguida para a igreja.
Tinha de haver uma maneira de colocá-la à prova.
A chance surgiu algumas semanas depois quando Marisa disse estar com saudade dos pais.
-Será que eu posso levar o Eduardo comigo?
Consentir seria uma decisão de risco, mas essa era a hora certa para que ele dissipasse de uma vez por todas suas preocupações.
Quando seu Carlos e dona Gisa, souberam de seu pedido e da decisão de Renato, entraram em pânico e não queriam que ela fosse de maneira nenhuma.
Aproveitando que Marisa havia saído para buscar pão, Renato conversou com os pais.
-Olhem. Eu sei que é uma decisão arriscada, mas é a oportunidade que temos para que as coisas voltem ao normal. Temos de passar por isso se quisermos viver em paz e sem medo.
Mesmo contrariados, acabaram aceitando por entender que Renato tinha razão.
No dia da viagem, Renato comunicou que a queria de volta com o filho em uma semana.
Ela nem desconfiava que estava passando por um teste.
A espera angustiante
Os dias que se seguiram foram da mais completa tristeza, sem a correria de Eduardo pela casa, acompanhando curioso o “bio”, como ele chamava as formigas que passavam carregando suas folhinhas.
Os três quase nem se falavam, com medo de que o assunto viesse à tona e a agonia estava estampada em seus rostos.
Os amigos de seu Carlos comentavam sobre a coragem de Renato naquele teste de paciência, e até o velho e ranzinza Alfredo, mandou seu elogio em forma de pitaco, dizendo que ele finalmente estava fazendo algo que prestasse.
Gostar de sua filha definitivamente não prestou para ele.
As palavras dos amigos, longe de animarem seu Carlos, contribuíam para que ele se entristecesse ainda mais.
Dona Gisa, voltava a sentir as suas famosas dores de cabeça, e só vivia chorando pelos cantos da casa.
No quarto dia, seu Carlos resolveu quebrar o silêncio.
-Filho, você não acha que se precipitou?
-Não sei pai. Mas eu tinha de fazer isso, senão nunca poderia ter uma vida normal com ela novamente. Ela tem mais três dias para voltar, até lá não podemos tomar atitude nenhuma. Se ela não vier no dia marcado, podem ter certeza que vou buscar meu filho onde ele estiver.
Os três dias restantes foram de uma expectativa terrível. Mais ainda no último dia. As horas não passavam.
Um alívio no meio de tanta expectativa e a volta à normalidade
No dia marcado, pediu permissão ao patrão para ir à rodoviária.
-Vá meu amigo, e traga boas notícias, estarei torcendo por você.
O ônibus estacionou e cada pessoa que descia, era um aperto em seu coração.
De repente lá estava ela, com a figura miudinha de Eduardo segurando sua mão.
-Graças a Deus, disse baixinho Renato, sentindo que um enorme peso, acabava de sair de suas costas.
Abraçou e beijou o filho, e pela primeira vez desde que ela havia chegado, abraçou-a fortemente.
-Obrigado, disse.
-Obrigado por quê? Perguntou ela.
-Nada, não é nada, venham, vamos passar no meu serviço. Quero que alguém te veja.
Quando estavam diante de seu patrão, este cochichou:
-Hoje você não precisa mais trabalhar, vá para casa dar a boa nova aos seus pais.
Passaram no IBC, mas seu Carlos já tinha ido para casa.
Quando entraram em casa, Eduardo correu para abraçar os avós que não se continham de alegria.
-Gente, o que é toda essa festa? Primeiro foi Renato que me deu um abraço de urso, agora são vocês que estão até chorando.
-Não é nada. Só posso te dizer que agora sim, te consideramos novamente nossa nora. Respondeu seu Carlos.
Naquela noite, para sua surpresa, Renato foi para o quarto com ela e o filho.
-O que aconteceu para você ter mudado tanto assim seu comportamento em relação a mim?
-Lembra quando eu te disse que só poderíamos estar bem, se você me provasse que era digna de minha confiança? Aí está! Você provou.
Contou de seus temores em relação a sua ida a São Paulo, e que a tinha colocado em teste.
Nos dias que se seguiram, seu Carlos conseguiu um emprego para ela numa empresa terceirizada que prestava serviços nos escritórios do IBC.
Tempos depois, se mudavam para um sobrado com três quartos. Estava na hora de Eduardo ter seu próprio canto.
Um convite irrecusável
Era o final de 80 e mais uma vez o dedo implacável do destino iria ditar qual o futuro de Renato, agora na figura de seu sogro, que estava morando em Osasco.
Marisa lia um trecho da carta que havia recebido.
“Estou montando uma oficina mecânica aqui no bairro, e gostaria que Renato viesse trabalhar comigo. Como sou aposentado por invalidez, não posso abrir a firma em meu nome. Trabalho não vai faltar e ter algo em seu nome sempre foi seu sonho”.
Marisa ficou radiante com a possibilidade de poder voltar para São Paulo, mas para seu Carlos e dona Gisa não havia motivo para alegria, pois mais uma vez seu filho estaria indo embora, e pior, levando Eduardo, e mais um bebê que já estava a caminho.
Pesando os prós e os contras, Renato conversando com os pais comentou que essa seria uma boa oportunidade de ser dono de seu próprio negócio.
Os pais acabaram concordando, pois sabiam que tinha razão.
No dia da viagem, dona Gisa chorava.
Dava pena ter que deixá-los, depois de tudo que haviam feito por ele, mas era no futuro de Eduardo principalmente, que Renato estava pensando.
Sem contar que Caratinga não oferecia grandes oportunidades de vida.
Já havia pedido demissão da concessionária e André ficara muito chateado com sua decisão.
-Agora que estávamos formando um grande time, você vai embora?
-Sinto muito meu amigo, mas trabalhar por conta própria é o desejo de todo mundo.
Sem argumentos, André o abraçou e desejou boa sorte, o mesmo fazendo seu patrão.
-Já sabe hein, se algo der errado estamos te esperando, disse ele.
Dona Luiza e Karen também estavam tristes com sua partida.
-Vocês podem ter certeza de que nunca vou esquecer sua solidariedade quando aqui chegamos.
-E eu nunca vou esquecer o que você fez pela minha filha.
Desejou toda a felicidade do mundo a elas e foi embora. Sentia-se feliz por poder ter sido um esteio na vida de Karen e torcia para que ela encontrasse um grande amor.
Ao chegarem a São Paulo, Eduardo estranhou todas aquelas luzes e carros juntos e seus pequenos olhos piscavam fascinados.
Chegaram à casa dos sogros por volta de 19h00, cansados e com fome.
Depois dos beijos e abraços, a prioridade era Eduardo, que havia acordado e precisava ser trocado.
Por volta de 23h00, quando as crianças já haviam ido dormir. Os sogros e o casal ficaram conversando sobre as novidades. Dona Marina continuava frequentando a Igreja.
-Já estou com a oficina montada. Só precisamos procurar um contador para abrirmos a firma, disse o sogro. Minha ideia, porém, é ir mais para o centro da cidade, onde o movimento é maior.
Na manhã seguinte, sogro e genro iam para a oficina onde haviam dois tornos mecânicos, uma máquina de solda, furadeira industrial, além de outros equipamentos e ferramentas diversas.
Os dias que se seguiram foram de poucos e pequenos serviços. Realmente precisavam de um local mais movimentado.
Finalmente contratavam um contador e a firma foi aberta em seu nome.
Tinha grandes planos para a oficina e embora tivesse uma certa noção de tornearia mecânica, por conta de um curso que fizera no Senai, sua intenção era a de ser uma espécie de relações públicas da oficina.
Para isso providenciaram cartões de visitas, e claro, Notas Fiscais, para que tudo fosse legalizado.
A morte de um ícone do rock’n’roll
Naqueles dias, uma tragédia abalaria o mundo da música.
Era o dia 8 de uma tarde quente de dezembro. Para qualquer fã dos Beatles, esse dia é uma data que traz péssimas lembranças, pois marca o assassinato de John Lennon em frente ao edifício Dakota, ao lado da mulher a quem tanto amava e na sua adorada New York.
Foi o dia do adeus a um homem que em seu repertório pregava a paz "All we are saying, is give peace a chance" (tudo que estamos dizendo é. dê uma chance a paz).
Um homem que se transforma do artista para o ativista social e se torna um perigo para o governo de Nixon que via como única saída sua deportação para resolver o problema.
Lennon e Yoko envolvem-se com John Sinclair, preso em 1969 por posse de maconha, e por dar dois cigarros a um agente do Departamento de Narcotráfico que estava disfarçado, sendo sentenciado a dez anos de prisão.
Sinclair era líder do White Party (grupo militante antirracista-contra cultural) de socialistas brancos com o objetivo de ajudar os Panteras Negras no Movimento dos Direitos Civis, liderado pelo Pastor Batista Martin Luther King que defendia a obtenção da igualdade racial por meios pacíficos.
John homenageia Sinclair com uma música (John Sinclair), gravada no álbum Sometime In New York City.
Yoko ao contrário da imagem feita pela imprensa e pelos fãs que viam nela o pivô da separação do quarteto, surge como fator agregador e importante nas decisões políticas do músico, com seus protestos pacíficos "Bed Peace", "Hair Peace".
Quando os Beatles se desfizeram, John teve mais chances de se mostrar contrário ao mundo bélico que o cercava, escrevendo músicas de protesto e criando amizades com polêmicos como Jerry Rubin, Bobby Seale e o próprio John Sinclair.
O governo tenta deportar John por posse de drogas e por causa do visto de permanência do músico no País, que estava vencido, mas, Leon Wilds, advogado de imigração o defende, e o processo se arrasta até que John finalmente consegue seu Green Card.
Nixon se reelege, renúncia e John continua com sua vida normal e agora está feliz pois se reconciliou com sua amada e curte seu filho Sean Lennon.
Ele sai junto com Yoko para irem ao estúdio encarar mais uma sessão de gravações.
O disco “Double Fantasy” havia sido lançado internacionalmente e as músicas “Starting Over” e “Woman” já se destacavam.
Ainda teria tempo para dar um autógrafo a Mark David Chapman, aparentemente um fã comum.
Não era. Chapman estava disposto a entrelaçar definitivamente sua vida à do ídolo.
Com uma certa dose de loucura, sangue frio e paciência, aguardou a volta de John para o edifício.
Já era noite quando o casal voltava para casa. Na calçada, Chapman dispara cinco vezes, atingindo Lennon.
O mestre de cerimônias de uma época, o ativista anárquico que queria lutar atrás de uma barricada de flores, estava morto vitimado pela violência que sempre condenara e contra a qual dedicou muito de seu trabalho e energia.
Chapman não fugiu. Calmamente esperou a polícia chegar enquanto lia “O Apanhador no Campo de Centeio”.
O sonho de que algum dia o quarteto de Liverpool pudesse se reunir novamente, estava acabado.
Naquele dia, Renato junto com fãs do mundo inteiro chorou.
Sua vida tinha sido pontilhada principalmente pelas músicas dos Beatles e para ele, os ícones da década de 60 foram eles o Santos F.C. e Roberto Carlos.
Não havia como falar de Beatles sem se lembrar do Santos, Roberto Carlos e a Jovem Guarda.
Mas a vida tinha de continuar com ou sem Lennon.
Em menos de um mês, já havia mudado para o Rochedale, um bairro de Osasco mais próximo do centro e com um grande comércio.
De posse dos cartões de visita, passou a visitar as indústrias de Osasco e São Paulo.
Haviam contratado um empregado.
Acabou indo parar na empresa que o havia rejeitado quando saíra de Santos.
O gerente o reconheceu e ficou feliz por ele ter evoluído na vida e agora ter seu próprio negócio.
Renato explicou o que a sua oficina fazia conseguindo um ótimo contrato.
Quando voltou, não se continha de alegria e mostrou ao sogro e ao empregado o que havia conseguido.
-Bom agora não há mais necessidade de procurar outras firmas. Esse contrato vai nos tomar bastante tempo.
-Provavelmente teremos de comprar outro torno para que eu possa ajudar, completou Renato.
-Certo, mas vamos com calma, por enquanto os dois que temos são suficientes.
Uma crise do tamanho do Brasil e o nascimento do segundo filho
Porém o ano de 81 vinha com uma série de problemas econômicos no País.
Desemprego em massa, indústrias indo à falência, um caos generalizado.
A oficina estava mais ou menos segura, mas Renato sabia que mais dia menos dia, iriam sentir os efeitos da crise, pois a indústria com a qual haviam fechado o contrato, já havia reduzido consideravelmente o número de seus empregados e os serviços que mandavam eram escassos.
Entra o mês de fevereiro e no dia 17 nasce no Hospital Pérola Bighton em São Paulo o segundo filho, Vinícius.
Renato havia mudado com a família para uma casa próxima da oficina.
Foi uma alegria quando Vinícius nasceu e mesmo com a crise já assolando a família, seu Jaime e Renato fizeram questão de dar uma grande festa para comemorar o acontecimento.
Semanas depois infelizmente, Vinícius cairia doente tendo de ser internado às pressas.
Os médicos não sabiam dizer a causa de sua doença e o menino, já nem tinha mais local em seu corpo para que pudesse ser aplicado soro.
Marisa, não conseguia mais dormir um dia sequer, e quando o fazia era aos sobressaltos, aguardando um triste telefonema.
Todos os dias, Renato e ela iam ao hospital, e quando se aproximavam do berço onde Vinícius estava o pobrezinho levantava as mãos com dificuldade como se pedisse: “Tirem-me daqui, por favor”.
Os médicos chegaram a dar o caso como perdido, e um deles aproximando-se de Renato e Marisa comentou:
-Tudo o que a medicina podia fazer foi feito. Se vocês acreditam em algo fora dela, não tenham vergonha e se apeguem a isso.
Mesmo estando tanto tempo longe de qualquer tipo de religião, Renato fez intimamente uma promessa. Se Marisa o fez também ele não ficou sabendo, pois ela ainda vinha sobre o efeito do que aprendera na igreja do Rev. Moon.
Dias depois, Renato recebia uma ligação do hospital.
O coração ficou apertado, e ele já pensava no pior, mas uma espécie de voz dentro de si dizia: “Confia, tudo vai dar certo”.
Do outro lado da linha a voz do médico soava como um lenitivo ao seu sofrimento.
-Tenho boas notícias, descobrimos o que estava causando a doença de seu filho, e já estamos combatendo. Em menos de doze horas ele já é outra criança.
Renato abraçou o sogro e o empregado e correu para casa para dar a boa notícia à Marisa.
Chorando de alegria, foram juntos com os sogros para o hospital.
O médico puxou o casal a um canto e disse:
-Não sei que promessa vocês fizeram, mas deu certo.
-Podemos levar o menino?
-Não, hoje ele ainda fica aqui, mas amanhã à tarde podem vir buscá-lo.
Na tarde seguinte, Vinícius finalmente estava em casa.
Teria ainda uma série de exames para fazer e medicamentos a tomar.
Aos poucos, Vinícius se recuperava e já era uma criança saudável.
Portas fechadas para as microempresas
A crise chegava enfim à oficina. Já não entrava dinheiro nem para manter os tornos em funcionamento e o primeiro a sentir esse efeito foi claro, o empregado.
Com o pouco dinheiro que ainda restava, seu Jaime resolveu montar uma máquina esquisita ao qual ele chamava de “depenadora de frango”.
-Vi essas máquinas em uma revista que trazia até como fazer. Já que não temos encomendas de serviço, vamos tentar a sorte com ela.
Depois de montada, ele fez um teste, com um frango que havia comprado.
Mergulhado em água fervente, suas penas eram facilmente removidas, por pinos fixados num rolo que girava velozmente.
Quem o manuseasse só teria que tomar cuidado com as mãos, para que não esbarrassem nos pinos.
Renato admirava a força de vontade do sogro de vencer os revezes da vida.
No dia seguinte saiu para vender a tal máquina.
Com o dinheiro conseguido, comprou material para construir duas novas máquinas e assim as coisas iam sendo contornadas.
Mas, como tudo que surge como novidade, acaba se espalhando e assim em pouco tempo, fabriquetas de depenadora de frango, surgiam em cada esquina, fazendo com que a oficina de seu Jaime fosse apenas mais uma no meio de tantas.
Voltavam a estaca zero e o sogro já estava pedindo dinheiro emprestado à esposa, que tinha em sociedade com um irmão, um minimercado, para pagar o aluguel da oficina e mais o aluguel da casa de Renato, pois nem salário podia mais dar a ele.
Renato não estava gostando nada daquela situação, principalmente pelo fato de seu sogro estar pedindo dinheiro emprestado.
-Nós vamos acabar afundando cada vez mais. O melhor a fazer é admitir que estamos falidos e passar o ponto com todo o equipamento.
-Ah, ela é minha mulher, não vai ficar me cobrando nada.
-Não vai? Esqueceu que ela é apenas sócia de seu cunhado? Eu vou é tratar de arrumar um emprego antes que o barco afunde.
Seu Jaime ainda aguentou mais um mês, mas seguindo o conselho de Renato, colocou um anúncio no jornal.
Dois dias depois apareceu um interessado. Sem ao menos esperar por outras ofertas, fechou negócio.
Da oficina, só ficou com a máquina de solda e algumas ferramentas.
Depois de trocado o cheque, deu uma parte a Renato, que imediatamente pagou seu aluguel que já estava vencido.
Encerrava-se ali, o sonho te ter algo só seu.
Conseguiu um emprego como ajudante geral, mas, o salário era tão irrisório que mal dava para as despesas.
Seu Jaime o chamara de volta para morar com ele, mas Renato não aceitou.
Estava muito aborrecido com tudo aquilo, embora o sogro não fosse culpado, mas não queria cair na mesmice.
Se fosse para voltar para a casa de alguém, que fosse a de seus pais.
A ida para Uberaba no Triângulo Mineiro
Estava entrando em desespero, pois até o leite das crianças estava faltando, chegando mesmo a ir ao Lixão onde o Ceasa descarregava tudo o que não conseguia despachar para os mercados e acabavam se deteriorando e disputando com centenas de pessoas, conseguia levar para casa frutas e legumes já passados do tempo.
Nem os pais e nem os sogros souberam disso. Não queria preocupa-los,
Escreveu uma carta para os pais contando tudo, e dias depois recebia a resposta.
-Filho! Estamos de mudança para Uberaba lá no Triangulo Mineiro, porque vocês não vão para lá? Estamos com saudade de vocês e queremos conhecer nosso netinho. Devemos chegar dentro de um mês.
Na carta vinha o novo endereço.
Conseguiu contornar a situação, naquele mês, honrando suas dívidas.
A sogra sempre ajudava com alguma coisa, para que os netos não passassem necessidade mandando leite em pó, e o básico para a mesa do casal.
Sentia-se nessa obrigação, pois, embora não tivessem culpa da crise brasileira, foram eles que o fizeram sair de Caratinga para tentar a sorte.
Próximo de viajarem pediu ao sogro que se desfizesse do que tinha em sua casa. O que não era muita coisa.
Agora quem não estava contente era Marisa, pois novamente teria de deixar os pais, mas prometera que seguiria Renato onde quer que ele fosse.
No final do mês, viajavam para Uberaba, chegando por volta de 10h00.
Marisa levava Vinícius no colo, e ia agarrada à mão de Eduardo, enquanto Renato carregava duas pesadas malas.
Com o endereço na mão, entraram em um ônibus com destino ao bairro Amoroso Costa.
Uberaba é um município que fica na região do Triangulo Mineiro.
Segundo alguns autores, o topônimo “Uberaba”, nome de um rio do município, origina-se do termo tupi “Y-bA povoação fundada em 1809, pelo sargento-mor comandante da Companhia de Ordenanças do Distrito do Julgado do Desemboque da Capitania de Goiás, Antonio Eustáquio da Silva e Oliveira. O Julgado do Desemboque correspondia ao atual Triangulo Mineiro menos a região de Araxá que foi elevada a julgado em 1811, desmembrada do Julgado do Desemboque.
A primeira casa de Uberaba, construída pelo sargento-mor Antonio Eustáquio, localizava-se na atual esquina da Praça Rui Barbosa com a Rua Artur Machado, do lado esquerdo de quem desce a rua Artur Machado.
Uberaba surgiu pela migração de geralistas, como eram chamados os habitantes da Minas Gerais na época do Brasil Colônia, os quais deixaram as já esgotadas regiões produtoras de ouro, porém fracas para a agricultura, da Capitania de Minas e de Goiás (Desemboque), em busca de terras férteis para se estabelecerem como agricultores e pecuaristas.
Em 22 de fevereiro 1836, pela lei número 28, Uberaba foi elevada à categoria de município, a Vila de Uberaba, desmembrando-se de Araxá.
Em 7 de janeiro de 1837, é instalada a Câmara Municipal, tomando posse os primeiros vereadores, tendo o capitão Domingos como seu primeiro presidente. Esta lei número 28 também extinguiu o julgado do Desemboque e o anexou ao município de Araxá.
Dentre alguns dos uberabenses ilustres está Roberto Carlos (jogador) e Chico Xavier.
Por coincidência, ao chegarem defronte ao endereço, um caminhão estava descarregando a mudança de seu Carlos.
Seus pais ao mesmo tempo em que ficavam felizes, sentiram-se surpresos.
Não os estavam esperando por aqueles dias.
-Quase que vocês dão com a cara na porta, brincou seu Carlos.
Enquanto os móveis eram descarregados, dona Gisa, e Marisa se apressaram em levar as crianças para dentro, pois elas já estavam chorando de fome, e cansadas.
A casa era grande e pertencia ao IBC. Com 3 quartos, sala e cozinha, tinha um enorme quintal com diversas árvores frutíferas, como amoreira, cajueiro, laranjeira e outras.
A casa idêntica ao lado, era ocupada pelo encarregado do armazém, senhor Humberto, e o escritório e o armazém ficavam ao lado.
Seu Carlos e Renato aproveitaram para ir falar com o encarregado, conhecendo sua esposa e filhos.
Haviam trazido um berço que pertencia a Eduardo e que Renato havia deixado em Caratinga. Agora serviria para Vinícius.
Renato e Marisa dividiriam um colchão de solteiro, e Eduardo ficaria com um outro colchão.
-Depois compramos colchões e camas para todos, disse seu Carlos.
Ficaram pouco tempo na casa dos pais, pois queriam ter seu próprio canto.
Como Renato não conseguia emprego, Marisa fazia biscoitos recheados e ele vendia de porta em porta.
Com isso conseguiram alugar uma casinha, em um conjunto residencial, e alguns meses depois recebiam uma proposta de Humberto, encarregado do IBC, que precisava de alguém para tomar conta de sua casa que ficava em um bairro na área industrial de Uberaba, quase na saída da cidade.
Não pagariam aluguel e ele só queria mesmo era que tomassem conta da casa, para evitar que vândalos a destruíssem.
Poucos dias depois de já estarem instalados na nova casa, Renato conseguia um emprego como auxiliar de almoxarife em uma fábrica de curtume.
Agora tinha uma casa, um emprego e uma família numa cidade linda e gostosa de se morar.
Mais uma reviravolta
Para Marisa, porém, as coisas não estavam nada bem. Começava a sentir o peso de ter de cuidar de uma casa, marido e dois filhos. Somando isso e mais a vontade que tinha de trabalhar, e a saudade dos pais, começou a entrar em depressão.
Discutia com Renato por qualquer motivo, e várias vezes teve de recorrer à psicólogos, por entender que o problema estava nela.
Quando fazia isso, sentia-se mais leve, mais calma, e por uns dias permanecia assim, até que nova crise surgisse.
Aí ela ficava pior ainda do que antes.
A situação estava tão crítica que por diversas vezes cogitou-se em nova separação.
Renato já estava entrando em desespero, e faltava pouco para que entrasse também em depressão.
Precisa manter o casamento e ajudá-la, mas o que fazer.
Teve uma ideia que o abalou só de pensar.
O Evangelizador do reverendo Moon – II Parte
“E se nós voltássemos para a Igreja” pensou.
Sabia que mesmo com a separação carnal, (um dos dogmas da igreja), o que se primava eram os valores da família.
Na época em que lá esteve não conseguia entender justamente esse dogma, mas mesmo longe dela, sempre se pegava pensando naqueles ensinamentos.
“A separação é por tempo determinado, para que se possa fazer o caminho inverso de Adão e Eva”.
Sempre ouvira isso nos sermões e cerimônias embora não atinasse ou não aceitasse aquilo.
Levou aquela ideia para Marisa, que naqueles dias estava mais calma depois de uma sessão com sua psicóloga.
-Você acha que vai dar certo? Perguntou-lhe.
-Se vai dar certo eu não sei, mas precisamos de ajuda, e não temos a quem recorrer. Podemos tentar. Se não der certo, saímos novamente.
Hostilidades e depredações
A perseguição à Igreja de Unificação, e a tudo que se relacionasse ao reverendo Moon, começou aqui no Brasil, precisamente no dia 2 de agosto de 1981 no primeiro de uma série de programas de televisão apresentados no Fantástico da TV Globo, sendo o programa conduzido de maneira a incriminar a igreja.
Imediatamente os membros começaram a receber telefonemas de pessoas que ameaçavam destruir as sedes da igreja em todo o Brasil.
Em 9 de agosto novamente o Fantástico apresentava um programa sobre a igreja, de forma hostil e com estórias de efeito dramático, causando profundo impacto emocional sobre a população brasileira.
No dia seguinte ao programa, começaram as violências contra os centros da igreja.
Em Belém do Pará jovens estudantes apedrejam o prédio da igreja, situada na Av. Braz de Aguiar, deixando o pastor e seus auxiliares, trancados por várias horas. Mais tarde os policiais chegaram e prenderam o pastor, deixando os agressores livres.
Em João Pessoa foi registrada violência também na Igreja da Rua Camilo de Holanda.
Em São Luiz, Maranhão, o chefe do DOPS fechou a igreja e proibiu os membros de voltarem ao centro, o mesmo ocorrendo em Recife.
Em Macapá, Amapá, o líder da igreja foi preso e ficou detido durante 21 dias, acusado de vadiagem.
Muitos artigos hostis começaram a ser publicados em todos os principais jornais do País como o Globo, Jornal do Brasil, O Dia, bem como em programas de rádio.
Em 16 de agosto foi ao ar o terceiro programa no Fantástico, extremamente agressivo à igreja, e depois disso a violência aumentou.
Os alvos agora eram as igrejas da Capital de São Paulo, Boa Vista, Brasília, Vitória, Cuiabá, Florianópolis, Curitiba, e todas as cidades que tivessem um núcleo da Igreja de Unificação, inclusive Uberaba.
Foi em meio a todos esses problemas e perseguições que Renato e Marisa resolveram voltar e tentar salvar seu casamento.
As críticas à igreja que começaram em 1981 ainda repercutiam no país e a igreja de Uberaba com certeza não havia ficado impune.
Procuraram no jornal local e lá encontraram o artigo: “Líder da seita Moon foge da cidade depois de ter sido acusado de lavagem cerebral, vítima das perseguições de munícipes e líderes religiosos”.
Para Renato e Marisa, havia um exagero naquela matéria primeiro porque quem quer que fosse o missionário, este não era o líder da igreja, segundo que por mais crítica que fosse a situação, ele jamais fugiria, a não ser no caso de uma chamada da Sede Central (o que realmente aconteceu não só com ele, mas com todos os missionários e pastores no Brasil inteiro, como iriam descobrir mais tarde).
O missionário que lá estivera era já um velho conhecido deles, quando passaram pela primeira vez pela igreja.
Como ele já não se encontrava mais na cidade, Renato resolveu ligar para a sogra em Osasco, para que ele se informasse na Sede Central, se havia alguém responsável em outra cidade próxima.
Dias depois ela retornava a ligação dizendo que havia um missionário na cidade de Uberlândia, cidade distante 100 quilômetros de Uberaba, passando o número de seu telefone.
Um missionário de Uberlândia
Renato ligou para ele, falando de sua vontade de retornar à igreja.
Márcio (nome do missionário) ficou feliz com a notícia, dizendo que em todo o Triângulo Mineiro, somente ele e Paulo, (um membro interno), faziam parte da igreja, prometendo visitá-los.
Marcaram um encontro na casa de Renato e dias depois lá estava ele.
Trazia livros, e quadros em sua bagagem. Os livros eram para o casal e os quadros ele vinha vender na cidade.
Conversaram e Marcio informou que para retornarem à igreja era necessário que fizessem um novo seminário de sete dias porque muita coisa havia mudado desde que eles lá estiveram.
Seminário de sete dias em São Paulo
Falando com dona Marina em Osasco, combinaram de no dia em que houvesse o seminário eles iriam para lá com as crianças e as deixariam com ela.
Assim, dias depois viajavam e deixavam os meninos com dona Marina.
Seu Jaime mesmo contente por ter os netos em casa novamente, chamou a atenção de Renato.
-Vocês já vão se enfiar novamente naquela igreja? Eu não acredito.
Renato quis explicar o real motivo daquela decisão, mas calou-se. O sogro não ia entender.
No dia seguinte bem cedo, lá estavam eles, na porta da igreja.
Passaram-se os sete dias e eles voltavam para Uberaba.
A Igreja no Lar e o primeiro contato com as famílias
Conversaram com Marcio e expuseram tudo o que haviam aprendido, falando sobre um trabalho de Igreja no Lar, ou Lar Igreja que consistia em trabalhar as pessoas da comunidade, ouvindo seus problemas e tentando dar as soluções dentro do que ensinava a igreja.
Para isso, teriam que estar sempre nas casas dessas pessoas e o melhor modo era passar em suas portas diariamente.
Mas como fazer isso, sem ter um motivo concreto.
Marcio deu a ideia de que eles vendessem ovos nas casas.
-São fáceis de serem vendidos, e vocês estarão constantemente passando nas mesmas casas.
Da teoria à prática foi questão de apenas acertarem os detalhes.
Com um mapa da cidade, optaram por escolher um bairro.
Depois, foram comprar caixas de ovos, em uma granja próxima, onde os conseguiam por preço mais barato.
A ideia não era o lucro, e sim o contato com as famílias, por isso comprando mais barato, podiam também vender mais barato.
Esse trabalho ficou a cargo de Renato, pois Marisa tinha que cuidar das crianças.
Pediu demissão do curtume, e pôs mãos à obra.
Realmente a venda dos ovos era a maneira mais fácil de ele estar permanentemente em contato com o morador, porque quando ele terminava de fechar as ruas do bairro escolhido, automaticamente tinha de voltar à primeira rua, pois, os ovos com certeza, já tinham sido consumidos naquelas casas.
Assim, ele foi tomando contato com as pessoas, falando de seu trabalho, e o da igreja a qual ele estava representando.
Começou a ter conhecimento dos problemas das famílias e dentro do que aprendera, procurava (como um psicólogo), dar sugestões para um melhor relacionamento familiar.
Para que Marisa também tivesse contato com elas, revezavam os dias, e em pouco tempo ambos já eram conhecidos de todos.
A confiança era tanta que muitos, falavam de coisas íntimas que não revelavam para mais ninguém. (problemas de alcoolismo, traição, enfim, tudo o que aflige as pessoas em seu dia a dia).
Já era hora de falar um pouco mais sobre o que a igreja pregava, convidando-as para participarem de palestras de um dia que eles dariam em casa.
Renato tinha feito de um dos quartos, uma sala de reuniões, com quadro negro, e diversas cadeiras.
Quando teve um número razoável de pessoas, ligou para Márcio para que ele viesse dar a palestra.
Assim, os dias passavam, e mais e mais pessoas se interessavam por ovos, e pelas palestras.
Marisa não dava conta de fazer almoço para tantas pessoas. (elas tinham que ficar o dia todo para completarem todo o ensinamento de um dia, que a conferência exigia). Precisava urgentemente de alguém para ajudá-la e Marcio, já não tinha dias disponíveis em sua agenda para tantas palestras, pois tinha que dividi-las com Uberlândia.
Lá, também, um grande número de interessados, queria conhecer mais profundamente os ensinamentos da igreja e ele só contava com Paulo para ajudá-lo.
Renato precisava aprender com urgência a ser um bom palestrante.
A ida dos sogros para Uberaba
Por obra da mão de Deus, tempos depois, seu Jaime ligava para eles, comunicando à vontade e irem morar em Uberaba e pedia que eles procurassem uma casa urgentemente.
Dona Marina, mais taxativa, explicou o real motivo:
Seu mercado fora assaltado e os ladrões foram reconhecidos por seu filho, Mike, que teria sido ameaçado caso fosse à polícia.
Com o medo rondando eles preferiam ir embora dali o mais rápido possível.
Osasco estava se tornando uma cidade muito violenta, para os padrões da época.
Em pouco tempo, Renato conseguia uma bela e grande casa para eles.
Dona Marina já havia passado a sua parte da sociedade para o irmão que se recusava a largar o mercado, e com parte do dinheiro, seu Jaime foi para Uberaba, onde fechava contrato com a imobiliária, deixando pago um mês de aluguel, retornando em seguida para buscar a família e os móveis.
Dias depois, já estavam na casa. Junto com eles vinha dona Cida, mãe de dona Marina.
Sem perder tempo, Marisa, contou, sobre como estava o trabalho de Igreja no Lar, e falou das dificuldades que estavam passando para dar conta de tantos convidados.
-Eu vou ajudar vocês, quando os convidados vierem. O almoço fica por nossa conta, disse ela.
Renato nunca deixou de visitar seus pais, mas daí a pedir que sua mãe os ajudasse fazendo o almoço para os convidados, seria o cúmulo, mesmo porque, ela nunca participara de nada referente à igreja, e não iria entender, sem contar com seu Carlos que era avesso a qualquer coisa relacionada com qualquer igreja que fosse.
Por isso a vinda da sogra foi uma mão na roda, e assim, se as pessoas não eram fisgadas pelos ensinamentos dados durante a palestra, dona Marina os fisgava pelo estômago, com as comidas deliciosas que fazia.
Cada vez mais as pessoas se interessavam por aquele estranho ensinamento.
Acostumados às pregações de pastores e homilias da igreja católica, que não se aprofundavam tanto nos mistérios da Bíblia a não ser em algum curso bíblico específico, sentiam-se vazias e aquela igreja tinha a coragem de vir a público dizer que a morte de Jesus Cristo não estava nos planos de Deus e que só aconteceu porque João Batista falhou ao não o reconhecer como o verdadeiro Messias, mandando os dois discípulos perguntarem se ele era mesmo o esperado (Mateus 11-2,3).
Eram afirmações que apesar de contundentes, as deixavam mais completas e rapidamente aceitavam fazer o seminário de sete dias para melhor se esclarecerem.
Márcio costumava dizer depois que terminava essa parte àqueles que duvidavam daquela afirmação:
-Porque vocês acham que João Batista teve a pedido de Salomé, sua cabeça entregue em uma bandeja? Quando as pessoas falham em sua missão, Deus vai trabalhar com outras, deixando-as de lado, pois tem pressa em fazer com que seus filhos voltem para Si. Com João Batista foi pior, pois, houve toda aquela preparação no deserto, para que ele finalmente pudesse receber o Messias. Mas ele não acreditou e não aceitou o enviado, por isso seu fim foi trágico.
A casa de Renato já se tornava pequena para acomodar tantas pessoas que vinham fazer o seminário de um dia aos domingos.
O velho e bom Jaime já estava vendo a hora em que dona Marina, usasse sua enorme sala para esse fim.
-Só me falta agora esse pessoal invadir minha privacidade. Resmungou ele no ouvido de Renato.
Apesar de ranzinza, Renato sabia que seu sogro tinha um coração enorme e sempre acabava concordando com as decisões da esposa.
Seus temores foram concretizados e assim em um domingo, ao invés de irem para a casa de Renato, as pessoas foram para sua casa.
Havia umas vinte pessoas para assistir à palestra.
Os primeiros filhos espirituais
A cada dia Renato se convencia de que precisava treinar e treinar muito, como dar uma palestra de um dia, pois precisava liberar Marcio para que ele também pudesse cuidar de sua igreja em Uberlândia.
Revezava com Marisa, no trabalho de Igreja no Lar, e quando ficava em casa, sua missão era treinar.
Tinha como ouvintes seus filhos que obviamente por causa da idade ainda não entendiam nada.
Outra vítima de Renato era dona Cida que colocava seus ouvidos à sua disposição quando ele resolvia ir à casa da sogra, treinar.
Assim em pouco tempo, ele já dominava a primeira parte da palestra que abordava temas como: O Princípio da Criação, a natureza de Deus, seu caráter interno e forma externa, a Energia Primária Universal (EPU), a motivação de Deus para a criação do mundo, o mundo espiritual e o mundo físico, o sofrimento de Deus com a Queda do Homem (desobediência ao mandamento), e principalmente o porquê de Deus sendo onisciente e onipresente, não interferir para que o Homem não caísse em tentação assunto esse que era constantemente colocado em discussão pelos convidados.
A segunda parte muito mais complexa ficava ainda por conta de Marcio que quando estava livre lá em sua cidade, vinha complementá-la.
As coisas mais ou menos se dividiam entre os dois e davam certo.
A sociedade uberabense já comentava que o reverendo Moon estava novamente na cidade e o bispo já havia ido à televisão alertar o povo para que tomasse cuidado.
O Fogo Selvagem
Paralelamente ao trabalho de Igreja no Lar, Renato e Marisa resolveram trabalhar com o Hospital do Pênfigo.
Aqui um resumo da história do Hospital:
Dona Aparecida Conceição Ferreira, conhecida como Dona Cida, se projetou nacionalmente pela fundação do “Hospital do Fogo Selvagem”, especializado no tratamento dos portadores do “Pênfigo Foliáceo” uma doença cujos sintomas se assemelham a labaredas que percorrem o corpo e deixam na pele verdadeiras marcas de queimadura. Dona Cida começou seu trabalho no ano de 1957, quando trabalhava como enfermeira no Isolamento da Santa Casa de Uberaba.
Como o tratamento do Pênfigo era difícil e dispendioso, o hospital acabou por suprimi-lo.
A abnegada servidora de Jesus não titubeou: levou os doentes para a sua própria casa. Pedindo esmolas nas vias públicas e recorrendo aos meios de comunicação, sobretudo com a ajuda dos jornalistas Moacir Jorge e Saulo Gomes, este, através da extinta TV Tupi, e contando com o irrestrito apoio de Chico Xavier, acabou por erguer o grande complexo hospitalar destinado ao tratamento da insidiosa enfermidade. Depois, com a alteração dos estatutos surgiu o “Lar da Caridade”, que em determinado momento chegou a acolher trezentos enfermos e desamparados.
O trabalho de Renato e Marisa consistia em arrecadarem nas casas, saquinhos de leite, que reciclados no hospital, serviam como lençóis e roupas para os doentes.
Quando faziam isso procuravam frisar que era em nome da Igreja de Unificação.
Com isso as críticas do bispo eram balanceadas com os elogios da população que as ignorava comentando que se alguém se preocupava com o bem-estar de doentes, não podia ser tão ruim assim.
No final de 82, Márcio veio de Uberlândia com Paulo para participar do “Dia dos Filhos”.
Durante o dia eles junto com Renato e Marisa, visitaram as famílias que já haviam participado do seminário de sete dias em Belo Horizonte, convidando-as para a Cerimônia de Inclinação na casa de dona Marina.
Aqueles que tinham ouvido somente a palestra de um dia, ainda não podiam participar e para eles Marcio deu um pequeno sermão, falando sobre passagens bíblicas e pedindo que não se impressionassem com as críticas e que se sentissem orgulhosos dos elogios que a Igreja estava recebendo.
À noite a família e os convidados (todos de branco) iniciavam a Cerimônia orando pelo mundo, pelo sucesso da igreja e pela saúde de seu líder reverendo Moon.
Depois Renato iniciou um sermão frisando sobre as críticas.
-Já estamos começando a incomodar aqueles que se dizem os donos da verdade. O ano que se inicia não será nada fácil, assim como não foi fácil a vida dos discípulos e apóstolos de Jesus que mesmo diante de tantas perseguições, persistiram na fé.
A visita surpresa de Reinaldo
Em janeiro de 83, Renato, sua cunhada Marli junto com duas primas dela que conheciam a igreja e vinham de Osasco foram para Uberlândia a convite de Marcio para trabalharem uma semana em prol de sua igreja que havia ficado meio abandonada devido às suas constantes idas à Uberaba e Belo Horizonte, por conta da coordenação dos seminários de sete dias.
Assim naquela semana a concentração era só em função da RM (restauração material).
Sairiam com biscoitos tipo Waffer, batendo de porta em porta em bairros afastados.
Precisavam naquela semana, fazer um bom caixa para ajudar Marcio que por sua vez saía com quadros para o centro da cidade.
Numa manhã em que todos se preparavam para sair, Renato se deparou com seu irmão e a sobrinha Diana batendo no portão.
Surpreso e estranhando aquela visita perguntou:
-Olá Reinaldo, está tudo bem?
-Está tudo certo, estou em férias e vim visitar nossos pais em Uberaba.
Já estou lá há alguns dias, como você não aparecia resolvi ir à sua casa, e Marisa me disse que você estava aqui.
-É verdade, vim com minha cunhada e suas primas.
Marcio interrompeu Renato.
-Por que você não leva seu irmão para conhecer a cidade. Passe o dia com ele, sei que vocês têm muito que conversar.
Enquanto Paulo e as meninas iam para a RM, Renato levava seu irmão e sua sobrinha para conhecer o lindo centro de Uberlândia.
No caminho explicou tudo o que havia acontecido desde que viera morar com os pais em Uberaba, frisando que resolvera voltar para a igreja numa tentativa de salvar o casamento.
-Não consigo te entender. Não foi por causa da igreja que vocês se separaram da primeira vez?
-É um assunto meio complicado para te explicar assim de sopetão.
-Sabe de uma coisa? Vou querer conhecer melhor essa tua igreja. Você pode me ajudar?
-Claro, mas não aqui, primeiro vamos almoçar, quando voltarmos para a igreja eu te explico melhor.
Almoçaram em um restaurante no centro da cidade, e depois Renato os levou para conhecer o Estádio João Havelange. O Parque do Sabiá, palco de amistosos da seleção brasileira.
Reinaldo e Diana ficaram admirados com a suntuosidade daquela construção.
Por volta de 16h00, voltavam para a igreja e Reinaldo cobrou a explicação.
-Bom, é meio extensa a palestra. Está disposto a ficar até mais tarde conosco?
-Sem problema, esqueceu que estou em férias e não tenho compromisso com nada?
Renato chamou Márcio a um canto.
-Você pode fazer isso?
-Não, você vai fazer. Conhece seu irmão melhor que eu e saberá o que dizer e como dizer. Se ele quiser posso dar a parte final em outro dia.
Márcio convidou Reinaldo e Diana para adentrarem à sala de conferência, enquanto Renato em seu quarto, orava para que pudesse se fazer entender.
Depois, Renato iniciou a palestra, munido de giz e um quadro negro que se encontrava na parede.
Na medida em que ia falando, percebia o interesse nos olhos do irmão e da sobrinha.
Quando terminou aquela primeira parte já passava de 21h00.
-É só isso? Perguntou Reinaldo.
-Não, ainda tem a segunda parte que é muito mais complexa e demorada, se você quiser pode voltar outro dia aqui para ouvir.
-Nada disso, fiquei curioso para saber o resto. Eu vou para um hotel com a Diana e amanhã cedo estou de volta.
-Hotel? Para que hotel interrompeu Márcio. Você pode ficar aqui conosco, temos bastante espaço.
Depois de tudo acertado e de o irmão ter se recolhido junto com a filha para um dos quartos, Renato conversou com Márcio.
-Não acha melhor você dar a segunda parte para eles, ainda não sinto firmeza para isso.
-Está bem, amanhã você sai com o pessoal e eu fico aqui com a Marli para me ajudar.
-Certo, mas vá com calma com ele hein?
-Deixa comigo, disse Márcio rindo.
Na manhã seguinte durante o café, Renato comentou que iria com o pessoal trabalhar e Márcio ficaria para dar a palestra.
-Mais tarde a gente se vê, disse ele reunindo a turma.
À tarde voltavam com suas sacolas vazias. Tinham obtido um bom resultado na RM.
Reinaldo e Diana estavam sentados no sofá da sala ainda boquiabertos com o que haviam ouvido.
Teve reação idêntica à de Renato quando ouvira pela primeira vez, que o Senhor do Segundo Advento já se encontrava entre nós.
-E aí, qual foi a reação deles?
-A melhor possível, seu irmão é muito inteligente e não medi palavras com ele.
Fui direto ao ponto. Quer fazer o seminário de sete dias o mais breve possível.
-E quando vai haver outro seminário?
-Tanto em Belo Horizonte quanto São Paulo, somente no início do próximo mês.
Prometi a ele que você o avisaria. Sua sobrinha também está toda empolgada.
-Só espero que ele não desista. Uma coisa é estar de férias e fazer o seminário, outra é ter de pedir licença de sete dias para isso.
-É verdade, vamos rezar para que tudo dê certo e não esqueça o que ouviu aqui.
Renato levou-os à rodoviária.
Torcia para que ele não comentasse nada do que ouvira com o pai pois com certeza ele iria tentar tirar aquilo de sua cabeça.
No final de semana todos retornavam à Uberaba.
Tinham realizado um ótimo trabalho, e a situação da igreja ficara equilibrada.
O trabalho em Uberaba também prosseguia dentro do planejado. Marisa e dona Marina conseguiram manter a Igreja no Lar e a arrecadação de sacos de leite a todo vapor.
Renato resolveu levar Marisa e os filhos para almoçarem com os pais.
Queria ainda rever o irmão antes que ele retornasse ao trabalho, e ao mesmo tempo saber se ele havia comentado alguma coisa com seu Carlos.
De fato, ele havia sim, comentado por alto e seu Carlos longe de criticá-lo começava a ver a igreja com outros olhos.
Renato, porém, não tocou no assunto com o pai, pois sabia que com ele a coisa teria de ser muito mais trabalhada.
Dona Gisa nunca divergia de nada que o marido dissesse desde que isso o deixasse feliz.
Após o almoço, os irmãos saíram. Renato precisava comprar caixas de biscoito e ovos para dar continuidade ao trabalho.
-Uma coisa que me intriga é o fato de vocês terem de trabalhar nas ruas vendendo coisas ao invés de terem um emprego fixo.
-Isso é uma opção. Se você resolve trabalhar integralmente para a igreja, não pode ficar preso a nada, pois a qualquer momento pode ser chamado para uma reunião em qualquer parte do País, ou de uma mudança radical em sua vida. No caso do membro externo ele pode ter seu emprego e sua vida normal, desde que siga o que aprendeu durante o seminário. Eu optei por trabalhar por conta própria porque para os nossos planos de Igreja no Lar, era mais conveniente, apesar de eu e Marisa sermos membros externos da igreja.
-Esse material que eu compro e revendo, ajuda a manter minha casa, minha família e as palestras de um dia que são dadas tanto em minha casa quanto na casa de meus sogros.
-Vocês parecem bem estruturados e cientes do que estão fazendo.
-Vou te confessar uma coisa. Precisamos ser assim eu e Marisa estávamos a ponto de nos separar mais uma vez, e agora veja a alegria no rosto dela. Está se sentindo útil com o que está fazendo e isso me deixa também feliz. O melhor psicólogo na nossa vida é a fé naquilo em que acreditamos.
Voltaram cheios de sacolas e Renato o convidou para ir a sua casa.
-Fica para uma próxima vez. Vou para casa hoje mesmo. As férias estão terminando e ainda quero estar uns dias com Lia.
Na despedida, Reinaldo pediu para que ele não esquecesse de avisá-lo do seminário.
Renato retornara às suas atividades. RM. Igreja no Lar e treinamento de conferência com os filhos e dona Cida.
Uma separação necessária
Um telegrama vindo de Uberlândia, porém, iria mudar radicalmente sua vida e a vida de sua família.
Márcio pedia que todos fossem para Uberlândia, pois, a pastora de Belo Horizonte (Nilza) lá estava e tinha uma proposta a fazer para Renato.
No dia seguinte viajaram e durante o café a pastora sugeriu que eles se tornassem membros internos.
Renato em Uberlândia com Márcio e Marisa e os filhos em Belo Horizonte.
-Essa é uma decisão que não pode ser tomada assim de repente. Temos um trabalho muito grande em Uberaba que não pode ser descartado, disse Renato.
-Quanto a isso já conversei com o Márcio que se comprometeu a ajudá-lo a acompanhar junto com sua sogra, as famílias de Uberaba. Sei que existem pessoas lá que fizeram o seminário de sete dias aptas a caminharem sozinhas no desenvolvimento da Igreja no Lar e na ajuda ao Hospital.
-Bem, mesmo assim, prefiro não tomar essa decisão agora, mas, podemos fazer um teste.
-E o que você sugere? Perguntou a pastora.
-Que Marisa vá para Belo Horizonte por uns tempos e eu venha para cá com meus filhos. Se der certo podemos efetivar isso.
Interiormente, Renato estava protelando uma situação.
Ainda lembrava com tristeza de sua primeira separação e não queria correr riscos.
Marisa que com certeza estava sentindo o mesmo, apenas acatou sua decisão.
-De acordo. Vamos dar um prazo de um mês para que vocês no final se decidam.
De volta a Uberaba, Marisa separou suas roupas e objetos pessoais.
Aproveitou para se despedir de seus pais que não gostaram muito da ideia.
-É só por um mês mãe, depois eu volto para cá.
Renato aproveitou para pedir autorização para levar Marli com ele para Uberlândia.
Ela tomaria conta das crianças.
No dia seguinte, a pastora parava com seu carro em frente à sua casa. Com ela vinha também Paulo. Em seu lugar a pastora mandaria um outro membro interno.
Marisa se despediu dos filhos com lágrimas nos olhos.
O coração de Renato parecia querer explodir de tristeza, pois apesar de todos os problemas que enfrentavam, ele preferia enfrentá-los ao seu lado.
Dias depois era sua vez de partir para Uberlândia.
Lá se entregou de corpo e alma ao trabalho de RM, junto com Roger (o rapaz que havia vindo de Belo Horizonte para substituir Paulo), e mais tarde quando voltavam ele ia para a sala de conferência treinar.
Só quando não aguentava mais é que ia para o quarto dormir. Ficava ainda observando seus filhos dormirem tranquilos e depois desabava na cama.
Não queria ficar com a mente parada para evitar de pensar em Marisa.
A noite saia com Marcio e Roger para dar testemunho nas praças
.
Tinha informações de Belo Horizonte, quase que semanalmente. Marisa estava feliz com sua nova providência, pois agora trabalhava em nível estadual.
Um mês depois ela voltava à Uberlândia e depois de abraçar os filhos todos, inclusive Marli retornavam à Uberaba.
Em casa Renato sentia vontade de tê-la em seus braços, mas não podia e nem devia.
Apesar de serem casados, eles como todos os outros irmãos da igreja casados ou não, deviam fazer o caminho inverso ao de Adão e Eva.
Se foi pelo ato sexual ilícito que eles haviam caído, agora eles também deveriam restaurar para Deus essa condição.
Ou seja, Renato e Marisa não eram mais marido e mulher. Aos olhos de Deus eram agora irmãos até que seu casamento fosse abençoado pelo líder da Igreja (um tanto esquisito aos olhos dos leigos).
Era por isso que a pastora havia se empenhado em que houvesse uma separação física, para que eles não caíssem em tentação e colocassem todo o trabalho realizado até ali, por água abaixo.
Já tinham muitos filhos espirituais e precisavam servir de exemplo para eles.
De comum acordo já tinham uma resposta para dar à pastora.
A ida de Marisa e os filhos para Belo Horizonte
-Entramos nessa luta para salvar nosso casamento e construir um alicerce para nossos filhos, disse Marisa.
-É verdade, passe o tempo que passar estaremos unidos em busca da benção do nosso casamento.
Passaram na casa dos pais de Marisa e lá contaram a decisão que tomaram.
Para dona Marina que entendia o sentimento de ambos era a melhor coisa a ser feita, mas para seu Jaime aquilo não passava de loucura.
-Mas o que vocês têm na cabeça? Vão se separar de novo?
-Não, não vamos pai, pelo contrário estamos fazendo isso para que nosso casamento volte fortalecido. A mãe vai tentar explicar para o senhor.
Na casa de seus pais a reação também não foi diferente.
-Mas filho, você vai mandar a Marisa e os meninos para Belo Horizonte e vai sozinho para Uberlândia, não estamos entendendo nada. Reclamou seu Carlos.
-Eu sei que é muito complicado para o senhor e a mãe entenderem, mas não se preocupem. Um dia todos, eu, Marisa, nossos filhos e quantos filhos mais vierem estaremos reunidos com vocês, mas para isso eu e ela temos que consertar algo que se quebrou no caminho de nossas vidas.
Na manhã seguinte partiam para Uberlândia. Marli manifestou o desejo de acompanhá-los para ficar junto com Renato, mas por ser menor tinha de ser autorizada legalmente pelos pais.
Naquela mesma noite, Marisa viajava com a pastora e as crianças.
Mais uma vez o coração de Renato estava triste. Agora estava se separando da família, porém sabia que era melhor essa separação provisória do que uma separação definitiva. Coisa que fatalmente iria acontecer se não tivessem optado pelo retorno a igreja.
Ao voltar para a igreja, Marcio sabendo o que lhe ia na mente, colocou a mão em seu ombro dizendo:
-Lembre-se que essa cota de sacrifício reserva algo bem maior e mais bonito em sua vida no futuro.
Renato sabia que ele estava se referindo a benção dos casais.
A benção é o ponto mais alto na vida de um membro da igreja, pois, trata-se da união de duas pessoas centralizada no amor de Deus.
O casal é escolhido pelo próprio reverendo Moon e normalmente ficam se conhecendo ali durante a cerimônia, pois ele os une apenas com seu olho espiritual, e assim o casal vai gerar filhos, família, sociedade, nação e o mundo sob a vontade de Deus.
Com esse pensamento, e sabendo que sua cara-metade seria a própria esposa porque no caso de casais já formados anteriormente, a benção é só uma reafirmação de compromisso com Deus, Renato partiu para o trabalho com mais vontade e resignação.
Seus sogros haviam consentido em que Marli fosse para Uberlândia, e nos dias em que ele se encontrava triste e cabisbaixo ela na sua pouca idade sempre tinha uma palavra de conforto para ele.
Márcio mais voltado para a Bíblia, também o ajudava lembrando-o que na época de Jesus, seus seguidores largaram seus entes queridos e sentiram saudade e isso não era um privilégio só seu.
Com o passar do tempo ia se acostumando. Já estava craque na palestra de um dia e se tornara o braço direito de Marcio. Recebia notícias de BH e seus filhos mesmo sem entender nada, lhe desejavam boa sorte.
Algum tempo depois, voltava a Uberaba para devolver as chaves para seu Humberto e levar sua mudança para Uberlândia.
Abraçou seus pais com força. Sentia que algo iria distanciá-los ainda mais.
Foi para a casa dos sogros, pois, havia sido comunicado que três pessoas queriam ouvir uma palestra.
Imediatamente ligou para Marcio, comunicando que iria ficar mais um dia.
No dia seguinte enquanto dona Marina arrumava a sala de conferências, Renato fazia a sua oração pedindo a Deus para que pudesse fazer-se entender, já que era a primeira vez que daria uma palestra completa onde a parte mais crítica era hora da revelação através de um paralelo histórico de que o Messias já havia chegado.
As reações eram as mais diversas e aí é que entrava o jogo de cintura do palestrante, para convencer o ouvinte da necessidade de um seminário um pouco mais longo, para obter mais informações.
Uma coisa era dar palestra como forma de treinamento para os filhos e parentes, outra era enfrentar pessoas desconhecidas.
Estava nervoso, mas não poderia deixar transparecer, por isso, quando entrou na sala a primeira coisa que fez foi uma dinâmica de grupo, onde todos deveriam se apresentar e contar por que estavam ali.
Renato para quebrar o gelo, foi o primeiro a se apresentar, dizendo que estava ali para tentar passar um pouco do que aprendera na Igreja de Unificação.
Com isso os convidados foram se soltando, e o nervosismo de Renato ia embora.
No final, atônitos como não poderia deixar de ser os três se comprometeram a fazer o seminário de sete dias, assim que tivesse uma data.
Dormiu na casa dos sogros e na manhã seguinte foi com o caminhão buscar sua mudança.
Enquanto os carregadores colocavam móveis e caixas no caminhão uma ponta de tristeza apertava seu coração.
Os cômodos que antes eram cheios da alegria das crianças agora estavam frios e silenciosos. A sala de conferências que ajudara o casal a trazer para a igreja muitos filhos espirituais agora estava vazia.
Tudo que ali se encontrava: quadro negro, cadeiras, púlpito e caixas de giz, tinha ido para a casa dos sogros.
Uma última olhada para traz e partiu junto com o caminhão, chegando algumas horas depois a Uberlândia.
O Rock dos anos 80
Os anos 80 começavam com uma nova perspectiva para o rock.
Embora o fenômeno discoteca ainda teimasse em continuar, já estava com seus dias contados.
Joy Division, Pretenders, Police, Cure, U2, Echo and The Bunnimen, os pop-stars Madonna e Michael Jackson, Sig Sig Sputinik, The Smits e tantos outros mostravam o rock, hardcore, e new wave.
No Brasil surgiam bandas com nomes esquisitos como Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Gang 90 & As Absurdetes, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Legião Urbana, Titãs do Ie, Ie (isso mesmo Ie, Ie), Biquíni Cavadão, Magazine, a Blitz de Evandro Mesquita que trazia duas garotas com voz esganiçada, que mais falavam que cantavam, pedindo chopp e porções de batatas fritas.
Eram bandas que viam naqueles novos tempos, um filão enorme no cenário musical.
Em Uberlândia, mas, precisamente dentro da igreja, as coisas transcorriam normais, porém, um telegrama mais uma vez faria com que sua vida, desse uma guinada.
O Projeto I.O.W.C.
A Sede Central da Igreja em São Paulo, estava adotando um projeto que já existia nos Estados Unidos, chamado I.O.W.C. (International One World Cruzade), Cruzada Internacional para a Unificação do Mundo, e selecionava membros internos, de todos os lugares do País para iniciar um trabalho de evangelização.
O critério para a escolha era que o membro da igreja, fosse maior de idade, tivesse tempo de igreja e experiência para lidar com as pessoas.
Idade e experiência Renato tinha. Só não tinha tempo de Igreja, mas como em Uberlândia, Marli (menor de idade) e Roger (sem experiência), não preenchiam os requisitos, e Marcio, por ser o missionário da cidade, não contava, o indicado acabou sendo mesmo Renato.
Na igreja tudo acontece muito rapidamente e quanto mais ele se adiantasse melhor seria, pois, o local de encontro de vários membros seria no Rio de Janeiro.
Naquela semana foi à Uberaba visitar os pais e os sogros, para contar sobre sua nova providência.
O Bispo voltara a criticar a igreja, e o pior: mencionava Silvia, filha de Mauricio, um dos filhos espirituais de Renato e Marisa, que fora frequentadora da igreja católica e fizera parte de algumas pastorais e agora se dedicava de corpo e alma à Igreja de Unificação. Renato pediu que dona Marina convocasse todos, pois além de contar as novidades, queria dar uma palavra de carinho a eles que estavam se sentindo perseguidos.
No dia seguinte, com sua casa totalmente tomada, dona Marina, preparava novamente a sala para a reunião.
Renato voltava a frisar sobre os donos da verdade falando sobre “As críticas através da história”, dizendo que todos os grandes líderes: Noé, Abraão, Moisés (após ter tirado o povo do Egito), Jesus (por pedir que largassem pai e mãe para segui-lo, foram criticados).
-Se a Igreja de Unificação está sendo perseguida e criticada significa que a verdade está incomodando, disse. Se há persistência de nossa parte em querer mostrar a realidade da história, há também a resistência por parte daqueles que estão acostumados com a sua única versão e não abrem mão do que acreditam por acharem que têm a verdade absoluta. Isto é perfeitamente normal e não há motivo para pânico.
Depois do sermão despediu-se de todos e pediu que dona Marina sempre estivesse em contato com Marcio para que o trabalho em Uberaba não esmorecesse.
Um chuveiro pelo amor de Deus
Era o dia 15 de fevereiro de 1983. Renato partia da rodoviária de Uberlândia de terno e gravata, numa temperatura gostosa de 22°C. No ônibus ia imaginando qual seria sua missão naquele novo processo de sua vida. Para que Estado do Brasil o mandariam, e outros pensamentos, até que o sono o dominasse.
Acordou com uma sensação esquisita. Percebeu que estava com o rosto molhado e sentindo-se sufocado.
Só então se deu conta que já estava próximo da rodoviária do Rio de Janeiro.
A sensação era o calor insuportável que estava sentindo. O relógio marcava 11h00, e a temperatura à sombra da rodoviária era de 40°C.
Já não pensava mais em sua missão ou para onde iriam mandá-lo.
Livrou-se do paletó, a gravata, e sua vontade era a de tirar camisa, calça e se atirar no primeiro chuveiro que encontrasse pela frente.
Como não podia fazer isso ligou para a igreja e pediu que alguém pelo amor de Deus viesse buscá-lo com urgência.
Ao chegar suando em bicas, depois de cumprimentar a todos, pediu licença e correu para um chuveiro.
Depois do almoço, já mais refrescado (se é que dá para o sujeito ficar refrescado numa temperatura daquelas que já devia estar beirando os 42 graus), Renato saiu com alguns dos irmãos que vieram também de outros lugares.
Junto com um irmão da igreja como guia, foram para o centro da cidade fazer algumas compras (roupas e sapatos).
Às 23h00 aí sim com a temperatura mais amena, chegava o ônibus que os levaria à São Paulo. Era um dos três comprados para serem usados pelo I.O.W.C.
Pouco mais tarde, partiam com os outros irmãos rumo a uma aventura ainda desconhecida.
Chegaram em frente à Sede Central onde os outros dois ônibus já lá estavam, com membros de outras partes do Brasil.
Logo alguém batizou aqueles ônibus enormes de “Jumbão”.
O presidente da Igreja no Brasil deu as boas-vindas a todos e explicou que os ônibus seriam dentro em breve seu novo lar durante todo o trabalho de evangelização.
O Sítio de Riacho Grande - C.T.I. Centro de Treinamento Intensivo
Após a oração todos embarcavam para São Bernardo do Campo, mais precisamente Riacho Grande onde a igreja tinha um sítio.
Logo na entrada, um lago com peixes, cisnes e patos. Mais adiante vários prédios onde eram realizados seminários, alojamentos e um galpão enorme que servia de refeitório. Ao lado uma piscina semiolímpica e ao redor de tudo isso muito verde, cheio de pássaros.
Era um lugar digno de uma pintura à óleo.
O complexo fora batizado de C.T.I. (Centro de Treinamento Intensivo).
Ainda estava na planta a construção de um outro prédio mais amplo que serviria para reuniões com Chefes de Estado e seminários para professores universitários. A intenção era a de mostrar aos líderes maiores, o trabalho desenvolvido pela igreja, mesclando política e religião.
Em uma nova reunião o presidente falou da necessidade da participação dos escolhidos em um seminário de 40 dias, condição básica para a participação no projeto.
Na manhã seguinte o primeiro contato não foi com livros ou cadernos, e sim com o trabalho pesado. Teriam que demolir um resto de construção velha para ali construírem um prédio onde funcionariam os escritórios, e uma recepção.
Renato pediu para que um dos membros residentes do sítio que estava de saída para a RM enviasse um telegrama para seu filho Vinícius que estava completando naquele dia 17 de fevereiro, dois anos de idade.
Os trabalhos até que se completassem os quarenta dias eram intercalados com palestras, debates, trabalho pesado e saídas para RM e RE.
As saídas para a restauração material se davam ali por cidades próximas: São Bernardo, Ribeirão Pires, Mauá, Santo André e São Caetano.
Quando se afastavam mais iam para Poá, Brás Cubas, Suzano, Álvaro Alvim e Ouro Fino.
O motivo de não fazerem viagens mais longas, estava no fato de que precisavam voltar todas as tardes para o sítio afim de fazerem resumos das palestras ouvidas.
O líder espiritual da igreja reverendo Kim dizia que para um projeto daquele porte todos os envolvidos deviam ter uma grande força para as adversidades que certamente iriam encontrar.
Nem tudo seria um mar de rosas como iriam descobrir.
As saídas para a RM tinham como principal razão juntar dinheiro para que cada grupo pudesse manter-se na sua caminhada além de aprenderem melhor como lidar com o público, pois era dessa maneira que viveriam a partir dali.
Evangelização pelos quatro cantos do País
No final do seminário todos se reuniram novamente com o presidente na Sede Central, onde depois de um sermão e palavras de fé e perseverança, os três ônibus partiam rumo ao Norte, Sul e Nordeste.
O grupo de Renato com 33 pessoas entre homens e mulheres liderados por Jair, e Mercedes, tomava a direção do Norte e Centro Oeste.
Jair estava denominado como diretor de seu projeto e era responsável pelos homens do grupo, já a diretora Mercedes se encarregaria das mulheres.
Era o dia 7 de abril de 1983 e o primeiro destino: Brasília.
No caminho passaram por Uberlândia e foram a igreja de Marcio onde tomaram café.
Renato aproveitou para conversar com Marli que segundo Marcio desde sua ida para São Paulo estava se sentindo triste, pois apesar de saber que estava ajudando Marcio em sua igreja, a sua primeira intenção na verdade foi a de vir ajudar Renato.
Agora além de seus sobrinhos e irmã terem ido para Belo Horizonte, era ele que estava indo para outra missão.
Renato procurou mostrar a ela que seu crescimento espiritual estava justamente em enfrentar aquela situação, e voltar para Uberaba como ela já havia cogitado não a levaria a nada, a não ser o fato de estar com os familiares.
-Procure ser forte e ajudar o Marcio, logo você terá uma missão maior em sua vida, pediu Renato, ore bastante por nosso grupo, pois, não sabemos o que vamos enfrentar nessa nossa caminhada.
Após o café o grupo partiu e apesar de alguns problemas na estrada entre pneu furado, e blitz policial, finalmente chegavam à igreja de Brasília.
Brasília - A terra dos Candangos
O pastor Armando já os aguardava.
A casa, na verdade uma mansão, ficava no Lago Sul (aliás, ali só tem casas desse tipo), era composta de muitos cômodos amplos, e diversas salas. Numa delas com cadeiras, e quadro negro, eram dados os seminários de um e sete dias.
Inaugurada em 21 de abril de 1960, pelo então presidente Juscelino Kubitschec de Oliveira, Brasília é a terceira capital do Brasil, após Salvador e Rio de Janeiro. A transferência dos principais órgãos da administração federal para a nova capital foi progressiva, com a mudança das sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário federais.
O plano urbanístico da capital conhecido como “Plano Piloto”, foi elaborado pelo urbanista Lúcio Costa que aproveitando o relevo da região, o adequou ao projeto do lago Paranoá, concebido em 1893 pela Missão Cruls. O lago armazena 600 milhões de metros cúbicos de água.
A maioria das construções foram projetadas pelo renomado arquiteto Oscar Niemeyer.
Brasiliense é o nome que se dá a quem nasce em Brasília enquanto que Candango, que geralmente é utilizado para designar os brasilienses, foi originalmente usado para se referir aos trabalhadores que imigravam à futura capital para a sua construção.
O traçado de ruas de Brasília obedece ao Plano Piloto implantado a partir de um anteprojeto do arquiteto Lúcio Costa, escolhido através de concurso público nacional.
Planejada para ter uma população de 600 mil habitantes no ano 2000, a população já atingia os 2,6 milhões em 2009.
Está localizada a 15° 50’ 16’’ sul, 47° 42’ 48’’ oeste a uma altura de 1.000 a 1.200 metros acima do nível do mar no chamado Planalto Central.
Sua fauna é predominante típica dos domínios do cerrado com gimnospermas como pinheiros e, também, diversos tipos de árvores provenientes de outros biomas brasileiros.
É uma região que possui uma grande variedade de vegetação, reunido 150 espécies: pindaíba, paineira, ipê-roxo, ipê-amarelo, pau brasil e buriti.
O rio Paranoá foi represado para que se construísse um lago artificial. O Lago Paranoá que tem 40 quilómetros quadrados de extensão, 48 metros de profundidade máxima e cerca de 80 quilómetros de perímetro.
No censo de 1960 havia quase 140.000 habitantes, em 1970 era de 537.000, em 2000 esse número superou a marca dos 2 milhões de pessoas.
Seus pontos turísticos são:
Torre da TV, Congresso Nacional, Palácio da Alvorada, Palácio do Planalto, Praça dos Três Poderes, Catedral, o Catetinho, Memorial JK, Panteão da Pátria, Teatro Nacional Cláudio Santoro, Santuário Dom Bosco, o Museu Vivo da Memória Candanga, e a recém-construída ponte Juscelino Kubitschek, premiada internacionalmente pela beleza de sua arquitetura, já no ano de sua inauguração.
Esses pontos turísticos recebem anualmente um milhão de visitantes.
A cidade conta ainda com várias áreas verdes como o Parque da Cidade Sarah Kubitschek, o Parque Nacional de Brasília e o Jardim Botânico.
Existem também as cidades satélites: Planaltina a mais antiga (1859), Braslândia (1933), Taguatinga (1958), Cruzeiro (1959), Sobradinho e Gama (1960), Guará 1968, Ceilândia (1971) e outras, além de cidades criadas mais recentemente como: Samambaia (1989), Paranoá (1989), Recanto das Emas, Santa Maria, e São Sebastião (1993). Lago Sul e Lago Norte (1994).
Cidade-satélite é uma designação usada para se referir a centros urbanos surgidos no subúrbio de grandes cidades.
É um termo proibido no Brasil, pelo decreto n° 19.040/98.
A região administrativa (RA) de Brasília nunca recebe essa designação assim como o Lago Sul e Lago Norte raramente são chamados assim embora sejam.
Após as boas vindas, o pastor entrou no ônibus e foi mostrar alguns dos pontos turísticos que Renato só havia visto em noticiários de TV.
As cidades satélites, tiveram prioridade pela equipe, para o trabalho de evangelização e, também, de restauração material porque eram lugares onde existia maior facilidade para se comunicar de porta em porta. Diferente do centro onde só haviam prédios, quadras e o terrível interfone.
Nessas cidades era jogada a semente, convidando as pessoas para conhecerem a igreja e sua proposta.
Como não poderia deixar de ser em pouco tempo, aqueles que não abriam mão de seus conceitos religiosos, já começavam a sentir-se importunados.
A primeira filha espiritual dentro do I.O.W.C.
Renato e mais alguns irmãos escolheram Taguatinga, para realizar seu trabalho, enquanto outros iam para diferentes lugares.
Numa dessas visitas as casas, conheceu Lílian, que se interessou pelo assunto e convidou-o a entrar em sua casa.
Morava sozinha, pois seus pais estavam em outra cidade e ela havia mudado para Taguatinga por causa de uma oferta de trabalho.
Curiosa, quis saber por que Deus não impediu que o homem pecasse.
Renato tentou explicar sobre o livre arbítrio dado por Deus, para que o homem não se tornasse um ser sem vontade própria, uma marionete controlada por cordas frisando também, que vários seguimentos religiosos têm sua própria interpretação do livre-arbítrio e que isso também faz parte do livre-arbítrio, ou seja, liberdade de escolher o que pensar.
Lílian mostrou-se uma garota muito inteligente. Convidando-o para almoçar, decidiu que queria conhecer mais a fundo o trabalho da igreja.
Renato sentia ali, o nascimento de uma filha espiritual, a primeira no Projeto I.O.W.C.
Pedia a Deus que olhasse por ela para que tivesse oportunidade de adquirir um melhor conhecimento.
De fato, no sábado Lílian ligou para a igreja, deixando um recado para ele, para que fosse buscá-la no domingo pela manhã.
No domingo, após buscá-la Renato pediu para não sair. Queria dar toda a atenção a ela, e os outros convidados.
O pastor pediu então que ele ficasse na coordenação do seminário.
Ao final, Lílian assim como os outros, estavam decididos a participar do seminário de sete dias.
Renato continuou saindo para outras locais de Taguatinga, porém procurava sempre dar maior atenção à Lílian.
Não podia permitir que nada mudasse o pensamento dela, pois sabia que sempre haveria alguma coisa, um obstáculo que pudesse impedi-la de ir.
Era preferível ter uma convidada certa do que várias outras ainda em dúvida.
Duas semanas depois era iniciado o seminário de sete dias.
Invasão na Igreja
Lílian havia pedido licença de uma semana em seu trabalho, aproveitando que tinha férias para tirar.
No terceiro dia do seminário, policiais armados acompanhados de repórteres da TV invadiram a igreja provocando grande confusão entre os participantes.
Os policiais acusavam a igreja de uso de drogas, prática de lavagem cerebral e aliciamento de menores.
Naquele dia Renato estava ajudando na coordenação do seminário, responsável pelos cantos iniciais e foi o primeiro a ser abordado por um dos repórteres que o indagou sobre onde estava o líder da igreja.
-Olhe meu amigo, você vai ter que pegar um avião para os Estados Unidos ou Coréia do Sul, com certeza em um desses países irá encontrá-lo, respondeu Renato.
-Você é muito engraçadinho, retrucou o repórter furioso. Tenho certeza que seu líder está aqui.
Junto com os policiais e outros repórteres, invadiu um quarto que era reservado para o reverendo Kim, quando ele vinha à Brasília para uma conferência ou reunião.
Perguntado do por que de tanto luxo, naquele quarto enorme especificamente, o pastor Armando respondeu que aquilo ainda era pouco diante da importância que representava o líder da igreja no Brasil.
Foi o bastante para o repórter dizer diante das câmeras, que enquanto os membros se sacrificavam debaixo de chuva e sol, vendendo produtos de porta em porta, um homem considerado o líder, vivia na maior mordomia.
Explicar para aquele infeliz, que o quarto era usado raramente pelo reverendo Kim era perda de tempo.
Renato tomou a palavra:
-Vocês sabem onde está o nosso aparelho de lavagem cerebral? Ali, olhem, disse apontando para a televisão da sala.
Ela sim faz lavagem cerebral nas pessoas ditando modas, ritmos, bordões e jargões.
Era obvio que suas palavras não iriam ao ar.
Os policiais acabaram levando alguns menores, filhos das pessoas que estavam fazendo o seminário de sete dias, e não tinham com quem deixá-los, além dos filhos de membros externos que estavam fazendo uma visita à igreja.
O pastor dirigiu-se a sala onde estava sendo realizado o seminário, e procurou explicar o que havia ocorrido para que as pessoas se acalmassem.
-Esse acontecimento se deve ao fato de que eu havia dado uma entrevista à emissora concorrente uns dias antes. Essa emissora embora não nos apoie em nossos métodos de evangelização, também não nos crítica e dá espaço para que nos expliquemos junto à sociedade.
Para nós é uma forma de mostrar quem somos, e o que pregamos, e para eles, liderança na audiência, pois o assunto reverendo Moon é um prato cheio para se dar Ibope.
A concorrente vendo que está perdendo espaço, em desespero usa métodos nada convencionais para tentar manter-se acima.
Só que eu não vou deixar isso passar sem uma resposta, pois eles incorreram em vários erros. Primeiro que ninguém pode invadir um local, armado. Segundo: eles levaram os menores causando pânico entre todos. Terceiro: expuseram nossa imagem como se fôssemos bandidos.
O quarto e mais importante erro, foi que longe de abalar a fé de vocês, isso contribuiu para que vocês permaneçam fortes e firmes, disse ele dirigindo-se aos participantes do seminário.
Finalizando, o pastor afirmou que iria entrar com um processo contra a emissora, exigindo retratação.
-Somos bons, mas não somos bobos.
No dia seguinte o jumbão ia para o centro da cidade levando boa parte do pessoal do projeto para a RM.
Na banca o jornal publicava a matéria da invasão com uma foto de Renato, do pastor Armando e do diretor Jair, seguida de uma manchete e um artigo calunioso.
O pastor resolveu prestar queixa do ocorrido levando um advogado da igreja.
Lavagem cerebral na ponta da língua
Renato junto com mais quatro irmãos, estavam num prédio vendendo os biscoitos, quando foram atendidos por um simpático senhor de idade que os convidou a entrar.
Era um senhor muito falante e o assunto não podia ser outro a não ser a invasão da mansão do reverendo Moon.
Na sala, a televisão mostrava a reportagem completa.
-Não sei como as pessoas se deixam levar por esses fanáticos religiosos. São pessoas de mente fraca que se deixam induzir, só pode ser essa a explicação, disse ele em tom crítico.
Renato nada comentou, sabia que a qualquer momento, sua imagem iria aparecer na tela, claro que sem sua declaração.
O senhor continuava falando.
Em dado momento perguntou:
-Vocês não fazem parte dessa seita, fazem?
-Continue olhando a reportagem e o senhor saberá, respondeu Renato.
Quando seu rosto apareceu todos os irmãos o olharam como que perguntando:
“E agora?”.
-Aí está, fazemos parte sim da Igreja de Unificação, que a mídia maldosa insiste em chamar de seita, com tom pejorativo, porém não usamos drogas e nem praticamos lavagem cerebral, muito menos aliciamos menores.
Ontem, prosseguiu ele, eu havia dito que a lavagem cerebral estava nos aparelhos de TV, com programas que ditam o comportamento a ser seguido pelo povo, mas evidente que isso eles não iriam colocar no ar.
O problema é que o ser humano acusa, julga e condena sem dar ao réu o direito de defesa. É como alguém que vê um inseto na parede, e taca-lhe o chinelo se dando conta depois que o bichinho era inofensivo. “Ah! aquela igreja? Ouvi dizer que eles são do mal e destroem famílias, vamos lá acabar com eles”.
Renato não soube dizer se foi contundente em suas palavras, fato é que o bondoso senhor além de comprar todas as caixas de biscoito que haviam levado, ainda prometeu visitá-los em sua igreja.
Já na rua, todos respiraram aliviados.
-Acho que a lavagem cerebral estava na ponta de sua língua, disse um dos irmãos rindo.
Mostrando a cara na UnB
Tempos depois, o grupo resolveu fazer uma experiência inédita e de risco.
Queriam divulgar os trabalhos da igreja na UnB, Universidade de Brasília.
Para isso pediram o consentimento do pastor e do diretor Jair, sugerindo que um deles entrasse em contato com o reitor da universidade, para que este autorizasse que eles expusessem material de divulgação.
Com a anuência do reitor Renato e mais alguns irmãos junto com Lílian que resolvera participar da experiência foram para a universidade, munidos de folders, panfletos o jornal da igreja “Tribuna Universitária” e a revista “Mundo Unificado”.
Lá espalharam todo o material pelos diversos estandes localizados no pátio.
Aquilo foi válido na medida em que ninguém, alunos e visitantes, partiram para o vandalismo.
Os que não concordavam com os métodos da igreja simplesmente olhavam o material com desdém, mas, os mantinham intactos no lugar.
Uma semana depois, prazo determinado pelo reitor, o grupo foi retirar o material.
Se aquilo iria surtir efeito entre os universitários, só Deus poderia dizer. Pelo menos eles já sabiam que a igreja existia e tinha argumentos fortes no que se referia ao comunismo através do jornal Tribuna Universitária que abordava esses assuntos e também o teor religioso publicado na revista Mundo Unificado.
As coisas pareciam estar calmas e controladas, embora ainda repercutisse a matéria no jornal e na TV.
Alguns munícipes ainda acreditavam que a polícia havia destruído toda a mansão do Lago Sul, pertencente ao reverendo Moon.
Era o dia 7 de maio de 83 e Renato comprou cartões alusivos ao dia das Mães, escrevendo no verso, frases bíblicas em nome da Igreja de Unificação e em seguida distribuindo-os pelos prédios da W3.
Mais tarde, junto com três irmãos, voltaram para o estacionamento onde se encontrava o jumbão.
O pastor Armando e o diretor Jair lá estavam e comunicaram que vários irmãos haviam sido presos assim que entravam no ônibus.
Pediu que um dos irmãos ficasse para tomar conta do ônibus enquanto que ele, o diretor e Renato se dirigiam à delegacia.
Lá chegando o delegado já havia liberado o restante do grupo ficando apenas Tiago (motorista) e Maurício que revezava com ele na direção para prestarem esclarecimentos.
A acusação agora era que através de um telefonema anônimo, os “moonies”, como eram conhecidos os seguidores da seita do reverendo Moon, estavam colocando menores para trabalharem para a igreja e que os mesmos sempre se encontravam no ônibus.
Na esperança de encontrar algum menor de idade, a polícia ia prendendo todos que por ali aparecessem.
Como o boato era falso, na delegacia a única alternativa do delegado foi a de liberar o pessoal, mantendo apenas os dois motoristas para as formalidades que o ato requeria.
Com a chegada do pastor, assumindo a responsabilidade, eles acabaram também sendo liberados.
No dia 8 de maio não houve atividades na igreja. A ordem era que todos se divertissem.
O pastor levou o grupo e todos os internos ao Parque Pithon (Rogério Pithon Farias, sendo renomeado Parque Dona Sarah Kubitschek em 1997) com direito até à piscina de ondas e futebol.
À noite todos participaram do encerramento do seminário, com teatro, músicas e bolo.
Lílian havia decidido ficar interna, e só se ausentaria por uns dias para pegar suas coisas, e encerrar o contrato de aluguel da casa em Taguatinga, além de pedir demissão do emprego.
Era a primeira “Filha Espiritual” de Renato, naquele projeto.
Goiânia - A Cidade planejada
Naquela mesma noite todos viajavam para Goiânia chegando por volta das 23h00.
Logo na chegada o primeiro problema. Ao tentar estacionar, o Jumbão afundou a roda traseira, dando um trabalho enorme para tirá-lo de lá.
Aqui uma pausa para voltar uns dias antes, logo após a invasão da igreja em Brasília.
O pastor Armando havia recebido uma carta enviada pela pastora Carla de Goiânia, onde ela se dizia temerosa com a passagem do Projeto por sua cidade, devido ao ocorrido em Brasília.
Irritado, o diretor Jair telefonou imediatamente para ela dizendo que aquela não era a atitude de alguém que havia chegado à condição de pastora, pelo mérito de sua fé e força de vontade.
Logo ela que em 81 também havia sofrido junto com outros irmãos todas aquelas ameaças e perseguições.
Goiânia fazia parte do projeto, desde que ele fora idealizado pelo reverendo Kim, e eles iam sim passar um mês lá como haviam feito em Brasília.
Mais tarde o diretor diria que havia sido um tanto rude com ela, mas que era assim que as coisas tinham que ser se quisessem vencer (será que Jesus sentiu medo quando resolveu expulsar os vendilhões do templo de seu Pai?).
Goiânia, capital de Goiás é a segunda cidade mais populosa do Centro-Oeste do Brasil. Assim como algumas outras cidades brasileiras, desenvolveu-se a partir de um plano urbanístico, tendo sido construída com o propósito de desempenhar a função de centro político e administrativo do Estado de Goiás.
Foi fundada em 24 de outubro de 1933, absorvendo em 1937, da cidade de Goiás, a função de capital do Estado.
Desde a época colonial, entre viajantes estrangeiros e parte da elite política da região, era comum tanto a crítica às condições geográficas da cidade de Goiás quanto a ideia da transferência da capital da província para uma área mais conveniente à expansão e desenvolvimento urbanos.
Tal ideia permaneceu em latência até que após a revolução de 1930, Pedro Ludovico Teixeira foi indicado interventor federal no estado de Goiás. Por sua decisão criou-se em 1932 uma comissão encarregada de escolher o local em que seria construída a nova capital.
Em 24 de outubro de 1933, lançou-se a pedra fundamental da construção, num gesto simbólico que marcou a fundação da nova cidade. Porém a transferência da capital do estado para Goiânia somente foi oficializada em 1937 e a inauguração oficial da cidade somente aconteceu em 1942.
O plano piloto de Goiânia foi concebido pelo urbanista Attílio Corrêa Lima e executado pelos engenheiros Jerônimo e Abelardo Coimbra Bueno.
Em conformidade com o mesmo, abriram-se três avenidas principais (Goiás, Araguaia e Tocantins), as quais confluem para a parte mais elevada do terreno do atual centro onde por sua vez foi erigida a sede do governo estadual. Uma quarta avenida principal (Paranaíba) foi aberta perpendicularmente às três avenidas mencionadas, conectando o Parque Botafogo ao antigo aeroporto (o qual estaria localizado no atual Setor Aeroporto). Em 1936, Armando de Godoy assumiu a direção do projeto, interpondo lhe modificações significativas. Godoy reelaborou, sobretudo, a parte sul do projeto de Corrêa Lima, introduzindo nesta área um bairro residencial (o atual Setor Sul), o qual concebeu sob a inspiração do movimento das cidades-jardim, fundado pelo urbanista Ebenezer Howard.
A Febem e a F.E.B. (Fundação Essênia do Brasil)
Como em Brasília, o Projeto I.O.W.C. iniciou seus trabalhos intercalando RM com RE.
Haviam conhecido a Fundação para o Bem-Estar do Menor, Febem, onde puderam constatar todo o sofrimento das crianças ali dentro.
Renato pediu permissão à pastora e ao diretor Jair para que durante as saídas para RM pudesse arrecadar alimentos a serem doados para a Febem no que foi prontamente atendido.
-Mas tudo tem de ser feito em nome da igreja, e tudo que vocês arrecadarem será entregue somente no final do mês, disse ela.
Logo os outros irmãos estavam fazendo o mesmo.
Agora não vinham apenas alimentos, mas também produtos de higiene, além de roupas usadas, mas em bom estado.
A pastora havia feito um comunicado no jornal local sobre o trabalho realizado pelo grupo, frisando que apenas no final do mês seria entregue tudo o que fosse arrecadado.
Era uma maneira de mostrar que o reverendo Moon não era o bicho-papão que todos apregoavam.
Na parte de testemunhos, Renato passou a usar o mesmo método de Brasília, ou seja, se concentrar apenas em uma pessoa, e batalhar por ela até o fim.
Resolveu adotar uma estratégia diferente. Quando batia nas casas se apresentava propondo uma conversa franca sobre a igreja do reverendo Moon, falando abertamente para que ninguém se sentisse enganado. Aqueles que o recebiam já sabiam quem ele era.
Foi assim que começou a trabalhar com Ariane uma moça evangélica.
Quando entrou em sua casa, foi logo bombardeado com um monte de perguntas.
Inteligente e curiosa queria saber tudo, de uma só vez.
-Calma, disse Renato. Aqui em sua casa eu não tenho como responder a tudo, posso apenas pincelar algumas perguntas mais importantes. Na verdade, nem na palestra de um dia realizada na nossa igreja conseguimos responder a tudo.
-O que você quer dizer com isso? Perguntou Ariane.
-Nada! Só posso te adiantar umas pequenas coisas. (Renato não podia falar de um seminário de sete dias a ela assim abertamente), mas decidiu que a exemplo de Lílian, ela seria a bola da vez e concentraria todo seu tempo nela.
Na igreja havia um mimeógrafo velho, mas, que ainda funcionava e Renato teve a ideia de fazer convites utilizando histórias em quadrinhos, já que tinha certa facilidade para desenhar.
Em dez tirinhas ele falava um pouco da história da igreja, do que pregava e da busca do homem pela sua origem. Na última tira ele falava da palestra de um dia convidando a todos para assisti-la, dando endereço e telefone.
Com a permissão da pastora e do diretor (por hierarquia tudo o que se relacione com a igreja tem de ter o aval dos líderes), Renato iniciou o processo e em pouco tempo o mimeógrafo rodava centenas de convites que iam para as ruas através dos irmãos.
A diretora Mercedes teve a ideia de batizar os grupos com o nome que eles sugerissem, e aquele que conseguisse o melhor resultado na RM, ganharia um prêmio no final de cada semana.
Trocando gato por lebre
O grupo de Renato, composto de três pessoas todos torcedores do Santos, foi batizado de “Santástico o Show da Vila”, aproveitando a ótima fase que o time estava passando no campeonato brasileiro daquele ano.
Na RM o Santástico saia a caráter, ou seja, com a camisa do time. Por coincidência os três: Renato, Silvio e Maurício, tinham as camisas listradas do Peixe.
Numa dessas saídas, bateram numa casa no bairro Campinas sendo atendidos por uma simpática senhora.
Na sala, seu marido assistia a uma partida de futebol.
A senhora comunicou-o que eles estavam ali para vender lanchinhos, e o marido achando que todos estavam usando a camisa do Atlético Mineiro, mandou que ela comprasse tudo o que tinham nas sacolas.
Na TV o jogo era entre Atlético Mineiro e Santos F.C. e a partida estava 0 x 0.
Contentes os três entraram na casa para deixar os lanchinhos na mesa da sala.
Quando o senhor percebeu que as camisas eram na verdade do Santos, bravo gritou para que a mulher devolvesse tudo.
Na verdade, o Santos estava disputando a semifinal do campeonato, e já havia vencido a primeira partida por 2 x 1, o empate daria a vaga à final para disputar com o Flamengo.
Resmungando mandou que os três saíssem de sua casa.
Com um gesto de pesar a senhora abriu a porta da sala, e eles saíram.
Na rua Renato comentou:
-E ainda nos chamam de fanáticos religiosos.
Já na igreja contaram o fato a todos que riram.
O Santos tinha se classificado para a final.
Na dúvida resolveram não mais sair uniformizados.
Ariane estava cada vez mais interessada na proposta da igreja, mas não se decidia a participar da palestra.
-Vamos fazer assim, disse ela, eu vou à sua igreja se você primeiro vir conhecer a minha.
-Combinado, quando quiser é só me chamar que eu irei com o maior prazer.
Renato sabia que como uma boa evangélica ela também queria arrastá-lo para sua igreja, mas se essa era a maneira que ele tinha de convencê-la, assim seria feito.
Desde a chegada à Goiânia o grupo tinha como hábito ir todos os dias às 5h00, correr em volta do Parque do Zoológico, com dois quilômetros de extensão. Faziam de duas a três voltas e isso ajudava a manter a forma física.
Claro que havia os mais robustos que não conseguiam correr cem metros, mas, mesmo assim, a contra - gosto iam correr.
Naquele dia iriam conhecer um orfanato em Guapó, mantido pela F.E.B. (Fundação Fraternidade Essênia do Brasil) com sede em Goiânia.
Com a ajuda de um rapaz do orfanato a ensinar o caminho em menos de uma hora chegavam ao local.
Apesar da pobreza as crianças eram melhor tratadas do que as crianças da Febem.
Lá se divertiram a valer e Danilo parceiro de Renato em apresentações teatrais em quase todos os finais de seminário, junto com ele, vestido de palhaço, faziam as crianças darem boas gargalhadas.
Logo depois do almoço, todos entraram no ônibus e voltaram para a Igreja.
Renato telefonou para Ariane marcando de irem à sua igreja.
No horário marcado passou em sua casa e juntos foram para o templo.
Acomodaram-se e em poucos minutos o pastor entrava cumprimentando a todos através do microfone.
Quando Renato se preparava para ouvir um sermão bíblico, uma palavra aos fiéis, eis que o pastor começou a criticar outro irmão que nem lá se encontrava, dizendo que o mesmo havia saído daquela igreja para abrir outra do mesmo segmento em outro bairro.
A crítica era feita, pelo fato de que abrindo outra igreja esse tal irmão iria fazer com que os fiéis dali se debandassem para lá, fazendo com o que o dízimo diminuísse.
Resumindo: Estavam tratando as coisas de Jesus como se fosse um comércio, e não queriam concorrência.
Na saída, depois da arrecadação do dízimo e alguns “milagres”, fazendo pessoas paralíticas andarem e cegos enxergarem, Ariane perguntou a ele o que tinha achado.
“Prefiro não responder”, pensou com seus botões.
Como não queria e nem devia criticar ninguém, pois, esse não era o intuito da igreja do reverendo Moon, Renato, lhe fez um sinal de positivo.
Seu interesse era que ela agora retribuísse a visita.
Os testemunhos em Goiânia estavam muito difíceis, não pelo que acontecera em Brasília e sim, por que as pessoas estavam interessadas em outros assuntos avessos à religião.
Muitos prometiam participar das palestras de um dia, mas ninguém aparecia.
A RM também não ficava atrás e a única coisa que ainda compensava eram as arrecadações de alimentos e produtos diversos, que seriam entregues na Febem no final do mês.
Santos F.C. Vice-campeão brasileiro
29 de maio de 1983. O Santos F.C. finalmente chegava a uma final do Campeonato Brasileiro. Curiosamente no banco dos treinadores duas estrelas do Santos se encontravam.
Carlos Alberto Torres pelo Flamengo e Formiga pelo Santos.
Serginho Chulapa era a grande sensação da equipe alvinegra e artilheiro da competição com 22 gols.
A primeira partida da final deu vitória do Santos 2 x 1 e talvez o excesso de confiança e o famoso “já ganhou”, tenham atrapalhado o time. Verdade é que ao final da partida o placar apontava Flamengo 3 x 0 Santos.
Pela primeira vez desde 1965 o Santos estava novamente na Copa Libertadores.
Boas notícias vindas de Uberaba
No dia seguinte, Renato recebia um telefonema de seu Carlos contando que estava tudo bem com ele e dona Gisa. Renato por sua vez, lhe contava as novidades do projeto. Vitórias e dificuldades.
Seu Carlos soubera do ocorrido em Brasília e estava preocupado, mas Renato o acalmou dizendo que a situação estava sob controle.
Porém a realidade de Goiânia era outra, pois realmente estava muito difícil levar as pessoas para as palestras de um dia.
Outro telefonema agora de dona Marina, o deixou feliz. Uberaba continuava com força total e Silvia e Clovis haviam decidido ficar internos. Ela em BH e ele em Uberlândia.
Dona Laurinda e seu Maurício estavam ajudando na Igreja no Lar e continuavam a arrecadar os sacos de leite para o hospital.
A notícia mais importante era que o bispo havia deixado de criticar a igreja.
Dona Marina disse também que Marisa estava em Teófilo Otoni, em condição de RM e Eduardo e Vinícius haviam ficado em Belo Horizonte com ela.
Mesmo com a distribuição dos convites feitos por Renato através das histórias em quadrinhos, as pessoas não se animavam. Parecia que algo os impedia.
O clima estava muito pesado e vários irmãos inclusive Renato estavam se sentindo desanimados e com problemas de saúde.
Viam o diretor Jair cabisbaixo, pensativo e calado. Logo ele que era o primeiro a levantar o astral da turma.
Mercedes também estava na mesma situação, embora demonstrasse menos.
Renato foi à casa de Ariane. Quem sabe ela aceitando seu convite, se dissipasse um pouco daquele desânimo.
Porém sua resposta caiu como uma ducha de água fria.
-Não, Renato! Sei que te devo uma visita, mas as minhas convicções religiosas já estão definidas, e nada vai me fazer mudar de opinião.
-Mas quem te disse que nós queremos mudar suas convicções? Só queremos que você ouça nossa proposta.
-Prefiro não me envolver com outra igreja para não confundir minha mente. Além do mais hoje nosso pastor vai realizar a cura de um menino cego e eu quero estar lá.
Diante daquela resposta, Renato só fez lamentar. Ariane parecia ter um cabresto em seu rosto que a impedia de olhar para os lados.
Triste despediu-se dizendo que as portas da igreja estavam abertas para ela.
Ela nunca apareceria por lá, assim como os convidados de outros irmãos que também só prometiam, mas, não cumpriam.
O ambiente pesado, a falta de ânimo para convencer as pessoas, Renato descobriria depois ser por causa da não sintonia entre a pastora Carla, o diretor Jair e Mercedes.
Essa desunião estava afetando a todos.
Renato sentia-se tão sufocado que resolveu até mudar de cidade para a prática da RM e acompanhado de Tiago, foi parar em Trindade uma cidadezinha do interior de Goiás com mais ou menos 30.000 habitantes.
Pequena demais para dois vendedores, por isso Tiago nem esquentou cadeira, e uma hora depois voltava para Goiânia.
Renato resolveu insistir e ficar até o anoitecer.
Uma tragédia em Goiás
No dia 11 de junho o projeto foi convidado para conhecer a família de um professor, sócio da Faculdade de Goiânia e simpatizante da igreja que tinha participado do seminário para professores universitários realizado em Canela - RS.
Esse professor iria defender a igreja contra as críticas feitas pelo Sr. Flávio Cavalcante em seu programa na extinta TV Tupi.
A fazenda enorme ficava próxima da cidade de Alexania.
Cavalos e gado pastavam mansamente naquela imensidão de terra e plantação.
Seria um dia maravilhoso, para que o grupo pudesse talvez voltar fortalecido para Goiânia.
Porém, uma tragédia aconteceu.
Enquanto uns andavam a cavalo e outros iam para o campo de futebol ali próximo da casa grande, Renato e mais alguns irmãos resolveram nadar no rio que cortava a fazenda.
Os que não sabiam nadar ficavam apenas à margem do rio.
Daniel tentou arriscar e sem que alguém conseguisse impedi-lo, mergulhou...
...para não mais voltar.
Desesperada uma das irmãs gritou para que o acudissem e Renato e outros irmãos tentaram resgatá-lo, mas não conseguiram.
Ainda mergulharam no local onde ele havia desaparecido sem sucesso.
Chamaram o professor e o diretor Jair que se encontravam na casa, mas quando chegaram também não conseguiram achá-lo.
O professor sabia da correnteza que havia na parte funda do rio e calculando o tempo e o local onde Danilo afundara, conseguiu localizá-lo a uns 30 metros adiante preso a alguns troncos no fundo do rio.
Na margem tentou reanimá-lo com uma respiração boca a boca, mas não conseguiu.
Levou-o de carro ao hospital de Alexânia e o diretor Jair como que tentando dar uma esperança aos outros irmãos disse que lá ele seria salvo.
Para Renato e alguns irmãos mais experientes, o desfecho já havia terminado ali na margem do rio.
De volta à Goiânia, mais abatidos ainda ficavam sabendo o obvio.
Renato perdia seu companheiro que sempre o ajudara a compor algumas músicas e peças de teatro para serem exibidas nos finais de seminário de sete dias.
Durante o sermão da noite, o diretor Jair disse que já era prevista a passagem de alguém para o outro lado, só não sabia quem, quando e onde isso iria acontecer, mas, que isso era da vontade de Deus.
Eram palavras bonitas de conforto que Renato custava a aceitar. Danilo praticamente morreu ali diante dele, que mesmo sabendo nadar, não conseguira resgatá-lo.
-Conversando a sós com o diretor este respondeu que nem ele e nenhum membro do grupo podia se responsabilizar pelo ocorrido e que esse tipo de pensamento, só faria entristecer Danilo.
No dia seguinte do hospital mesmo, saía o corpo de Danilo para São Paulo.
O diretor pediu que todos fizessem um jejum de um dia para que se estabelecesse um bom ambiente espiritual para Danilo.
O jejum é uma forma de pagamento para algo que se queira como as promessas que os cristãos fazem e a pessoa fica nesse período apenas com água.
Existe o jejum de um dia que é feito para causas pessoais, data de aniversário etc.
Tem também o jejum de 3 dias para causas que envolvam o coletivo (família, filhos espirituais etc.)
E também o jejum de sete dias que abrange coisas maiores.
No caso específico, o certo seria fazer o jejum de três dias por Danilo, mas o diretor sabia que do jeito que as coisas estavam caminhando, o jejum de 1 dia seria suficiente (com risco de alguém quebrá-lo como aconteceu com uma das irmãs, que não suportou ficar um dia só com água).
De fato, todos ao final do jejum, estavam se sentindo indispostos e com terríveis dores de cabeça, coisa anormal para quem já havia passado pelos três tipos de jejum.
Apesar de todos os problemas, o “Santástico”, ganhava o prêmio pelo melhor resultado na RM, embora o melhor resultado ali, nem se comparasse ao pior resultado de Brasília.
E Goiânia, uma linda cidade, com bons atrativos turísticos, tornava-se a primeira pedra no sapato do I.O.W.C., não por causa de seu povo e sim pela incompetência de seus membros e da desunião de seus líderes.
A única boa coisa que aconteceu além do fato de terem conhecido as crianças da Fundação Essênia, foi a entrega do material arrecadado durante a estadia na cidade, na Febem, onde além da entrega, houve teatro e música para os internos, amenizando por algumas horas seu sofrimento e aliviando o ânimo dos membros da igreja pelo mal resultado adquirido.
Belém A cidade morena das mangueiras
Em 14 de junho o grupo partia para Belém tentando passar de uma vez por todas uma borracha naquela estada em Goiânia, desde o primeiro dia quando o Jumbão afundou no piso.
A primeira parada na rodovia Belém-Brasília, foi em um posto na cidade de Alvorada, onde tomaram banho e jantaram entrando em seguida no ônibus para dormir.
Às 6h15 do dia seguinte prosseguiram viagem chegando a cidade de Imperatriz (MA).
Dirigiram-se à casa dos pais de Flavio um dos membros do projeto para tomar café.
Como não dispunham de muito tempo para a RM, também não puderam conhecer a cidade e isso ficaria para a volta, pois com certeza iriam passar por lá novamente.
Pararam em outro posto agora em Santa Maria, onde almoçaram e por volta de 19h00 estavam em frente à igreja de Belém onde o pastor Cardoso já os esperava.
A casa bem como o bairro estava às escuras e sob a luz de velas ouviram um sermão do pastor.
No dia seguinte todos foram conhecer a cidade e seus pontos turísticos.
Belém ou Belém do Pará é considerada a maior cidade na linha do Equador, a segunda cidade mais populosa da região norte e principal cidade da maior região metropolitana da Amazônia.
É conhecida como “Metrópole da Amazônia” e, também, “Cidade das Mangueiras” pela abundância dessas árvores que amenizam o calor.
Por ter característica herdada da miscigenação do povo português com os índios Tupinambás, nativos habitantes da região à época da fundação, é denominada “Cidade Morena”.
Historicamente se constituiu na principal via de entrada na região norte do Brasil, tendo uma posição geográfica privilegiada às margens do rio Guamá, próximo da foz do rio Amazonas.
O estabelecimento do primitivo núcleo do município remonta ao contexto da conquista da foz do rio Amazonas à época da Dinastia Filipina, por forças luso-espanholas sob o comando do capitão Francisco Caldeira Castelo Branco, quando a 12 de janeiro de 1616 fundou o Forte do Presépio.
A povoação que se formou ao seu redor foi inicialmente denominada de Feliz Luzitânia. Posteriormente foi sucessivamente denominada como Santa Maria do Grão Pará, Santa Maria de Belém do Grão Pará, até a atual denominação de Belém, sendo a primeira capital da Amazônia.
Nesse período, ao lado da atividade da coleta das chamadas “drogas do sertão”, a economia era baseada na agricultura de subsistência complementada por uma pequena atividade pecuária e pela pesca praticada por pequenos produtores que habitavam principalmente na Ilha de Marajó e na Ilha de Vigia.
Distante dos núcleos decisórios da região nordeste e sudeste do Brasil e fortemente ligada a Portugal, Belém reconheceu a Independência do Brasil apenas a 15 de agosto de 1823, quase um ano depois da sua proclamação.
A cidade é conhecida por realizar uma das maiores festas religiosas do País:
O Círio de Nazaré que ocorre no segundo domingo do mês de outubro.
Seu clima é quente e úmido, influência direta da floresta amazônica.
A culinária paraense é uma das mais típicas e diversificadas do Brasil com clara influência indígena.
O Pato no Tucupi é o prato símbolo dessa culinária. Tucupi é o sumo amarelo extraído da raiz da mandioca brava quando descascada, ralada e espremida.
Depois de extraído, o caldo "descansa" para que o amido se separe do líquido.
Inicialmente venenoso devido à presença do ácido cianídrico, o líquido é cozido e fermentado de 3 a 5 dias para, então, ser usado como molho na culinária e espremida tradicionalmente usando-se um tipiti, uma espécie de prensa ou espremedor de palha trançada usada para escorrer e secar a mandioca ralada.
O objeto é utilizado por índios brasileiros e ribeirinhos no preparo da farinha de mandioca (manibat).
Há também o Tacacá feito com o tucupi, alho, pimenta de cheiro camarão salgado e seco, goma de mandioca e Jambu, (também conhecido como agrião-do-pará, uma erva típica daquela região). É vendido em carrinhos nas esquinas das ruas (como o pastel), e Renato não passava um dia sequer sem visitar esses carrinhos.
O bairro Cidade Velha é o mais antigo e foi a partir dali que surgiu Belém, pois é ali que se localiza o Forte do Castelo (originalmente conhecido como Forte do Presépio).
Seus pontos turísticos além do Forte são: Mercado do Ver-O-Peso, a Igreja da Sé, o Conjunto Arquitetônico Feliz Luzitânia, os palácios Antonio Lemos e Lauro Sodré, Zoológico Emilio Goeldi com animais e plantas regionais.
É em Belém que fica a fábrica da Phebo, por isso quando são abertas suas chaminés, o ambiente fica com um cheiro muito agradável, sem contar com as inúmeras lojas que vendem variados tipos de águas de cheiro e sais de banho, no centro da cidade.
Contudo esse cheiro agradável limita-se apenas àquela região, pois o mesmo não se pode falar quando nos aproximamos do mercado do Ver-O-Peso.
Ao contrário de Goiânia a preparação para receber o I.O.W.C. por parte do pastor Cardoso e os irmãos lá internos foi cercada de muita espiritualidade a começar pelo primeiro sermão falando entre outras coisas que o grupo não deveria se sentir desanimado por causa dos acontecimentos negativos em Goiânia, pois Jesus também teve muito trabalho para evangelizar o povo e seus ensinamentos não se perderam no tempo.
A semente que o I.O.W.C. estava jogando com certeza traria boas árvores e bons frutos.
Assim com uma aura totalmente favorável iniciaram a evangelização em Belém.
Com o passar dos dias foram descobrindo que o melhor horário para praticarem a RM era na parte da manhã até o meio dia e depois só a partir de 14h00.
Nesse entremeio não havia qualquer possibilidade de alguém ser atendido na porta.
Explica-se: Esse horário é reservado para que eles pratiquem a “siesta”, daí o barulho característicos das redes balançando, que o grupo ouvia quando ainda sem saber desse pequeno detalhe, batia nas casas.
Foi o pastor Cardoso quem os alertou sobre o fato.
-Nesse período pode até cair a casa que eles não saem de suas redes.
Renato resolveu mudar de tática para a RE e passou a dar testemunhos ao maior número de pessoas possível.
Já que a aura era favorável era bom não deixar passar.
Bons fluidos na Capital do Pará
Assim tanto ele quanto o grupo, enchiam a igreja de gente interessada em participar das palestras de um dia que eram realizadas diariamente, dando oportunidade para aqueles que não tivessem tempo de concluí-lo naquele dia, voltassem no dia seguinte.
Renato conseguiu se fixar em três convidados seus: Marlene, Silas e Marizete, que apesar dos contratempos por causa de seus afazeres, finalmente conseguiam terminar a palestra e em seguida o seminário de sete dias.
Ao final Marizete e Silas ficavam internos, e Marlene por ser menor de idade, ficava externa.
Eram agora quatro filhos espirituais desde o início do projeto.
Na festa de encerramento do último seminário de sete dias (haviam sido realizados, 3 durante o tempo em quem lá estiveram), muitos dos convidados optaram por ficar internos e ajudaram na composição da peça teatral que seria apresentada naquele final.
Como o pastor Cardoso havia dito a semente fora plantada e muito bem plantada, e agora estavam colhendo os frutos.
Com a sensação do dever cumprido, o grupo partia agora para Manaus.
A primeira viagem de avião de Renato
Era o dia 21 de julho de 1983.
Todo aquele sentimento de derrota em Goiânia havia finalmente ficado para traz.
Alguns dos irmãos haviam partido de balsa acompanhando o jumbão, enquanto que os outros iam de avião.
Para agradecer o bom desempenho em Belém, o grupo havia iniciado à meia noite do dia anterior um jejum de um dia, e agora no avião estavam fazendo o desjejum.
A decolagem se deu às 23,30 do dia 21 e por causa do fuso horário, chegavam ao aeroporto de Manaus, no mesmo horário do mesmo dia.
O pastor Bernardo já os esperava.
A história de Manaus é muito bonita, porém muito longa para ser contada aqui.
Basta dizer apenas que a 4 de setembro de 1856 pela Lei n° 68 já no decurso do 2° governo de Herculano Ferreira Pena, a Assembléia Provincial Amazonense dá nome a cidade de Manaus em homenagem a valente nação indígena Manaós, a cidade que também se chamou Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro, Cidade do Rio Negro e Lugar da Barra.
Como nas outras cidades, o pastor levou o grupo para conhecer os pontos turísticos, não faltando é claro o Teatro de Manaus.
O sistema adotado tanto na RM quanto na RE, foi o mesmo de Belém e, também ali, o povo era de uma receptividade cativante.
Logo na primeira semana muitas pessoas adentravam a igreja para assistirem às palestras.
Renato havia trazido Elaine e sua irmã Lindalva que ainda era menor de idade.
As dependências da igreja ficavam totalmente tomadas por isso era comum ver os palestrantes improvisando quadros negros no quintal da casa.
Foi dessa maneira que Renato iniciou a palestra para as suas convidadas e mais uma convidada de Aloísio.
Renato deu boa parte da palestra pedindo que Aloísio a completasse.
A beleza de Manaus com seu teatro famoso, a Igreja Matriz, o cais e todo o mistério que envolve a capital amazonense, contribuíam para que o grupo sentisse a força espiritual positiva que os abrangia.
Renato não escondia a alegria de estar ali naquele solo, por isso não se importava de andar de 4 a 5 horas seguidas por bairros distantes. Queria conhecer cada centímetro daquele lugar maravilhoso.
Sempre dissera para si mesmo que antes de morrer iria conhecer Manaus e o famoso encontro das águas e isso estava se realizando.
Elaine e Lindalva estavam entusiasmadas com o que acabavam de ouvir e não viam a hora de participar do seminário de sete dias.
Finalmente o seminário começava e junto com muitos outros convidados lá estavam elas.
Enquanto o seminário era realizado o trabalho do I.O.W.C. continuava e Renato trazia mais dois convidados. Otavio e Rose (sua namorada).
Otavio trabalhava em uma fábrica de montagem de produtos eletrônicos na Zona Franca e tinha um salário muito bom, por ser inspetor de qualidade, porém como dissera a Renato durante uma visita à sua casa, ainda lhe faltava algo.
Tinha uma namorada a quem amava muito e por isso dizia rindo que não era “falta de mulher” que o deixava triste e incompleto.
-Quem sabe não esteja lhe faltando uma visão mais ampla da Bíblia, arriscou Renato.
-Pode ser, sou católico, mas, raramente frequento as missas.
-Então estou te convidando a participar de uma palestra na nossa igreja, onde você ficará sabendo da verdadeira origem dessa sua tristeza. Que tal, aceita?
-Posso levar minha namorada?
-Pode não, deve.
Na noite seguinte após sair do serviço, Otavio chegava com Rose e mais uma vez Renato e Aloisio se encarregavam da palestra.
Junto com eles, mais dez convidados.
Como era de se esperar, ao final, todos ficavam sem reação alguma e cheios de pontos de interrogação na cabeça e isso por si só já era uma reação natural.
Um banho de água quente e o bom resultado na Restauração Espiritual
Elaine decidira ficar interna, porém, Lindalva por ser menor de idade precisava da permissão dos pais, por isso Renato foi à casa delas para pedir uma autorização por escrito e registrada em cartório, para que não houvesse problema futuro.
A reação de dona Benedita sua mãe foi inesperada.
-Filha minha nenhuma vai sair de casa para se aventurar em uma igreja que mal conhecem. Elas podem até frequentá-la, mas, a noite eu as quero aqui comigo.
Ao retrucar dizendo que Elaine por ser maior de idade já era dona de suas próprias decisões Renato quase leva um banho de água fervendo que ela tinha no fogão e isso só não aconteceu porque Elaine a chamou à razão.
Furiosa dona Benedita o expulsou da casa.
Elaine apesar do incidente continuava junto com a irmã a ir todos os dias à igreja, ajudando inclusive na RM, porém voltando à noite.
Com o passar do tempo dona Benedita resolveu também junto com o marido, participar de uma palestra.
Foi o suficiente para que sua visão do comportamento dos irmãos da igreja, fosse outra.
-A Elaine pode ficar com vocês, mas, por enquanto Lindalva fica comigo.
Quando completar maioridade se ela quiser pode ir também, disse seu Lauro (pai das meninas).
-É preferível que elas estejam participando de uma religião, do que estar no meio da rua, fazendo só Deus sabe o que, completou dona Benedita.
Otavio e Rose, iniciavam o seminário de sete dias e ao final deste, resolviam ficar internos, porém, sem deixar o emprego.
Ou seja, saiam para trabalhar e voltavam para a igreja. No final de semana durante a folga aí sim se dedicavam totalmente à igreja.
Renato estava contribuindo com suas sementinhas e com isso já somava oito filhos espirituais em apenas 4 capitais. Era pouco, mas, um bom início.
Viagem para Boa Vista
No dia 23 de agosto, Renato e mais 14 irmãos viajavam para Boa Vista, capital de Roraima, passando em um posto para tomarem vacina.
Por ser muito grande, o jumbão teve de ser substituído por um ônibus menor, pois no caminho até Boa Vista, teriam de passar por muitos rios, e a frente do ônibus era muito baixa para entrar nas balsas e um dos irmãos de Manaus, levou o jumbão de volta.
Já na divisa entre Amazonas e Roraima a primeira travessia confirmava isso.
Após a travessia, pararam em um posto do Exército, passando em seguida pelo aeroporto improvisado do MEC, entrando na reserva indígena.
Logo no início pararam em um posto da Funai onde foram avisados para que não parassem em hipótese alguma na estrada.
Existe a tribo Waimiri Atroari uma etnia do tronco linguístico Karib, cujo território imemorial de ocupação se localiza naquele trecho.
Eram conhecidos como Crichanás, quando segmentos expansionistas da sociedade envolvente brasileira travavam seus primeiros contatos com eles, sobretudo a partir do Século XIX. (leia mais abaixo).
A travessia da estrada por chão de terra batida leva duas horas e meia e durante o trajeto é possível ver alguns animais de hábitos noturnos, por isso os motoristas são aconselhados a não correr muito para não ter o risco de atropelamento.
Em um trecho da estrada o grupo observou uma placa alusiva ao Padre antropólogo Giovane Calleri e sua comitiva, exterminados pelos índios quando exploravam a região em 1968 na tentativa de manter contato com eles no período de três meses.
Outro grupo dizimado foi a Fundação Nacional do Indio (FUNAI), chefiado pelo indigenista Gilberto Pinto Figueiredo, que tentara restabelecer a frente de atração com o intuito de promover um contato baseado no respeito à cultura indígena.
Esses dois episódios emblemáticos se deram exatamente pelo contato atabalhoado decorrente da pressão para se construir a BR 174 (Manaus-Boa Vista).
Às 5h50 do dia 24, saiam da reserva e às 7h10 estavam na linha do Equador trecho Manaus-Caracaraí, no quilometro 360 da BR 174, onde registrava 00° 00° 00° latitude e 60° 38° 45° longitude.
Ali desceram para tirar fotos.
Em seguida, o ônibus parou na divisa de Boa Vista com a perimetral Norte que vai ao Amapá, onde os motoristas tomaram lanche.
A próxima parada depois da última travessia de balsa, foi em Caracaraí, para que os motoristas pudessem almoçar.
Ás 14h25 chegavam à Boa Vista e se dirigiam à igreja do pastor Alcides.
Boa Vista é a capital e o município mais populoso de estado de Roraima, concentrando aproximadamente dois terços dos roraimenses.
Situa-se na margem direita do rio Branco e é a única capital brasileira localizada totalmente ao norte da linha do Equador.
Seu traçado urbano foi organizado de forma radial planejado entre 1944 e 1946 pelo engenheiro civil Darcy Aleixo Derenusson, lembrando um leque, em alusão às ruas de Paris.
Foi construído no governo do capitão Ene Garcez, o primeiro governador do então Território Federal do Rio Branco. As principais avenidas do Centro da cidade convergem para a Praça do Centro Cívico Joaquim Nabuco, onde se concentram as sedes dos três poderes.
O município de Boa Vista formou o primeiro povoamento caracteristicamente urbano da região do atual estado de Roraima.
Foi fundada em 1830 pelo capitão Inácio Lopes de Magalhães, originando-se de uma das inúmeras fazendas de gado situadas ao longo dos rios que compões a bacia do rio Branco pertencente à então província “São José do Rio Negro”, atual Amazonas.
O Forte São Joaquim, localizado a 32 quilômetros da capital fundado em 1775 deu considerável importância para a região.
Em 1858 a povoação foi elevada à categoria paroquial com a denominação de freguesia de Nossa Senhora do Carmo do Rio Branco, e em 9 de julho de 1890 a freguesia foi elevada à categoria de vila, sede de um novo município denominado Boa Vista do Rio Branco (criado pelo então governador amazonense, Augusto Villeroy), que passou a presenciar um maior e mais veloz crescimento graças à construção da tão desejada BR 174 ligando-o a Manaus, a capital provincial (embora o seu crescimento exponencial só tenha se iniciado em meados de 1970). A área municipal da vila de Boa Vista foi desmembrada do antigo município amazonense de Moura.
O município de Cantá, a 38 quilômetros de Boa Vista, abriga um local propício para quem busca desafios e aventuras e meio a uma floresta tropical: a Serra Grande. O visitante encontrará uma trilha íngreme, terá que caminhar e saltar sobre troncos, pedras, cruzar riachos e ter muita disposição para aguentar as cerca de quatro horas até os 923 metros do topo. A Serra Grande é um lugar cheio de mistérios e belezas naturais. Na subida da trilha contempla-se a floresta exuberante, variedade de fauna e flora (avistam-se macacos, quatis, tamanduás-bandeira, entre outros animais, e variedade imensa de pássaros, além de muitas espécies de bromélias, orquídeas e árvores de grande porte, como a Sumaúma).
Ao longe é possível avistar a cidade de Boa Vista. Um passeio bonito, cheio de aventura num lugar selvagem bem próximo da cidade.
O diretor Jair pediu que Renato datilografasse as fichas de inscrição para as palestras de um dia, e levasse a uma gráfica para que fossem impressos.
A opção foi por trabalhar na restauração espiritual (RE), pelo fato de que tendo o pastor Alcides apenas dois membros internos, fazia-se necessária a investida nessa área, para que após o seminário de sete dias, outras pessoas pudessem se juntar a ele.
Dando testemunho a um casal adventista
Logo na primeira semana Renato convidou uma moça e seu esposo (Rosario e Renê), que eram Evangélicos da Igreja Adventista da Reforma, para a palestra de um dia.
Rosário explicou que a Igreja Adventista do Sétimo Dia Movimento de Reforma (IASD-MR) teve esse nome adotado por causa de uma disputa na Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) da Europa sobre a participação militar na Primeira Guerra Mundial. Em 1914 a Divisão Européia da IASD da Alemanha decidiu que se convocado, o adventista deveria participar do serviço militar e da guerra e mesmo trabalhar no sábado durante o período de beligerância. Alguns membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia, principalmente na Europa, acharam a decisão da igreja errônea, pois, ao membro que fosse a guerra, seria incapaz de guardar o sábado e ainda pior, teria que tirar a vida de um semelhante seu, podendo inclusive este semelhante ser um outro membro da igreja adventista em outro país.
Por causa dessa decisão houve a separação.
Ao terminarem a palestra e por serem adventistas evidente ficou que criariam uma certa polêmica e o diretor Jair que havia dado a palestra, procurou tirar as dúvidas do casal.
Dias depois ao serem convidados para o seminário de sete dias, Renê não aceitou, por não acreditar no que havia ouvido.
Rosário ficou balançada e demonstrou seu desejo de participar do seminário, mas Renê seria seu obstáculo.
Renato pediu que ela tivesse paciência e não se confrontasse com o esposo dizendo que o que a igreja menos quer é que casais se separem.
-As pessoas que já tem uma certa tradição em alguma igreja, têm mais dificuldade em aceitar qualquer outro ensinamento religioso e isso é normal. Se forçarmos a barra corremos o risco de perdê-lo de vez, e, mesmo que não nos aceite nós o queremos como amigo, e você não vai querer perder o marido não é verdade?
-No seu dia a dia vá conversando com ele tentando mostrar que um conhecimento a mais não vai causar nenhuma mudança em suas convicções.
Você será nossa evangelizadora em sua casa. Pesquise junto com ele sobre o que ouviu, completou.
O primeiro problema surgiu quando Renato foi à Biblioteca onde Rosário trabalhava apenas para agradecer pela ajuda que tinha dado, para que as fichas de inscrição fossem confeccionadas. (ela tinha um amigo em uma das gráficas da cidade, que não cobrou nada pelo serviço).
Uma das bibliotecárias, que conhecia apenas a versão de que a igreja praticava lavagem cerebral, e acompanhou todas as críticas e perseguições feitas a ela no ano de 81, o ameaçou dizendo que poria um investigador para descobrir o trabalho da igreja, se ele não parasse de ficar importunando a amiga.
-Olha você pode colocar quantos investigadores quiser, pois não escondemos nada de ninguém. Damos nossos testemunhos a qualquer pessoa e em qualquer lugar.
Se quiséssemos nos esconder não poderíamos jamais sair pelas cidades em campanha de evangelização, não concorda? Disse Renato em tom bravo.
-Mas você está incomodando a Rosário com suas investidas.
-Quem deve achar que está sendo incomodada é ela e não você. Além disso só vim aqui fazer um agradecimento. Aliás, ao invés de ficar me criticando porque você não vai lá na nossa igreja para nos conhecer melhor?
-Não, meu filho, eu já tenho com o que me preocupar e uma religião a seguir, não preciso de outra.
Renato para não prolongar aquela discussão que não levaria a nada, despediu-se de Rosário e foi embora.
A invasão dos motoqueiros
No dia primeiro de setembro, todos após a cerimônia de inclinação, ouviram do diretor Jair, que não saíssem para a RE, pois um grupo na cidade estava se reunido para invadir a igreja.
À tarde saíram para a RM e na praça onde há o monumento ao garimpeiro, o diretor Jair começou a ser insultado por alguns motoqueiros que gritavam “Fora reverendo Moon”.
Renato e mais dois irmãos tentaram intervir, mas, o diretor pediu que eles se afastassem, para não haver maiores problemas, porém à noite aquele mesmo grupo invadiu a igreja fazendo um grande barulho com suas motos.
Queriam saber onde estava o “aparelho de lavagem cerebral”.
O pastor Alcides e o diretor tinham ido à rodoviária.
Entrando na casa os motoqueiros exigiam que se desse uma palestra a eles, pois, queriam saber porque as pessoas que participavam daquele “curso” ficavam diferentes e esquisitas.
Um dos irmãos tentou explicar que não havia aparelho de lavagem cerebral algum e que os ensinamentos eram os mesmos que Jesus ensinara em sua época, só que com uma linguagem que o povo daquele tempo podia entender. (parábolas e metáforas).
-Por isso Jesus foi criticado perseguido e crucificado, justamente o que vocês estão querendo fazer agora, disse ele.
Renato interferiu dizendo que aquele não era o momento de dar uma palestra a eles.
-Se vocês quiserem podem vier amanhã pela manhã e damos uma explicação exclusiva para vocês, hoje não dá, pois, além de ser tarde, sob a pressão que vocês estão fazendo não temos condições de explicar nada.
Não concordando com aquele argumento, um deles que devia ser o líder, ordenou que quebrassem tudo.
Foi quando se ouviu a voz do vizinho gritando que a polícia estava chegando.
O suficiente para que todos debandassem em suas motos e seu barulho infernal.
Mais tarde já com o pastor e o diretor em casa, o vizinho explicou que havia blefado porque na verdade não havia polícia alguma.
Esse vizinho embora não participasse da igreja era um grande amigo do pastor.
De madrugada os motoqueiros voltaram, mas não se atreveram a entrar talvez achando que lá dentro tivesse algum policial.
Renato começou a achar que a bibliotecária estivesse envolvida.
-Primeiro ela me ameaça e logo em seguida acontece isso. É muita coincidência, pensou.
Na manhã seguinte todos saiam novamente para a RE, como se nada tivesse acontecido.
Continuaram a dar testemunho na praça, inclusive para alguns daqueles jovens que tinham invadido a igreja.
Talvez aí esteja a diferença. As pessoas se perguntam do porquê do pessoal do Moon, sofrer insultos, agressões e além de não reagir, ainda continuam com seu trabalho sem se intimidar com nada.
Se cada vez que um membro da igreja sofresse uma agressão física ou moral, resolvesse reagir ou abandonar seu propósito, ou estaria preso ou então a igreja acabaria no momento em que passou a existir.
É esse comportamento dos membros em qualquer lugar do mundo que faz com que as pessoas se tornem curiosas e resolvam conferir de perto o que está acontecendo.
Não foi diferente com os motoqueiros de Boa Vista e em pouco tempo lá estavam alguns deles participando das palestras. Menos é claro, o seu líder.
Por isso a ordem era que cada irmão da igreja na saída para a RE que cruzasse com um motoqueiro, deixava um recado para que seu líder procurasse a igreja.
-Ele não pode nos condenar sem primeiro conhecer nosso objetivo. Um verdadeiro líder é o primeiro a dar a cara a tapa, disse Renato a um dos motoqueiros durante um testemunho na praça.
Foi dessa maneira que alguns deles começaram a se aproximar. Primeiro ressabiados depois curiosos e em seguida enchendo-se de coragem participavam das palestras.
Confundindo as religiões
Um dia Renato e mais alguns irmãos bateram numa casa se identificando.
Um casal de idosos os recebeu e depois das apresentações já em sua sala, perguntaram o porquê do nosso líder ter ordenado aquele suicídio em massa, em busca da salvação.
A ficha de Renato demorou, mas, começou a cair, lembrando da dificuldade que todos tinham de dar testemunho onde muitos chegavam a expulsá-los da porta de suas casas.
Na verdade, eles estavam confundindo o reverendo Moon com o lunático Jim Jones que ali bem próximo em Georgetown (Guiana Inglesa), havia pedido que todos os fiéis entregassem sua vida terrena como prova de fé e rápida chegada ao mundo ideal.
Nosso líder não tem nada a ver com Jim Jones. Pelo contrário, nossa ideologia é outra e a busca pela salvação está em gerar filhos, família e a sociedade para Deus. E o suicídio não leva o homem a Deus, pelo contrário, o distancia ainda mais, porque, somente os covardes conseguem tirar a vida que Deus lhe deu.
Podem ter certeza que Jim Jones e seus fiéis foram para um lugar bem diferente do céu.
Diante daquela pequena, mas, contundente explanação, o casal mais calmo prometeu visitar a igreja.
Renato concluiu pedindo a eles que fossem testemunhas vivas da Igreja de Unificação, contando a parentes e amigos quem realmente era o reverendo Moon.
A partir de então, todo o membro da igreja que saísse para a RE, deveria se apresentar falando abertamente quem eram para que não houvesse mais transtornos.
As palestras foram aumentando infelizmente com a presença de policiais por todo o quarteirão da casa, pois apesar de alguns motoqueiros quererem apoiar a igreja, ainda assim eles se omitiam por causa de seu líder, que ainda não ousara se aproximar.
Seria medo de descobrir que a igreja estava certa e não era nenhum bicho papão, ou medo de assumir o erro diante de seus comandados?
O convite a ele continuava sendo dado.
Um testemunho que abalou
Em outro testemunho, Renato conheceu Aline, uma garota muito bonita que a princípio se interessou em conhecer a igreja.
Combinaram de ele passar em sua casa no domingo seguinte bem cedo.
Às sete horas lá estava Renato na porta de sua casa. Tinha vindo numa bicicleta que um irmão havia emprestado.
Ao bater na porta, Aline pediu que ele entrasse, pois, a porta só estava encostada.
O que viu em seguida mexeu com toda sua estrutura como homem que era.
No sofá, linda estava ela sentada. Um baby dool transparente deixava à mostra todo seu lindo corpo.
O primeiro impulso de Renato como homem, foi atirar-se em cima dela que percebendo sua angustia o provocava ainda mais.
Um verdadeiro turbilhão estava naquele momento passando por sua cabeça.
Como homem de sangue nas veias, estava prestes a cometer um erro fatal.
Por um momento se colocou na posição de Adão em relação a Eva, sabendo que se desse vazão ao seu desejo carnal, tudo aquilo que vinha conquistando até ali, iria por água abaixo, pois assim como Adão, não conseguiria esconder seu semblante e o trabalho que Deus vinha realizando através dele, também estaria perdido.
Tudo isso passou em sua mente em uma fração de segundos.
Foi o suficiente para que ele tomasse as rédeas da situação.
Afastando-se para a porta, pediu que ela se vestisse, pois estavam atrasados.
-Estou lá fora te esperando, disse ele meio que gaguejando.
-Venha cá, a palestra pode esperar um pouco. Quero ver como um discípulo de Deus reage à carne.
-Escute Aline, sei que será difícil você entender o que vou dizer, mas o propósito de nosso trabalho e nossa igreja é fazer o caminho inverso ao que fizeram Adão e Eva em relação ao sexo. Podemos sim nos relacionar sexualmente, porém, na hora e com a pessoa certa.
Embora soubesse que estava falando demais para alguém que nem a palestra de um dia havia assistido, Renato continuou:
-Eu já tenho minha esposa e é por ela e meus filhos, que estou lutando por um mundo melhor. É com ela que terei um relacionamento sexual na época certa.
-Quer dizer que você tem sua mulher, mas, não faz sexo com ela? riu Aline.
Olha meu querido, isso está sem pé nem cabeça, eu é que não quero abdicar do que gosto por igreja nenhuma.
Aborrecido, Renato se despediu dizendo:
-Quando você resolver abdicar e achar que merece ouvir o que temos a dizer, nos procure. Você tem o endereço.
Na volta para casa, a bicicleta vinha fazendo mil zig-zags por causa da tremedeira em suas pernas.
Mentalmente analisou que havia passado pela tentação do deserto.
-Foi difícil, mas eu venci, pensou triunfante.
A volta à Manaus
No dia 6 de setembro de 1983 nove pessoas entre elas Renato, voltavam à Manaus, enquanto os irmãos que não haviam ido para Boa Vista, agora o faziam.
O diretor Jair não embarcaria com o grupo, e em seu lugar vinha o irmão Lino como coordenador.
O propósito era a RM e a meta a ser atingida era de Cr$20.000,00 por dia para cada um.
Em Manaus Renato pode rever seus filhos espirituais que agora também saiam com ele pelas ruas da cidade.
Recebera notícias de sua esposa e seus filhos. Marisa estava viajando por várias cidades de Minas em condição de RM, numa perua, em um projeto chamado M.F.T., uma espécie de mini I.O.W.C. e se sentia feliz por poder fazer parte da restauração do mundo. As crianças ficavam com dona Marina em Belo Horizonte quando Marisa saía para essas viagens.
De Boa Vista vinha a tão esperada notícia de que finalmente o líder dos motoqueiros havia dado sua mão à palmatória e agora já estava participando do seminário de sete dias e junto com os amigos apoiava a igreja.
O Bispo também resolvera parar de criticar.
Mais uma vez a teoria de Jesus Cristo estava certa quando ele dizia que se alguém batesse em seu rosto, ele daria o outro lado.
Em 23 de setembro após cumprirem a meta estabelecida, o grupo recebia de volta os irmãos que tinham ido à Boa Vista.
Apesar do pouco resultado alcançado lá, algumas pessoas optaram por ficar internas.
Rosário e René ainda não haviam se decidido, mas estavam bem encaminhados.
Renato fizera sua parte plantando a semente, caberia ao pastor, cultivá-la.
Porto Velho o novo "Eldorado"
A próxima parada agora, seria Porto Velho, capital de Rondônia e na tarde do dia 24 às 14h17, partiam da rodoviária de Manaus para o novo destino, depois da vistoria e todas as malas e claro a exemplo de Boa Vista a famosa vacina.
Às 15h30 entravam em uma balsa que os levaria ao município de Careiro ainda no Amazonas.
No caminho, Renato matava o tão sonhado desejo de ver o encontro das águas.
Como estava cheia de turistas a balsa parou para que todos tirassem fotos e pegassem as duas águas na mão para se certificar se elas realmente não se misturavam.
Depois de mais algumas travessias, em Castanho e Jutaí, as 11h00 do dia 25 chegavam a Porto Velho, atravessando o Rio Madeira chegando em seguida em frente à Igreja do pastor Willian.
Após a oração de chegada almoçaram e saíram para conhecer a cidade.
Viram o Museu da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, e de trem foram ao povoado de Santo Antônio onde tiraram fotos.
Porto Velho é a capital e o maior município tanto em extensão territorial quanto em população, do Estado de Rondônia.
Com uma área de 34.068,50 km ² é maior que os Estados de Sergipe e Alagoas.
Foi oficializada em 2 de outubro de 1914, criada por desbravadores por volta de 1907, durante a construção da Estrada de Ferro.
Em plena floresta Amazônica e inserida na maior bacia hidrográfica do globo, onde os rios governam a vida dos homens, Porto Velho fica nas barrancas da margem direita do Rio Madeira, o maior afluente da margem direita do Rio Amazonas.
Sua história atual e moderna começa com a descoberta da cassiterita (minério de estanho), no velhos seringais no final dos anos 50, e de ouro do Rio Madeira, mas principalmente com a decisão do governo federal no final dos anos 70, de abrir nova fronteira agrícola no então Território Federal de Rondônia, como meio de ocupar e desenvolver aquela região segundo os princípios de segurança nacional vigentes, além de aliviar as tensões fundiárias principalmente nos Estados do Sul, por meio da transferência de grandes contingentes populacionais para o novo “Eldorado”.
Quase um milhão de pessoas migrou para Rondônia, e Porto Velho evoluiu rapidamente de 90.000 para 300.000 habitantes.
Mulheres para um lado, homens para o outro
Por ser pequena, a igreja não comporta todo o pessoal do projeto e mais os irmãos que lá residem por isso o primeiro passo foi alugar uma outra casa onde somente os homens ficariam.
Num calor quase insuportável iniciaram as atividades dando ênfase à RE.
O Jornal Alto Madeira um dos mais fervorosos críticos à Igreja de Unificação em 1981 fica na principal praça de Porto Velho, por isso, o diretor Jair achou melhor que ninguém fizesse ponto ali para dar testemunho e a exemplo de Boa Vista a prioridade eram as casas.
-Falem abertamente quem somos e o que fazemos, para que não haja transtornos.
Também como em Boa Vista, muitos batiam suas portas na cara, proferindo insultos e ameaçando. No entanto a maioria além de atender sem cerimônia, ofereciam água, vendo o sofrimento do pessoal, naquele sol e calor intensos.
Um dos irmãos (Marcelo) resolveu inovar pedindo ao pastor que o deixasse levar um quadro negro, para as praças mais distantes do centro.
-Minha ideia é que nessas praças, demos uma pequena introdução, e façamos a inscrição dos interessados para as palestras ali mesmo. O que o senhor acha?
-A ideia é boa e tudo o que contribua para o bom desenvolvimento do projeto será bem-vindo. Você tem a minha autorização, só não se arrisquem na praça do jornal.
Assim, ele e Renato, munidos de quadro negro, caixas de giz e fichas de inscrição iniciavam seu trabalho numa praça escolhida a olho.
Enquanto Marcelo dava introdução, Renato se encarregava de preencher as fichas com o nome das pessoas interessadas.
Era uma introdução rápida, mas que prendia o ouvinte.
No dia seguinte eles invertiam as posições.
No decorrer dos dias os resultados iam aparecendo, com muitas pessoas tendo curiosidade ou mesmo interesse em participar das palestras.
Entrevista com o Jornal Alto Madeira
Se o resultado era bom para a igreja o mesmo não se podia dizer dos líderes religiosos e dos políticos da cidade.
Para eles isso não era nada bom, pois, já estavam se sentindo incomodados.
No dia 8 de outubro, enquanto Renato coordenava uma palestra, chegaram alguns repórteres do Alto Madeira.
Foram entrando no quintal que não tinha muro e já se dirigiam para a entrada da casa quando Renato os interpelou.
-Estamos no meio de uma palestra e prefiro que vocês façam suas perguntas diretamente a mim, disse ele.
Mesmo sabendo que o que falasse sairia distorcido no jornal, Renato foi respondendo às perguntas capciosas.
Depois pediram para tirar algumas fotos no interior da casa onde havia algumas irmãs e foram embora.
Marta uma convidada de Renato achou a palestra interessante e precisava arranjar um tempo para participar do seminário de sete dias porque trabalhava em uma loja movimentada no centro da cidade.
No dia seguinte no jornal a frase: “Líder Moon está de volta a Porto Velho, praticando sua lavagem cerebral”. Ao lado da frase a foto de Renato sendo entrevistado.
Dentro do jornal a matéria completa com tudo que Renato não havia dito na entrevista e fotos das irmãs mostrando-as de uma maneira que parecessem dopadas.
(E olhem que naquela época ainda nem existia o Photo Shop).
Reunião em frente à casa do Reverendo Moon
Numa outra matéria um padre declarava em uma de suas missas que o povo tomasse cuidado.
-Devemos nos organizar para tirá-los daqui novamente, disse ele aos fiéis.
Haviam até colocado pessoas para investigar os passos dos membros da igreja, por isso a ordem era que agora não se desse mais nenhum tipo de testemunho nas praças.
-Vão para as vilas distantes do centro, não queremos e nem devemos colocar tudo a perder durante nossa estadia aqui, procurem despistar o máximo possível qualquer suspeito.
No dia 12 de outubro, um Vereador e sua esposa foram visitar o pastor William.
Eram amigos e a esposa (Ana), professora universitária na cidade, já havia inclusive participado do seminário de sete dias em Manaus.
Considerava-se um membro externo e embora não tivesse tempo por causa de suas funções na Universidade de dedicar-se a igreja, sabia muito bem o que acontecia lá dentro, ficando indignada com o jornal e principalmente com a ridícula ideia do padre de organizar o povo contra a igreja, falando agora em uma passeata em frente a ela.
Enquanto conversava, um grupo de jovens entrou no quintal.
Todos esperavam o pior quando Ana interferiu:
-Não se preocupem, são meus alunos da Universidade e não farão nada.
Levantou-se e foi falar com eles, que na verdade só queriam conhecer melhor a igreja.
-Só sabemos o que a senhora nos conta, e o que lemos no jornal Tribuna Universitária que eles publicam e que a senhora nos envia, disse um deles.
O pastor se encarregou de dar uma pequena introdução sobre o Princípio Divino afirmando que como o Novo Testamento, que foi escrito para substituir o Antigo Testamento, o Princípio Divino se colocava na posição do Novíssimo Testamento buscando colocar as coisas mais às claras, desvendando as parábolas e mistérios do Novo Testamento, por entender que os tempos eram outros e o ser humano diferente de 2000 anos atrás, tinha mais capacidade de entender as coisas.
Em uma pincelada explicou porque nos planos de Deus, a morte de Jesus não estava prevista e por isso todos buscam até hoje a salvação através das inúmeras igrejas existentes no mundo inteiro, e que o papel da Igreja de Unificação é justamente esse, unir todas elas num único pensamento e uma única busca pela salvação (Árvore da Vida).
Alguns jovens questionavam as palavras do pastor, porém sem críticas ou ofensas no vocabulário, talvez em respeito à professora que lá se encontrava, mas via-se nitidamente que eles não concordavam com uma única palavra.
Não concordavam, mas também não se posicionavam contra, por achar que cada um tinha o direito de acreditar no que melhor lhe aprouvesse.
Quando foram embora Ana comentou com o pastor que pelo menos aquele grupo não faria parte da tal passeata.
A mangueira salvadora
À noite a rádio local transmitia uma entrevista com o padre que alertava sobre o “perigo” que o reverendo Moon trazia para a sociedade, convocando mais uma vez a população para se reunirem diante da “casa do Moon”, como ele havia batizado.
A igreja como foi dito, era pequena e à entrada uma enorme mangueira escondia quase que totalmente sua frente, o que aliviava sobremaneira o calor dentro da casa.
A mangueira estava prestes a ter uma serventia bem maior do que apenas amenizar o calor.
Na tarde do dia seguinte 13 de outubro após retornarem da rua, os rapazes passaram na casa alugada para um merecido banho, e em seguida dirigiram-se para a igreja, para jantarem e orarem.
Ao se aproximarem, notaram algumas pessoas se aglomerando pelas imediações.
Logo em seguida viram também a Polícia Civil se posicionar ali por perto.
Eram 19h00 quando os primeiros baderneiros começaram a gritar “Fora Moon! Não queremos você em nossa cidade”.
A chuva de pedras
Mais tarde já com a rua tomada de gente começaram a chover pedras de todos os lados.
Firme, a mangueira recebia as pedras defendendo a casa evitando danos maiores.
Os rapazes que estavam na casa saíram junto com o pastor e o diretor Jair, pelos fundos, escalando um muro baixo, e saindo no quintal de um vizinho.
Dali correram para outras ruas, desaparecendo na pouca iluminação dos postes.
Naquela tarde, as irmãs junto com Mercedes haviam ido para a casa de Ana, levando consigo todos os objetos de valor da casa.
O pastor não sabia que dimensão aquilo poderia tomar e preferiu não esperar para ver. Com as irmãs a salvo, era um problema a menos para ele resolver.
A polícia começou a dar voz de prisão a todos os que ali se encontravam fazendo com que a situação ficasse mais ou menos controlada.
Na madrugada todos voltavam para dentro da igreja, mas, ninguém conseguiu dormir.
Renato começou a pensar em Marisa, nos filhos em seus pais.
-Será que isso por que estamos passando aqui vale a pena. Todo esse sofrimento e sacrifício, o risco de perder a vida nesse lugar tão distante e estranho?
Seu pensamento agora estava nos apóstolos de Jesus que após sua morte, acabaram impiedosamente perseguidos, tendo suas casas seus templos e tudo que se relacionasse com o cristianismo, destruídos, e muitas vidas tiradas.
Apesar de tudo, esse mesmo cristianismo perseverou se expandiu e sua semente germinou.
Então com um sorriso, Renato concluiu:
-Sim, vale a pena. Também estamos plantando a semente. A semente do Novíssimo Testamento do reverendo Moon.
Pela manhã as notícias dadas na rádio informavam sobre o ocorrido, alertando aos moonies que à noite eles voltariam em maior número.
Mesmo assim, os rapazes saíram para a RE. As irmãs continuavam na casa da professora Ana e a ordem era para que permanecessem lá.
Nas casas todos ou haviam lido o jornal ou ouvido a radio por isso a maioria nem sequer abriam suas portas e outros quando o faziam era para insultar.
Mais tarde todos sem nenhum resultado positivo voltavam para a igreja apenas para pegar o resto das coisas que tinham ficando lá e levaram para a outra casa que felizmente ainda não estava associada à igreja do reverendo Moon e na visão dos vizinhos eram apenas mais um grupo de estudantes universitários, dos tantos que existiam por lá.
Para que essa relação continuasse assim, o grupo fazia um enorme malabarismo para chegar a ela dando voltas às vezes em três ou quatro quarteirões e nunca juntos, para não chamarem a atenção.
Já começava a escurecer quando voltaram para a igreja. Grupos iam surgindo de todos os lados enchendo em pouco tempo toda a frente da igreja.
Desta vez ninguém fugiu pelos fundos e o diretor Jair pediu que todos se misturassem aos baderneiros.
A turma da universidade chegou junto com a professora para dar apoio, mas o pastor pediu para que não se envolvessem:
-O projeto vai embora daqui a uns dias, mas vocês ficarão e as consequências podem não ser nada boas.
Em poucos minutos chegava o causador de toda aquela balbúrdia: O padre.
Uma linda oração proferida por uma boca hipócrita
Ana ainda tentou conversar com ele e demovê-lo daquela ideia absurda, porém, ele estava irredutível.
Para fazer média pediu calma ao seu pessoal dizendo que “Violência só atrai violência”, e que as pedras que eles jogassem poderiam voltar contra eles em dobro.
Quem pudesse ler nas entrelinhas daquele falatório todo, podia entender o que ele estava insinuando: “Acabem logo com eles antes que revidem”.
Depois se uniu a todos, pedindo que rezassem um Pai Nosso.
No meio deles, os adeptos do reverendo Moon podiam sentir a hipocrisia em cada sentença daquela maravilhosa oração que Jesus ensinou, e que não merecia sair de uma boca tão hipócrita como a do padre.
Até que as pessoas e até mesmo a polícia (que até aquela hora não havia chegado), não entendesse a pregação da igreja era perdoável, mas o padre que como todos os outros padres das igrejas do mundo inteiro que conheciam os dogmas da Igreja de Unificação e sabiam exatamente qual era sua proposta, perseguir e tentar humilhar os membros era incompreensível e inaceitável.
Depois da oração ele retirou-se deixando a igreja à mercê dos vândalos.
Assim teve início a noite mais dramática na vida dos membros do I.O.W.C.
Pelo menos para aqueles que como Renato não tinham sofrido o revés de 81.
Fisicamente não tinham sofrido qualquer dano, mas o fato espiritual estava abalado e era o que contava naquele momento, pois aquela situação não deixava qualquer perspectiva quanto uma possível continuidade e resultado positivo do trabalho em Porto Velho.
Quem iria querer participar de uma conferência em um local visado por baderneiros e praticamente destruída?
Dormindo com Carapanãs
Durante dois dias o grupo ficou dentro da igreja consertando telhado, móveis e vidraças, além dos estragos dos telhados vizinhos, que ficaram por conta da igreja obviamente.
No terceiro dia o diretor pediu que todos voltassem à ativa, e já que haviam ficado famosos liberou para que dessem testemunho na “Praça do Jornal”.
Como era previsto, ninguém queria se arriscar a ter um envolvimento com aquele grupo estranho e sendo o resultado totalmente negativo, foi preferível ficar mesmo dentro da igreja, treinando conferência e rezando até que se completasse o tempo, pois, dias antes o diretor havia ligado para o Presidente em São Paulo explicando a situação pedindo autorização para encurtar a estadia, porém este foi taxativo:
-Mesmo que vocês fiquem apenas dentro da igreja ainda assim têm que cumprir o tempo determinado; estudem, rezem pelas pessoas que os perseguem, mas, cumpram o prazo.
Era isso que estavam fazendo agora.
As vezes saíam em dois ao anoitecer pelas ruas mal iluminadas só para esticar as canelas como se diz.
Ficavam até tarde nas praças no meio dos mosquitos (carapanã) como eles chamam lá.
De positivo mesmo somente alguns seminaristas que lá no início antes da malfadada entrevista com o jornal haviam iniciado e terminado o seminário de sete dias com alguns aceitando ajudar o pastor na sua caminhada.
Nem Marta que era a esperança de Renato, quis saber da igreja.
Muito pouco, para quem acreditava, poder realizar ali um excelente trabalho.
Finalmente o Presidente dava o aval para que saíssem da cidade.
De volta à Manaus e o famoso encontro das águas
Renato havia recebido uma carta de dona Gisa. As notícias haviam chegado à Uberaba e tanto ela como seu Carlos estavam apreensivos, assim como os pais e parentes dos outros irmãos e irmãs.
Ana e seu esposo vereador acompanharam o grupo até a rodoviária junto com o pastor e depois das despedidas ficaram aguardando o ônibus que os levaria a Manaus.
Renato aproveitou a longa espera para ligar para seu Carlos. Quando conseguiu falar, procurou acalmá-los dizendo que estava tudo bem e já estavam saindo de lá.
-Depois envio uma carta explicando tudo ok? Completou ele.
Outros irmãos aproveitaram para fazer o mesmo com os seus.
Em seguida o ônibus chegou e às 12h00 daquele 20 de outubro todos chegavam à balsa que os atravessaria até Manaus.
Almoçaram em um restaurante ali perto enquanto a balsa não chegava.
O semblante de todos estava mais tranquilo por causa da distância em que se encontravam do centro e não havia mais perigo de serem agredidos.
Por volta das 14h00 a balsa chegou e naquela uma hora de travessia, todos puderam ver mais nitidamente o encontro entre os rios Solimões e o Negro.
Já em Manaus entraram novamente no ônibus e foram para o depósito da Empresa Andorinha onde já de comum acordo com os donos iriam passar a noite.
O motivo de ficarem ali era porque estava tendo um seminário para professores universitários na igreja e não havia espaço para ficarem.
Enquanto os rapazes cuidavam da limpeza do local, as irmãs preparavam a janta.
Depois de um merecido banho em um belo jantar, foram assistir a uma partida de futebol na TV, que haviam comprado ainda em Manaus, junto com uma filmadora (felizmente nada disso fora roubado durante a invasão em Porto Velho).
Mais tarde após a oração foram dormir e pela primeira vez depois de tantos dias conseguiam ter uma noite tranquila.
No dia 21 o diretor Jair saiu para comprar as passagens para Belém e Renato pediu a ele que enviasse um telegrama para seu filho Eduardo que estava fazendo aniversário naquele dia.
Renato tentou se comunicar com seus filhos espirituais, mas não conseguiu.
Às 18h00 daquele mesmo dia, todos se dirigiram ao barco da Enasa que faria a travessia para Belém e às 19h45 o pastor Bernardo, aproveitando uma folga no seminário foi se despedir do grupo.
Renato aproveitou para deixar um bilhete para que ele entregasse aos seus filhos espirituais.
Pontualmente às 20h00 o barco zarpou.
Uma viagem fantástica pelo Rio Amazonas
Foram quatro noites e quatro dias viajando pela imensidão do rio Amazonas.
Cada um com suas redes compradas anteriormente armavam-nas em seus respectivos lugares (seriam sua cama durante toda a travessia).
Misturados ao restante dos passageiros, que traziam entre outras coisas, animais de criação e enormes malas, os membros só se lamentavam por causa do intenso cheiro de cigarro e das gracinhas que alguns dirigiam às irmãs, porém eram seres humanos e viviam as suas vidas, como já se dizia na própria igreja “Quem não conhece a lei não está sujeito a ela” e por isso estranhavam quando o grupo se reunia todas as manhãs e todas as noites no mesmo horário para rezar e cantar os hinos da igreja e sempre um curioso ou outro queria saber quem eram.
O diretor Jair havia proibido que se falasse sobre a igreja, pois estavam apenas viajando e não praticando a RE, mas permitiu que se desse os endereços das igrejas de Belém e de Manaus.
Renato e um dos irmãos se dispuseram a fazer vigília durante toda a viajem.
No dia 22 passaram por Itacoatiara, Jurity e Parintins onde o barco pegou uma carga de juta e alguns passageiros, depois passaram por Óbidos.
Já no dia 23 passaram por Santarém e em frente a cidade há o encontro entre o Amazonas e o Tapajós.
Ali desceram em terra firme e por volta das 10h00 embarcaram novamente acompanhando a faixa do Tapajós que é mais escura e adiante vai se afunilando até que o Amazonas tome conta.
Era o segundo dia de viajem e em alguns trechos via-se as duas margens do rio, em outros apenas uma margem e em outros ainda nenhuma margem, tão extensa era sua largura.
O barco entrou por um canal estreito e foi rio adentro até chegar na cidade de Monte Alegre, para pegar mais alguma carga e passageiros, depois retornou até sair ao largo novamente.
Populações ribeirinhas vinham com suas canoas bem próximo do barco onde as pessoas jogavam alimentos e roupas acondicionadas em sacos plásticos que eles habilmente recolhiam com seus remos.
De cima do barco o diretor Jair filmava tudo.
O rosto de todos da equipe estava radiante. Podia-se ver a alegria que estavam sentindo com aquela viajem, e os problemas de Porto Velho iam aos poucos ficando para trás.
Ainda no dia 23 passaram por Prainha.
Renato continuava junto com o irmão a fazer vigília e se encarregava de acordar o restante do pessoal às 5h00 para a oração coletiva.
Depois do café os dois tentavam descansar um pouco, mas, a adrenalina daquela viagem maravilhosa não os deixava dormir e preferiam acompanhar tudo.
No dia 24 passavam por Almerim, Porto de Moz, Gurupá, Antonio Lemos e Breves.
O diretor reuniu todo o grupo falando da confiança que já tinha em algumas pessoas da equipe e a preocupação com outras, sem citar nomes.
Nesse meio tempo passavam pela baia de Curralinho e em seguida pela baia de Marajó com sua ilha ao fundo e os búfalos às suas margens.
Revendo os filhos espirituais
No dia 25 entravam na baia de Guajará chegando a Belém onde se dirigiram à Alfândega para as vistorias necessárias e as vacinas que deveriam tomar.
Ficaram até o dia 27 com o trabalho de RM para repor os gastos do projeto até ali, visto que em Porto Velho não haviam conseguido resultado algum.
Às 19h30 daquele dia já no jumbão partiam em direção à Brasília.
O pessoal havia dado um presente ao pastor Cardoso que agradeceu emocionado.
Naqueles dois dias em que lá ficaram Renato pode abraçar seus filhos espirituais e até sair com eles para a RM.
Sentia-se gratificado por isso, mas sem demonstrar orgulho, pois esse sentimento não fazia parte do dicionário da igreja.
Imperatriz - A Sibéria brasileira
Já a caminho passaram por Açailândia no Maranhão e em seguida entravam em Imperatriz onde novamente foram a casa dos pais de Flavio.
Agora sim tinham tempo de conhecer um pouco da cidade, pois, ficariam até o anoitecer.
Sem perda de tempo, tomaram um rápido café e foram para a RM.
A história política de Imperatriz é marcada por conturbações e tragédias. O município esteve sob intervenção durante 15 anos ininterruptos.
Além disso a cidade carrega sobre si o peso do descaso do governo do Estado desde o seu início, pois, por estar distante da Capital, Imperatriz sempre se viu marginalizada pelos governos maranhenses e por muito tempo foi chamada de “Sibéria Maranhense”.
Em 1924 a Vila tornou-se cidade.
Atualmente, Imperatriz tem menos de 10% do seu território original e é o maior centro de abastecimento regional de prestação de serviços, influindo fortemente na economia do Norte, e, de todo o Estado do Maranhão.
Seu clima é tropical, quente e seco no verão e úmido no inverno, com temperatura máxima em julho de 33,9º e mínima em agosto de 20,6º.
Por volta de 19h00 partiam em direção a Brasília, passando novamente por Anápolis.
A nova Igreja de Brasília
A igreja de Brasília estava agora em outro local. Mais ampla com diversos dormitórios e uma grande área verde.
O motivo da nova aquisição era a necessidade em receber e acomodar as pessoas para os seminários de sete, vinte e um e quarenta dias, realizados com líderes políticos, religiosos e professores universitários.
A igreja não podia ser acusada de se omitir perante essas grandes figuras priorizando apenas os menos favorecidos.
Jesus não pregou só para o pobre, mas foi em busca dos líderes e senhores da lei também.
O que se ensinava ao pobre era o mesmo que era passado aos medalhões. Essa era a atitude da igreja.
Claro está que para os “grandes” esse ensinamento era mais calcado na realidade da situação mundial, coisa que os menos afortunados não entenderiam, mas o conteúdo bíblico era o mesmo e querer fazer diferente era como contar uma historinha infantil a um adulto e vice e versa.
Assim como a igreja de Brasília, São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro e outras capitais, estavam se moldando e se preparando para enfrentar grandes desafios.
Renato procurou por Lílian, mas ela havia ido com o pastor e outros recém membros internos, para São Paulo, participar do projeto MFT.
O grupo ficou até 23h00 e depois foi embora.
O diretor Jair pediu a Renato que fizesse vigília enquanto os motoristas Tiago e Maurício se revezavam no volante.
Às 3h25 entravam em Minas passando por Araguari.
Revendo Marli
Chegaram a Uberlândia e pararam na igreja para fazer a Cerimônia de Inclinação junto com o diretor Marcio e Marli que ficou feliz em rever Renato sem nenhum arranhão.
Como nas outras igrejas a de Uberlândia também ficara sabendo dos acontecimentos em Porto Velho.
De lá o grupo seguiu para Uberaba e foi para casa dos parentes de uma das irmãs onde tomaram lanche.
Enquanto isso Renato foi ver sua sogra, porém, ela não se encontrava, tinha ido a São Paulo.
Conversou com o sogro que ainda não se conformava com as idas e vindas de dona Marina para São Paulo, Belo Horizonte e Uberlândia.
-Ela não para em casa um dia sequer.
-E assim mesmo a vida de um adepto do reverendo Moon seu Jaime. Se a gente for parar para pensar no que fazer acaba não fazendo nada, respondeu Renato. Veja meu exemplo, em menos de um ano já estive por mais cidades do que a maioria dos viajantes que existem por aí.
-Vocês são uns loucos mesmo.
-Por um lado essas viagens sem um paradeiro fixo, faz com que a gente não construa nada palpável, mas por outro é interessante porque conhecemos novas culturas. Além do mais esse é o trabalho da igreja, levar a palavra de Deus através da evangelização ao maior número de pessoas possível e nos lugares mais distantes do Brasil. E não somos apenas nós da Igreja de Unificação que fazemos isto, outras igrejas, evangélicas, e católicas também enviam seus missionários para lugares distantes.
-É, mas eu preferia toda minha família aqui comigo.
Renato cortou aquela conversa dizendo que iria ver seus pais.
Dona Gisa e seu Carlos também não estavam em Uberaba, tinham ido à Santos.
Ao anoitecer todos entraram no ônibus e por volta de 21h30 estavam em frente à Sede da igreja.
Renato encontrou com dona Marina que havia ido buscar material de restauração para o pessoal de Uberaba.
Conversaram sobre os acontecimentos e o assunto claro só podia ser sobre Porto Velho, embora ela já soubesse de tudo, pois, as igrejas se comunicam através de telefonemas e relatórios enviados entre si e, também, para o reverendo Moon.
É ele quem dá a palavra final sobre todas as decisões.
Foi por isso que o grupo que em Porto Velho, ainda não tinha completado o prazo de um mês na cidade, teve que esperar mesmo correndo grandes riscos.
Havia a necessidade de que se aguardasse sua posição quanto a saírem ou continuarem o trabalho sem resultado nenhum.
Dona Marina falou também sobre o trabalho em Uberaba que estava bastante desenvolvido e que o senhor Mauricio havia se tornado um líder nas decisões, já que ela estava constantemente viajando para Belo Horizonte e São Paulo.
Marisa também estava forte em seu trabalho participando do MFT e viajando pelas cidades de Minas.
Eduardo e Vinícius estavam bem.
Eduardo agora com sete anos já entendia mais ou menos o trabalho da mãe e do pai e Vinícius ainda com dois anos, ainda não sabia o que acontecia ao seu redor, mas já estava falando direitinho, inclusive quando se referia ao pai dizia patô Renato (pastor Renato).
Pediu a dona Marina que cuidasse bem dos seus filhos espirituais em Uberaba, pois ele na medida do possível estava fazendo a sua parte, assim como Marisa.
Mudança no itinerário do I.O.W.C.
O I.O.W.C. ficou uma semana em São Paulo e depois disso foi determinado que os três grupos saíssem pelos Estados apenas para fazer a restauração material RM.
O grupo de Renato que havia ido para o Centro Oeste e Norte, tinha agora o Sul como destino. O grupo do Nordeste foi para o Norte e Centro Oeste e o do Sul para o Nordeste.
Curitiba - A Metrópole progressista
Aos 0h45 do dia 8 de novembro de 1983, partiam no Jumbão em direção à Curitiba, passando por diversas cidades até pararem em frente à igreja da pastora Ivete.
Antigo pouso dos tropeiros que levavam gado desde o Rio Grande do Sul até São Paulo e Minas Gerais, Curitiba tornou-se em três séculos uma metrópole progressista com elevado padrão de qualidade à sua população.
Sem ter atrativos naturais a cidade construiu seu próprio cartão postal e transformou-se num polo turístico.
Ópera de Arame, Pedreira Paulo Leminski, inúmeros parques, Jardim Botânico, a Universidade do Meio Ambiente toda construída em madeira e muitos outros locais agradáveis.
Seu premiado sistema de transporte copiado no Brasil e mundo a fora, com suas estações tubo, ciclovias que atravessam a cidade e os ônibus biarticulados, dão a Curitiba um ar futurista.
Encravada 934 metros acima do nível do mar, é a maior cidade serrana no Brasil e orgulho de sua gente.
Para os membros do I.O.W.C, que estavam ali no intuito da RM, com produtos que precisavam ser vendidos de porta em porta, porém, a cidade não se mostrava favorável, fazendo com que o grupo optasse por viajar para outras cidades como Paranaguá, São José dos Pinhais etc.
São José, agora totalmente diferente da cidade que Renato havia conhecido em 77. Mais moderna com muitas de suas calçadas transformadas em calçadão, um grande comércio e uma linda rodoviária, reflexo da boa administração do Governo do Estado.
Em Paranaguá por volta de 1h00 da manhã, Renato e mais três irmãos estenderam esteiras no gramado próximo à rodoviária e dormiram até os primeiros raios de sol bateram em seus rostos.
Levantaram e voltaram à rodoviária para se levarem e tomar um café.
Às 8h00 o dia já estava bastante quente, fazendo com que muitas pessoas se dirigissem à praia.
Os moradores que os atendiam diziam que eles deviam ir para a festa do Rocio, que mais tarde foram descobrir tratar-se de Nossa Senhora do Rocio, padroeira da cidade.
A festa é muito bonita, com shows musicais, barracas coloridas que dão um toque especial à comemoração.
Ali os quatro expuseram seus quadrinhos na calçada em frente à igreja e até o final do dia, venderam tudo o que tinham levado.
Voltaram para Curitiba e dias depois partiam para Porto Alegre.
Porto Alegre - A terra sem males
Era o dia 16 de novembro de 1983.
No dia 17 por volta de 3h00 da manhã estavam na igreja do pastor Nelson.
O esquema de trabalho seria o mesmo apenas com a diferença e que não querendo cometer o mesmo erro de Curitiba, o diretor tratou de dividir o grupo em dois, deixando um na capital e cidades ao seu entorno e outro indo para o interior do Estado.
Renato ficou com o grupo da capital indo também para as cidades próximas como Esteio, Canoas além de Guaíba, cidade localizada na outra margem do Rio Guaíba.
Há pelo menos três mil anos, a região do grande lago já era habitada por caçadores nômades que deixaram seus vestígios em seis sítios ecológicos da região.
Conforme os historiadores, os indígenas tupis-guaranis chegaram à região, vindos da Amazônia em busca da mitológica “Terra Sem Males”, dois mil anos atrás.
Eles exterminaram moradores locais como mais tarde seriam dizimados pelos homens brancos.
Os primeiros europeus a chegarem na região foram os beneficiários do sistema de concessão de sesmarias.
Foi assim que Jerônimo Ornellas se tornou dono de vastos campos próximos ao Guaíba em 1732.
Duas décadas depois quando os descampados do extremo sul se tornaram Meca das hordas de imigrantes, chegaram 60 casais portugueses vindos das ilhas de Açores.
A intenção era atingir a serra, mas eles acabaram erguendo cabanas cobertas de palha e permanecendo à margem do falso rio.
Por obra e graça dessa gente o povoado passou a ser conhecido por um nome de sonoridade romântica, Porto dos Casais. O romantismo, porém, limitou-se apenas ao nome.
Inexperientes e desamparados pelas autoridades brasileiras, os 340 desbravadores enfrentaram a fome e a doença.
Em 26 de março de 1772, data oficial do aniversário da cidade, a povoação foi reconhecida como uma nova freguesia e, passado um ano, seu nome mudou de São Francisco do Porto dos Casais para Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre. Ainda em 1773 assumiu a condição de Capital, substituindo Viamão.
Nas cidades visitadas pelo I.O.W.C. a conversa era a mesma. Falta de dinheiro, resultado da galopante inflação que assolava o País.
Renato pediu ao pastor que o deixasse fazer um jejum de 3 dias para que ele continuasse forte em seu propósito e para que Deus olhasse por sua esposa e filhos já que a saudade que sentia deles era uma coisa que igreja nenhuma podia impedir.
Como já foi explicado anteriormente, existem 3 tipos de jejum: Pessoal, Familiar e Coletivo.
Sendo o propósito de Renato, familiar e individual o correto é que fizesse um jejum de 3 dias, porém, como o objetivo do projeto I.O.W.C. era a RM, o pastor achou melhor que ele não se aprofundasse em um jejum longo, permitindo que ele fizesse um jejum de 40 horas.
Após o trabalho nas cidades e, também, na bela Capital onde o grupo pode conhecer vários bairros bonitos e bem planejados com suas ruas arborizadas com pés de macieira, no dia 17 de dezembro novamente punham o pé na estrada agora com destino à Santa Catarina.
Florianópolis - O nome que os "Manezinhos da Ilha" detestam
Passaram primeiro por Criciúma onde às 5h00 da manhã todos em uma praça no centro começaram a preparar o material de restauração, os famosos quadrinhos colados em Eucatex com gravuras diversas.
Ficaram na cidade até 18h00 viajando em seguida para “Floripa” como é chamada por seus habitantes a Capital Florianópolis, nome aliás dado em “homenagem” ao Marechal Floriano Peixoto que em 25 de abril de 1894 mandou trucidar os filhos da cidade, entre mais de 179 personalidades políticas, estudantis e expoentes da intelectualidade embora o mesmo tentasse se isentar de culpa via defesa, imputando-a a Moreira César que era violento e sanguinário por natureza.
“Espera-se até hoje que a sensibilidade da nossa classe política, a que está afeta a responsabilidade legal de denominar nossos logradouros e cidades, resgate esta vexatória homenagem, sepultando e substituindo definitivamente o atual nome da capital catarinense”.
A medida impõe-se não apenas para ratificar o erro histórico e resgatar o orgulho ferido, mas porque os homenageados deveriam ser os que tiveram suas vidas imoladas em defesa da liberdade e da autonomia, e não quem ordenou seus assassinatos.
A cidade é uma linda ilha com a melhor qualidade de vida do Brasil.
Colonizada por açorianos, é marcante a arquitetura de suas casas do período colonial. O povo acolhedor possui um sotaque bastante peculiar e são conhecidos como “Manezinhos da Ilha”.
Para os propósitos do I.O.W.C., porém “Floripa” é uma cidade pequena mesmo porque os próprios membros da igreja passam semanalmente pelos mesmos lugares e com todo o tipo de material, desde lanchinho tipo Wafer, quadrinhos em Eucatex até quadros em metalogravura (aqueles cujas figuras tem um tom dourado ou prateado).
Por isso mesmo o diretor Jair dividiu a equipe em grupos e aqueles que no Rio Grande do Sul saíram para o interior, aqui ficariam na capital enquanto que o grupo do qual Renato fazia parte iria para o interior.
RM pelas cidades de Santa Catarina
Começaram por Itajaí cidade portuária de Santa Catarina, indo ao anoitecer para a cidade de Blumenau. Uma cidade linda com um grande histórico de tragédias advindas das fortes chuvas ocorridas no ano anterior.
O povo é muito hospitaleiro, e conversando com o Secretário de Turismo, Renato acabou conhecendo um pouco da cidade.
Blumenau chama a atenção pela beleza, pela prosperidade, qualidade de vida, limpeza e alegria.
Sua origem essencialmente germânica é encontrada por todos os lados seja na arquitetura típica onde as casas mantêm viva a memória de seus antepassados, seja na comida á base de carne de porco e frango.
O apego bastante forte ao trabalho e ao progresso fez com que grandes empresas surgissem na região, tendo seus produtos de cama, mesa, banho, malhas e cristais, comercializados nos quatro cantos do mundo.
A tradição germânica unida ao coração brasileiro faz do blumenauense um povo que sabe amar a vida como ninguém.
A Oktoberfest, a segunda maior festa do Chopp do mundo, recebe visitantes de todo o Brasil e do exterior.
O grupo passou também por Gaspar, Brusque e Joinville.
Nesta última, a população é composta em sua maioria de europeus, e, como em Blumenau e outras cidades citadas acima o povo é extremamente educado e comportado em sua maneira de vestir e de falar.
As moças com seus trajes elegantes fazem achar que realmente se está em outro país.
No dia 24 de dezembro todos voltavam à Florianópolis e no dia 25 faziam a Cerimônia de Inclinação.
Renato voltou seu pensamento para um ano antes quando ainda estava em Uberaba com a família, os sogros e todas as pessoas que conheceram a Igreja e a aceitaram.
Quanta coisa aconteceu depois disso.
Agora estava ali, longe, porém, feliz por sentir-se útil aos propósitos da Igreja na tentativa de construir um mundo melhor para as gerações futuras.
Naquele dia todos foram para a Praia da Armação onde ficaram até o anoitecer.
Depois retornaram e se prepararam para viajar.
Perdendo o rumo de casa
No caminho em direção ao Paraná passaram por cidades pequenas como Rio do Sul, Taió e outras cidades ainda menores, que por assim ser não traziam o resultado esperado em relação a RM, por isso o diretor Jair optou para que o grupo se concentrasse nessa ação a partir do Paraná, que ali na divisa com Santa Catarina tinha algumas cidades maiores.
A ideia era que também eles rumassem em direção a São Paulo para que tivessem tempo de chegar no dia 31 à Sede Central.
Iniciaram a viagem com destino a Ponta Grossa com o relógio marcando 23h55 do dia 27.
Inadvertidamente, porém, em um trevo em Florianópolis Tiago (motorista do Jumbão) acabou tomando a direção errada e tanto ele quanto Renato que estava lhe fazendo companhia durante a viagem (vigília), só foram se dar conta disso quando viram uma placa indicando a cidade de Tubarão, cidade em direção ao Rio Grande do Sul.
Sem acreditar no que estava acontecendo, Tiago parou em um posto apenas para se certificar do óbvio. Realmente estavam na direção errada.
Ainda teve que ouvir o riso zombeteiro do frentista.
Foram quase 160 km desperdiçados e isso fez com que os planos fossem mudados e Ponta Grossa saísse da rota iniciando a viagem com destino ao interior do Estado próximo ao Paraná passando por Porto União (SC) e União da Vitória (PR).
Já em União da Vitória Renato ligou para Belo Horizonte para falar com Marisa e os filhos e lhes desejar uma passagem de ano cheia de paz.
Marisa comunicou que seu Carlos havia ido ao Jornal da Manhã, periódico de Uberaba para acusar o reverendo Moon de ter sequestrado seu filho.
Renato estranhou o fato, pois, seu pai nunca havia se intrometido em suas ações e até estava aceitando seu trabalho depois da visita de Reinaldo e a sobrinha a Uberlândia.
Ligou para ele não para reclamar e sim para dizer que estava tudo bem e que ele e dona Gisa não se preocupassem. Desejou a eles um feliz ano novo.
Do outro lado da linha seu Carlos emocionado perguntou-lhe se iria com a família para Uberaba na virada do ano e então Renato entendeu o porquê de sua atitude.
Era tradição que o Natal, seus filhos passassem com quem eles quisessem, porém, o Ano Novo, Renato, Reinaldo e suas famílias tinham de estar juntos com ele.
Reinaldo devido ao trabalho na Baixada Santista há muito não fazia isso e Renato já caminhava para o segundo ano longe dele.
Numa atitude impensada prevendo que ficaria mais um ano sem os filhos, correu para o jornal na esperança de quem alguém soubesse do paradeiro de Renato.
Renato então respondeu que mesmo querendo estar em sua companhia, não poderia, pois, se encontrava distante, mas, que em pensamento estaria com eles.
Falou também com a mãe que lamentava sua ausência.
Naquele mesmo dia viajavam para Rio Negro por uma estrada muito ruim.
Incrível como cidades lindas tanto de Santa Catarina quanto Paraná pudessem ter estradas tão malconservadas naquela parte.
Rio Negro faz divisa com Mafra em Santa Catarina e as cidades são divididas por uma ponte sobre o rio do mesmo nome.
O grupo todo fez questão de tirar fotos com um pé em Santa Catarina e o outro no Paraná. Em seguida trabalharam nas duas cidades.
Passando por Registro e Iguape
Na noite do dia 30 rumaram com destino a São Paulo passando por Registro.
Prepararam o material e o diretor dividiu o grupo em dois, mandando o grupo em que se encontrava Renato, para Iguape.
Era a primeira vez que ele conhecida a cidade da qual ouvira falar por causa da Festa de Bom Jesus de Iguape realizada no dia 6 de agosto e que reúne milhares de turistas e devotos.
Mais tarde todos se reuniram e agora sim, tinham o destino da Sede Central sem paradas pelo caminho, mesmo porque não tinham tempo para tal.
Chegavam defronte à Igreja às 17h00 do dia 31 encontrando-a apinhada de gente com irmãos de todas as partes do Brasil entre elas os filhos espirituais do Projeto I.O.W.C.
A noite já com todos reunidos iniciou-se a Cerimônia de Inclinação onde em um sermão o Presidente falou do trabalho do I.O.W.C. agradecendo a Deus pela evolução dos membros durante a trajetória.
Falou também da tristeza de Deus ao ver que poucos são os que realmente conhecem o significado de um Natal e uma passagem de ano e que apesar das frases decoradas poucos são os que desejam de coração um Feliz Natal e um Ano Novo de Paz.
Preocupados apenas com o que vão ter na mesa para a ceia e na troca de presentes, fazem dessa data um verdadeiro comércio.
O dia 1° de janeiro foi reservado apenas para que todos se divertissem sem se preocupar com RM, RE, e no sítio no Riacho Grande todos puderam comemorar o ano que se iniciava.
Não haveria mais as longas viagens e o trabalho do I.O.W.C. seria modificado.
Os três ônibus agora serviriam para outros propósitos como o M.F.T. algo como o I.O.W.C. em menor escala.
O trabalho de Igreja no Lar e treinamento de Hapi-Ki-Do
Segundo o líder a providência de Deus para os três grupos agora, seria de aperfeiçoamento para as palestras de 7 dias e o trabalho de Igreja no Lar, trazendo com a experiência adquirida durante as viagens o maior número de pessoas para os seminários realizados no próprio sítio.
Também realizariam um treinamento de Hapi-Ki-Do, uma luta marcial que traduzindo, significa: Força, Espírito, União e Caminho.
Além disso, continuariam com a RM.
Em um relatório enviado pela Sede Central enviado pelo Presidente, o líder da Igreja no Brasil Ver. Kim dava conta de que o trabalho do I.O.W.C. havia sido gratificante com muitas pessoas assumindo a condição de membros internos e outras tantas como externas, além de simpatizantes de peso como médicos e professores universitários.
Com o dinheiro arrecadado pelo Projeto a Igreja conseguia comprar a tão sonhada casa no bairro do Ipiranga.
Com relatório tão positivo, todos os participantes do projeto esqueciam de vez os inúmeros revezes pelos quais haviam passado.
A boa e a má notícia
Era o dia 2 de janeiro de 1984 e o líder da Igreja chamou Renato e mais dois irmãos, comunicando-os que se preparassem porque em breve receberiam a benção.
Renato se emocionou com a notícia, pois, todo o seu trabalho e também o trabalho de sua esposa estava sendo recompensado mais rápido do que podiam imaginar.
Agora poderiam estar novamente juntos no amor verdadeiro de Deus, junto com seus filhos, e dos filhos que certamente ainda teriam.
Marisa com certeza também estava vibrando com a notícia.
Dias depois Renato foi interrompido em seu treinamento de Hapi-Ki-Do, por um estranho recado:
-O Presidente pede que você vá imediatamente à Sede Central, informou o irmão portador do recado.
Renato tomou um banho rápido e entrou no carro junto com o irmão.
No caminho ia pensando qual a notícia o Presidente daria a ele.
“Será que ele já vai me pedir para providenciar o passaporte para receber a benção”.
Pouco depois estava na Igreja, diante do Presidente.
-Sente-se Renato, pois, a notícia que tenho para lhe dar não é nada agradável.
Renato engoliu em seco.
-Sua esposa não pertence mais a Igreja. Ela foi embora para a casa da família de um dos irmãos de Belo Horizonte, os dois abandonaram a Igreja.
Aquele talvez tenha sido o maior soco no estomago que Renato já recebera.
Maior que o da garota de Garça, e maior até que no dia em que foi desbancado do emprego do tio de Marisa.
Gaguejando, sem chão e sem entender exatamente o que acabara de ouvir sua primeira reação foi perguntar pelos filhos.
-Eles continuam na Igreja com sua sogra, mas, provavelmente ela irá buscá-los.
O coração de Renato parecia querer explodir e a vontade de chorar ficou presa na garganta quase sufocando.
-Acalme-se, esse sofrimento não vale a pena. Deus sabe o que faz, talvez não seja ela o melhor para a sua felicidade. Lembre-se que o reverendo Moon, sabe de todos sentimentos de seus membros e com certeza saberá qual a pessoa certa para você.
Diante de tudo aquilo, só restou a Renato voltar para o sítio. Preferiu ir de ônibus mesmo, pois, queria ficar só com seus pensamentos.
Ainda não havia engolido realmente aquela notícia e rezava para que tivesse sido um engano, um erro de informação.
Não era possível que depois de terem passado por tantos obstáculos com o objetivo de salvar o casamento, Marisa estivesse jogando tudo para o alto.
Já no sítio teria mais uma má notícia, aliás, uma péssima notícia.
O filho do reverendo Moon acabara de falecer vítima de um acidente de carro.
Renato sentiu-se mesquinho. Seu problema nem sequer se comparava ao sentimento de dor que estava no coração de um pai.
Não conseguiu chorar embora um grande aperto tomasse conta de seu peito.
Só foi desabafar no final da oração feita ao meio dia dedicada ao seu filho.
Os irmãos que estavam na sala se afastaram deixando-o só entendendo sua situação.
Bem mais tarde já aliviado, ligou para BH com algum fio de esperança de que aquilo realmente fosse um engano.
Sem engano, do outro lado da linha dona Marina confirmava o fato.
No dia 4 de janeiro todos retomavam os treinamentos de Hapi-Ki-Do e Renato procurou relaxar deixando os problemas um pouco de lado.
Ficou decidido que o treinamento seria das 6h00 ao meio dia e depois do almoço todos iriam para áreas determinadas pelo presidente, num trabalho de anticomunismo, distribuindo o Jornal Tribuna Universitária e procurando falar o mais abertamente possível às pessoas sobre os perigos do comunismo no Brasil.
As noites ficariam reservadas ao treinamento de conferência.
Fazendo vigília
Na esperança de que Marisa voltasse atrás e tentando contribuir para que isso acontecesse, Renato ofereceu uma cota de sacrifício.
Fortes rumores davam conta de que devido ao sucesso conseguido com a Igreja no Lar, trazendo inúmeras famílias para a igreja, aqueles “inconformados” estavam se reunindo para invadir e destruir o sítio.
Renato pediu autorização para que a partir daquela noite e todas as noites seguintes, fizesse vigília, durante um mês.
Um dos diretores administrativos do sítio consentiu desde que ele o fizesse em companhia de outro irmão.
-Tudo bem, eu concordo, mas o revezamento só será entre os irmãos, eu continuarei até completar os trinta dias.
Acordo firmado, Renato passava as noites no meio da escuridão, rodeado de mata espessa, andando por toda a extensão do sítio. Com ele o irmão que estivesse no plantão.
O local era propício a uma emboscada que graças a Deus nunca aconteceria.
Às 5h00 acordava todos e depois de um breve cochilo, levantava por volta de 7h00 para iniciar o dia.
Depois do café saia para a RM por cidades próximas. São Bernardo, Ribeirão Pires, Mauá, Santo André e São Caetano cidades que por serem próximas permitiam que ele retornasse para acompanhar os estudos e se preparar para a próxima vigília.
Revendo Reinaldo e a família
Numa dessas saídas acabou encontrando Reinaldo no Centro de Ribeirão Pires, e aceitou o convite para almoçar com ele.
Reviu Lia e os sobrinhos que a tanto não via.
Passou o dia todo em sua casa, jogando bola, e jogando conversa fora. Fazia tempo que não batia um bom papo com o irmão.
Reinaldo não acreditava que em tão curto espaço de tempo, o irmão tivesse estado em tantos lugares do País e que havia passado por poucas e boas principalmente em Porto Velho.
-Eu sabia de alguma coisa porque o pai me contava, mas não com esses detalhes, disse ele enquanto almoçavam.
Lia ficara boquiaberta com aquela história.
-Vocês são um bando de loucos, brincou ela.
-Somos sim, mas é uma loucura em busca de um mundo melhor. Valeu a pena cada minuto que passamos, retribuiu Renato com um sorriso intimamente triunfante.
O clima na casa estava tão agradável que quando Reinaldo perguntou sobre Marisa, Renato preferiu omitir a situação.
Cedo ou tarde ele saberia.
Por volta de 17h00 despediu-se de todos e reafirmou o convite feito ainda em Uberlândia para que eles fizessem o seminário de sete dias.
-Vai haver um seminário no início do mês, eu volto a entrar em contato.
Por causa da vigília e a RM, Renato acabou deixando o treinamento de Hapi-Ki-Do
Contato com os filhos
Segundo o presidente, sua preocupação a partir dos acontecimentos envolvendo Marisa, seria outra.
Conversando com uma das advogadas da igreja, esta, o aconselhou a ir o quanto antes a Belo Horizonte, para definir sua situação, pois, havia a suspeita de que Marisa poderia buscar seus filhos.
Assim o presidente permitiu que ele fizesse a RM em prol de sua viagem.
-Você vai á Decolar e apanha o material necessário para a RM, depois que fizer um bom dinheiro você paga a loja e começa a comprar a vista com o lucro que obtiver nas vendas, com isso vai fazendo um caixa para você também.
Isso com certeza irá te ajudar nas situações que ainda estão por vir em sua vida.
Decolar era uma loja que a igreja mantinha e que fornecia materiais diversos para os membros na prática da RM.
Com certeza o presidente estava se referindo a uma possível saída de Renato como missionário em alguma cidade.
Renato passou a trabalhar para si e já no primeiro dia em Santo André conseguiu o dinheiro para pagar o que devia na loja, sobrando um pouco para novas compras.
Assim começou a aprender a administrar seu próprio negócio e embora ainda não soubesse isso o ajudaria em sua futura caminhada.
Graças à experiência adquirida em Uberaba e durante a trajetória no I.O.W.C. estava se saindo muito bem.
Já estava guardando o dinheiro da viagem.
No dia 29 de janeiro de 84 a pastora de BH veio à São Paulo com dona Marina e trazia com ela Eduardo e Vinícius.
Sua vinda bem como a dos demais pastores se dava em razão de uma convocação para um sermão com o líder da Igreja na Coréia do Sul.
Porta voz do reverendo Moon, ele trazia importantes mudanças já a partir daquele ano.
Após o sermão houve uma festa de confraternização e Renato aproveitou para conversar com dona Marina.
Queria saber o que realmente havia acontecido com sua filha e se não havia uma maneira de consertar aquilo.
-Sem chance filho. (ela o chamava assim por que era sua mãe espiritual, afinal fora ela que lá no ano de 77 lhe fizera o convite para conhecer a igreja).
Não há outra solução, a não ser a separação.
-Estou me preparando para ir o mais breve possível a BH. Quero resolver isso de uma vez por todas.
-Seus filhos vieram com a pastora e estão na casa de minha cunhada, disse ela. Amanhã você poderá vê-los.
-Pelo menos isso, disse ele suspirando e com o coração acelerado. Já fazia algum tempo que tinha se separado dos meninos e estava ansioso para vê-los.
A pastora se aproximou dos dois e disse que aproveitando que estava em São Paulo, levaria as crianças ao dentista da família e que Renato poderia encontrá-los lá.
Por volta das 8h00 de posse do endereço foi ao consultório dentário.
Uma alegria imensa tomou conta dele. A sua frente estavam seus pequeninos.
Não conseguiu conter as lágrimas e correu abraçá-los.
-Como vocês cresceram meninos disse. Eduardo já estava com sete anos e Vinicius faria quatro em fevereiro.
Pediu permissão ao presidente para que pudesse passar o dia com eles, no que foi prontamente atendido.
Saiu com eles e dona Marina para passarem a tarde no Museu Ipiranga onde estenderam uma toalha no jardim e saborearam algumas guloseimas que ela havia levado.
Deu-se conta de que teria de levá-los à Sede Central onde a pastora os esperava, e voltar para o sítio para fazer a vigília.
Na Sede, despediu-se deles já com saudade. Naquela noite mesmo eles voltariam para BH.
Após completar os trinta dias de vigília dormindo menos de três horas por dia, longe de se sentir enfraquecido e cansado, Renato estava mais forte do que nunca.
Como nos jejuns, quando o corpo se acostuma a não receber alimento, assim também acontece com as vigílias. Com o tempo o corpo se acostuma a dormir aquele tempo.
Já com uma boa quantia guardada para a viagem e para manter-se durante sua estada em Belo Horizonte, Renato partia em 1º de fevereiro de 84.
Tentando uma separação amigável
Às 7h00 do dia 2 estava desembarcando na rodoviária de BH.
Ainda em São Paulo havia iniciado um jejum à meia noite com o consentimento do presidente. Queria sentir-se forte e preparado para quando estivesse diante de Marisa.
Quando chegou à igreja as crianças já estavam acordadas e ficaram felizes ao vê-lo.
Eram inocentes e sequer imaginavam o que estava acontecendo.
Há algum tempo não viam a mãe, e o pai sempre ás voltas com as viagens agora parecia para eles um porto seguro.
Mentalmente pedia que tudo se resolvesse logo, e que Marisa caísse em si e voltasse atrás para o bem deles. Era nesse fio de esperança que ele se agarrava.
-Marisa o espera em frente ao Fórum disse dona Marina, tirando-o de seu devaneio.
10h00 da manhã dona Marina e Renato estavam sentados em um banco do jardim em frente ao Fórum de BH, já estavam ali há meia hora e nada de Marisa aparecer.
Esperaram ainda quase duas horas e como ela não chegava, voltaram para casa.
Á noite ela ligou para a igreja querendo falar com Renato. Pedia que ele se encontrasse com ela no dia seguinte ás 20h00 no Parque Municipal sozinho, pois, tinham muito o que conversar.
Era meia noite e ele fazia o dejejum pensando no que fazer quando estivesse diante dela.
-Porque será que ela quer que eu vá sozinho e porque nesse horário?
Na noite seguinte estava diante dela.
Seu coração bateu acelerado e seu primeiro impulso foi de abraçá-la, porém se conteve.
A saudade era grande e Marisa estava agora na posição de Eva, tentando compartilhar sua vergonha com Adão.
Tinha a voz e o olhar sedutores e o esforço de Renato para não fugir do controle era muito grande.
Em poucos minutos passou por sua cabeça, a tentação que havia sofrido com a garota de Boa Vista, todos os problemas que ele e os irmãos passaram em Porto Velho, Brasília e Goiânia. Rapidamente retomou o controle da situação.
-Não posso fraquejar, pensou, tenho que me manter lúcido senão ela me arrasta para fora da igreja e aí todo o meu esforço para trazê-la de volta será em vão.
-Renato!!! Oi Renato, está me ouvindo? Gritou Marisa tirando-o de seus pensamentos.
-Estou sim, escuta! O que te levou a tomar essa decisão justamente agora que estávamos prestes a receber a benção?
-Não acredito em mais nada que se refira à Igreja, quero distância de lá.
-Nós tínhamos um trato para salvar nosso casamento e construirmos um lar mais feliz e você está pondo tudo a perder.
Marisa criticava a tudo e a todos como se ela fosse vítima de algum mal que alguém da igreja tivesse feito.
-Eu vim aqui para tentar te fazer voltar atrás em meu nome e no nome de nossos filhos. Ainda podemos remediar isso.
-Não pretendo remediar nada. Estou bem do jeito que estou.
-Você sabe que se eu virar as costas e você não me acompanhar será o fim de nosso casamento não sabe?
-Sei e já me preparei para isso. Pode voltar lá para a sua igreja, tenho quem me apoie retrucou ela se referido com certeza à família do irmão que junto com ela havia também deixado a igreja.
-É sua última palavra?
-Sim, pode ir.
-Bom, então nosso próximo passo é procurar um advogado que cuide de nosso desquite.
-Faça como quiser.
Marisa foi embora.
Sua frieza nas respostas não deixava dúvidas de que aquela era uma causa perdida.
Com o coração apertado, viu-a se afastar. Sua vontade era a de correr para ela, mas não podia fazer isso. Estava claro que o amor dela por ele, também tinha ficado na igreja.
Ficou ainda algum tempo no parque com lágrimas nos olhos e passava das 22h00 quando retornou à igreja.
Tanto a pastora quanto dona Marina estavam preocupadas.
-Pensamos que você também estava abandonando a igreja.
-Calma, só fiquei fora duas horas. Não houve acordo e estou procurando um advogado para resolver essa situação.
Ambas notaram seus olhos vermelhos, mas, nada comentaram.
Dona Marina preparou uma janta e chamou-o a cozinha para comer.
-Você está péssimo hein? Marisa é cabeça dura e vai se arrepender da atitude que está tomando.
-Pois é disse Renato. Não cedeu um milímetro sequer de sua convicção.
Combinei de encontrá-la na segunda-feira para procurarmos um advogado.
Infelizmente acabou. Triste vai ser falar isso para os meninos.
-Deixe comigo, aos poucos quando perguntarem pela mãe, eu vou explicando
.
À meia noite todos se reuniram para a oração e todos contaram suas experiências do dia.
A experiência de Renato não precisava ser contada.
No dia seguinte Renato foi ao Fórum pegar uma ficha para contratar um advogado do Estado.
Ligou para Marisa combinando de se encontrarem na segunda feira seguinte.
Sinuca de bico
As coisas pareciam bem encaminhadas, porém, no domingo recebeu um telefonema dela sendo informado de que estaria viajando para São Paulo.
-Mas você tem um compromisso amanhã, esqueceu?
-Não conte comigo, não tenho o menor interesse em procurar um advogado. Estou indo agora para São Paulo.
-Mas desse jeito você está complicando uma situação que estava praticamente resolvida. Aí vou ter que fazer o desquite no litigioso, você não pensa no trabalho que isso vai dar? Porque não espera mais um pouco?
-Já estou com a passagem comprada. Você resolve esse problema a sua maneira.
Sem ação, Renato que não tinha tempo disponível nem se tivesse sido feita a separação amigável, agora se encontrava num mato sem cachorro.
Comentou o fato com a pastora que o aconselhou a ligar para o presidente, colocando-o a par da situação.
Renato ligou e pediu mais um tempo.
Precisaria agora de testemunhas, sua certidão de casamento que havia ficando na casa dos pais em Uberaba e principalmente de um bom advogado.
Ligou para o seu Carlos para que ele enviasse a certidão.
A única coisa boa nessa situação era que podia ficar mais tempo com os filhos e também com os filhos espirituais que lá estavam: Silvia, Patrícia e Clovis.
Enquanto a certidão não chegasse, ele nada podia fazer, então procurou relaxar, fazendo RM para a igreja e treinar conferência.
Passados alguns dias recebeu a certidão e de posse dela entrou com o processo de separação.
Havia conseguido uma advogada do Estado, Drª Lídia que pedia que ele providenciasse as testemunhas.
Dia 17 de fevereiro, aniversário de Vinícius. Renato pediu licença à pastora para passar o dia com os filhos e a sogra.
Embora todos ali fossem considerados irmãos, parentes mesmo, só dona Marina e seus filhos.
Foram conhecer alguns pontos turísticos de BH.
Agora tinha tempo de conhecer melhor a cidade, saber sobre sua história e ver quão bonita era, resumida num escrito do Prefeito Célio de Castro.
Belo Horizonte - Uma metrópole diferente
“Na origem de toda cidade existe um sonho. Deixando para trás o que têm, os aventureiros que partem para fazer a vida em um local desconhecido, carregam a esperança de dias melhores. Para eles só o futuro importa”.
“Misterioso, ele desafia o homem ao mesmo tempo, prometendo prosperidade e ameaçando com incertezas e dificuldades”.
A história de BH é bonita, porém, longa, e não pretendo me aprofundar no tema para não tornar esse escrito cansativo.
Basta dizer que Belo Horizonte é uma metrópole diferente, cercada por exuberantes paisagens da natureza, belíssimas cachoeiras e grutas.
Com clima privilegiado e cercada pelas montanhas da Serra do Curral, Belo Horizonte tem despertado a atenção pelo potencial eco turístico.
A poucos quilômetros do centro existem diversos roteiros para inesquecíveis passeios ecológicos, com trilhas que escondem centenas de nascentes e riachos, cachoeiras e poços de águas cristalinas.
Pequenos bares e restaurantes próximos às trilhas oferecem a típica comida mineira em fogão de lenha. Para quem gosta de adrenalina, a região é ideal para a prática de diversas modalidades de esportes de aventura. Belo Horizonte é ponto de partida também para passeios históricos.
Nas cidades históricas, pode-se apreciar a riqueza da arquitetura e do barroco mineiro, que traduzem a história do estado e do país.
No dia seguinte, Renato viajou para Uberaba para dar conferência para dez pessoas, convidadas do sr. Mauricio através do Projeto Igreja no Lar, implantado lá por ele e pela esposa Marisa.
O diretor Marcio estava em São Paulo participando de um seminário de 21 dias e havia fortes indícios de que ele e outros missionários tornar-se-iam pastores em vários Estados do Brasil.
Às 6h00 já em Uberaba dirigiu-se à casa do Sr. Mauricio no Conjunto Alfredo Freire, que juntamente com dona Laurinda e os filhos menores havia se tornado membro externos da igreja e assumiram a cidade para que dona Marina pudesse ir para BH cuidar de Eduardo e de Vinícius.
Eles já o esperavam no portão da casa, como filhos que esperam a chegada do pai.
Abraçaram-se e entraram.
Igreja no Lar em Uberaba e a força dos Filhos Espirituais
Enquanto dona Laurinda passava um delicioso café Renato os colocava a par dos últimos acontecimentos referentes a ele e Marisa.
- Não se preocupem com isso. Tenho uma providência muito maior para realizar e não posso me apegar a problemas pessoais.
Depois dona Laurinda começou a preparar o almoço para o seminário enquanto aguardavam os convidados.
Renato se sentia feliz, eram pessoas simples que não mediam esforços para agradar a Deus na sua providência.
Estavam fazendo o máximo para que aquela conferência saísse da melhor maneira possível.
O Sr. Mauricio convidou-o para ir à casa de dona Cleide e o sr. Artur, outros filhos espirituais fruto da Igreja no Lar.
Solange sua filha já assumira a igreja e estava interna e participando de um seminário em Riacho Grande.
Conversou o mesmo com eles e a razão de estar batendo na mesma tecla era porque eles a exemplo de dona Laurinda e seu Mauricio também era filhos espirituais de Marisa e Renato não queria que eles tivessem um sentimento de abandono.
Assim tentava mostrar a eles que sendo ele o principal alvo de todo aquele problema, estava forte (pelo menos tentava aparentar isso) e que já que o objetivo de se unir a ela através da benção havia se esvaído, seu propósito agora era de lutar mais e mais para que outros casais como eles pudessem ter essa chance.
Para que isso pudesse acontecer, eles (filhos espirituais) teriam de ser fortes também.
O sr. Mauricio colocou-o a par de quantas pessoas já haviam aceitado a igreja dentro do Projeto Igreja no Lar.
Tinha feito um mapa com endereço das famílias, a situação de cada um mostrando quem havia assumido totalmente, quem ainda estava em dúvida e precisava de uma melhor atenção.
-Dona Marina deixou tudo anotado eu só tive o trabalho de passar para um mapa e atualizá-lo todos os meses.
-Depois quero uma cópia desse mapa.
- Sem problema, quando formos à cidade eu tiro.
Diante dessa boa notícia, Renato sentiu-se forte para a conferência que se aproximava.
A conferência teve início as 9h00 e na hora do almoço ninguém estava interessado em parar, fazendo com que Renato prosseguisse até 16h00 sem intervalo.
No final, todos foram para a sala para almoçar e os comentários variavam.
Uns aceitaram incondicionalmente e outros não abriam mão de seus conceitos religiosos.
Porém não houve nenhuma discussão acirrada.
Caberia agora ao sr. Mauricio dar atenção àqueles que não aceitavam e aos outros alimentar aquele comprometimento.
Uma reunião para o fortalecimento da fé
Antes da conferência haviam combinado ainda na casa de dona Cleide de convidarem o maior número de pessoas que já haviam passado pela igreja para uma reunião em sua casa.
Renato queria antes de voltar para BH, dar um sermão.
Ás 20h00 todos estavam reunidos no quintal da casa, já que dentro era impossível acomodar todos.
Começou falando justamente das pessoas que por causa de um obstáculo abandonam sua meta, e não só na religião, mas em todos os segmentos da sociedade.
Em seguida falou sobre um método que estava sendo muito usado principalmente nas capitais chamado outline.
Esse método consistia na utilização da introdução ao Princípio Divino dadas pelo presidente e gravadas em vídeo cassete. Era uma maneira fácil e gostosa de se aprender a ser um bom conferencista.
Renato deixava a promessa de enviar alguns vídeos para algumas famílias.
Depois do sermão que se estendeu até perto de meia noite todos fizeram oração ali no quintal e cada um voltou para sua casa.
Renato a convite do Sr. Artur dormiu em sua casa.
Pela manhã foi com o Sr. Mauricio a Uberlândia para pegar algumas coisas que havia deixado quando saiu para o I.O.W.C.
Lá chegando encontrou Marly e Roger. Apesar da ausência de Marcio ambos estavam cuidando muito bem da igreja.
Como as circunstâncias haviam mudado seus planos, pegou somente o necessário encarregando o Sr. Mauricio de vender ou doar o restante visto que Marisa também não iria querer nada dali.
De volta a Uberaba foi para a casa dele e pela manhã dona Laurinda preparou aquele delicioso café que só mineiro sabe preparar.
Depois disso foram ao centro da cidade onde seu Mauricio alugou uma Caixa Postal para que pudesse receber livros, revistas e jornais da igreja, além claro das correspondências.
Renato acabou aproveitando para visitar uma vizinha amiga da época em que morava no Conjunto Boa Vista, outro bairro de Uberaba e por ela ficou sabendo que Marisa estava na cidade morando com o pai.
Novamente bateu aquela tristeza, pois, o bairro e a cidade cheiravam a um passado não muito distante e ele teve o impulso de procurá-la, porém se conteve.
Seu sentimento estava ainda muito forte e tinha medo de ceder à tentação por causa daquele ambiente de saudade em que se encontrava.
Na volta ao Alfredo Freire passou em frente à casa onde com o coração amargurado viu que onde antes vivia uma família tentando ser feliz, agora estava cheia de mato, sem vida e abandonado. Ainda podia ouvir os gritos de Eduardo e Vinícius correndo no quintal.
Ir a Uberaba foi um teste muito forte para sua fé e queria provar a si mesmo que nada o abalaria.
Tinha ainda um último teste para enfrentar. Estar frente a frente com ela naquele ambiente.
Falou com o Sr. Mauricio que iria sozinho pois não queria a influência de ninguém.
Ou assumia o controle ou não.
Um grande teste
Passou quase toda a manhã no centro da cidade. Sabia que a qualquer momento ela apareceria.
De fato, por volta das 11h00 ela surgiu cheia de sacolas. Provavelmente tinha ido a alguma loja.
Ela passou por ele de cabeça baixa e continuou seu caminho.
Renato por sua vez também permaneceu onde estava. Não havia motivos para tentar um diálogo. Tudo o que tinha de ser dito fora dito em BH.
Anos depois ele receberia uma carta onde ela dizia ter se arrependido de não ter parado.
Cheio de confiança, Renato sorriu. Havia vencido mais aquela batalha.
Voltou para a casa do Sr. Mauricio e contou a experiência.
Queria que eles o vissem como uma pessoa forte e dona da situação (pelo menos externamente.
Naquela mesma noite voltou a Belo Horizonte.
Estar em Uberaba palco de todos os acontecimentos da fase igreja na sua vida, foi muito gratificante. Estar com seus filhos espirituais, e dar-lhes um pouco de atenção não havia nada que pagasse.
Feliz por saber que tudo por lá estava sob controle já dentro do ônibus, adormeceu.
Se ele achava que encontraria uma Uberaba fria e triste com a falta de sua família enganou-se.
A cidade continuava linda principalmente naquela época do ano onde as chuvas deixam o verde mais verde.
Só não conseguiu ver seus pais que estavam de férias em Santos.
Na manhã seguinte já em Belo Horizonte, Renato deu entrada nos papéis. Agora era só aguardar.
Mais tarde a pastora pediu para que ele pegasse a Kombi e fosse ao Ceasa fazer compras para o seminário de sete dias que se iniciaria no sábado.
Distribuindo jornal anticomunista numa praça quase vermelha
Á noite o centro da Cidade estava intransitável. Na praça, uma multidão se reunia para ouvir um comício pelas eleições diretas, gritando palavras de ordem: “Diretas Já! ”.
Isso estava acontecendo em todos os cantos do País. O povo queria mudanças, pois, já não aguentava mais os mandos e desmandos do totalitarismo militar.
Era o início da busca pela liberdade.
Como era de conhecimento da Igreja de Unificação, no meio do povo, estaria infiltrado aquele grupo mais radical, pedindo a liberação do comunismo no Brasil.
Renato então pediu permissão à pastora para que junto com outros irmãos fosse á praça distribuir o jornal da igreja “Tribuna Universitária” que justamente naquela edição publicara uma extensa matéria falando dos perigos do comunismo.
A pastora os liberou pedindo para que tomassem cuidado e não batessem de frente com ninguém.
A alegria no rosto das pessoas era nítida, todos pedindo pelo direito de votar.
Podia-se agora falar abertamente diferente do período pós-golpe, onde qualquer grupinho na esquina era taxado de comunista.
Período esse que prendia e deportava músicos, poetas, artistas jornalista, isso quando não os “deportava” para os “porões” do Deic/Dops.
Agora bandeiras do PC e do PCdoB tremulavam junto com as bandeiras do PT.
Essa força e determinação estava representada por dois brasileiros: Tancredo Neves e Ulisses Guimarães, o Sr. “Diretas”.
Embora a igreja fosse contra o comunismo, respeitava a garra e a vontade de se mudar o País.
O caminho era este mesmo, liberdade, mas, com responsabilidade.
Dentro desse conceito anticomunista foi publicado um livro intitulado CCCP-Comunismo, Crítica e Contraproposta de autoria de Sang Hun Lee aproveitando a sigla da agora extinta República Socialista Soviética.
O livro mostra o ideal do comunismo, e as teorias de Karl Marx, dando uma proposta baseada na Bíblia e nos ensinamentos da Igreja de Unificação de como seria o mundo ideal, sem fronteiras e sem divisões.
Era justamente isso que a Igreja passava para professores e alunos universitários, através de seus seminários.
Justamente por isso, os mais radicais, aqueles que não abriam mão dos seus ideais, criticavam e perseguiam a Igreja, acusando-a de praticar lavagem cerebral, aliciar menores e outras coisas já citadas nos capítulos anteriores, colocando o povo que em sua maioria se deixava levar por atos violentos quebrando e destruindo tudo, sem conhecer os ideais da Igreja e muito menos os ideais do comunismo.
Simplesmente iam no embalo.
Na praça, Renato e os irmãos notaram que todos os que pegavam o jornal davam uma rápida passada de olhos e os guardava em suas bolsas e mochilas, talvez para lerem mais tarde com calma.
Em nenhum momento se viu jornal jogado no chão ou nas lixeiras da praça.
No dia seguinte Renato pegou novamente a Kombi da igreja e foi à Betim com dona Marina e alguns irmãos para a RM.
Sabia dirigir, mas, não tinha habilitação por isso procurou dirigir dentro do permitido para não causar confusão. A pastora dizia que ‘quem está lutando pelas coisas de Deus não tem nada a temer’.
De volta a São Paulo
Mais tarde após pegar suas coisas, foi para a rodoviária junto com a sogra e os filhos.
Estava voltando para São Paulo.
Na despedida novamente aquele aperto no coração já que estaria mais uma vez se distanciando dos filhos, mas diferente da época em que estava em Uberaba, agora ele se sentia forte, pois, estava lutando por eles.
Tudo havia sido encaminhado juridicamente falando, e agora era só esperar o desfecho do processo que separaria o casal.
No processo Renato pediu que constasse que dona Marina ficaria com a tutela das crianças.
No dia 26 de fevereiro (dia de seu aniversário) Renato estava no Terminal do Tietê e pouco mais tarde chegava à Sede Central, colocando o Presidente a par da situação, dizendo inclusive que mandaria todos os meses uma pensão para os meninos.
Havia iniciado um jejum em BH e agora estava tentando mastigar alguma coisa.
O presidente se aproximou e colocando suas mãos em seus ombros, pediu que ele se preocupasse agora em tirar o passaporte, pois, sua vida a qualquer momento poderia mudar, dizendo ainda que o fato de sua esposa ter abandonado o barco, não significava que ele não seria abençoado com o casamento.
Seria sim, só que agora claro, com outra pessoa.
Devido ao rebuliço em que se transformara sua vida nos últimos dias, não conseguiu dormir naquela noite, optando por ler o Principio Divino. Queria entender mais profundamente aquele livro.
Já passava das 4 da manhã quando tentou dar um cochilo, mas aí já era tarde, pois todos acordam às 5h00.
Por volta das 8h00, após um banho gelado para reanimar, e um bom café puro, foi ao Degram obter informações de como tirar o passaporte. (naquele tempo era mais demorado sem as facilidades do computador).
Na parte da tarde voltou ao sitio em Riacho Grande onde encontrou seus filhos espirituais de Uberaba, Belém e Manaus.
Agradeceu a Deus por vê-los fortes e decididos na fé, e nem sequer poderia pensar em abandonar o barco.
Naquela noite ele e mais sete irmãos fizeram vigília.
RM em Santos e a conjuntivite
No dia 5 de março o diretor Jair preparou uma equipe para a RM em Santos e chamou Renato para fazer a distribuição das turmas, já que ele era da cidade e conhecia bem os bairros.
Optou por levar um grupo para a Zona Noroeste e outro para bairros em São Vicente, para evitar o inimigo nº 1 de todo vendedor, o interfone, que estava em todos os prédios da orla e também de bairros próximos a ela.
No caminho, a maioria inclusive ele, pegou conjuntivite, e com muita dificuldade conseguiram levar o trabalho até as 17h00.
Depois de todos reunidos voltaram para São Paulo.
Quem estava com conjuntivite ficou no sítio e o restante foi para a Sede Central.
No sítio o pessoal entrou em fase de tratamento à base de água boricada, intercalando com treinamento de conferência.
Dias depois já curado, Renato retomou sua vida normal.
O Reverendo Kim queria que todos tivessem pelo menos o seminário de um dia na ponta da língua e assim iniciou-se uma nova maneira de se estudar o Princípio Divino, através de debates e pesquisas, para que entendessem melhor o estavam lendo.
Foram formados quatro grupos de estudos e cada qual se revezava em perguntas ao outro grupo.
O motivo dessa prática era que o líder iria chamar de doze a trinta irmãos para se tornarem missionários em diversas cidades do País.
Missão em Ponta Grossa
Renato finalmente conseguia seu passaporte. Agora era só esperar que o chamassem para a benção ou na Coréia do Sul ou nos Estados Unidos.
Mas não estava com pressa para isso, pelo contrário, enquanto não acabasse de vez com aquele sentimento por Marisa que ainda persistia em incomodá-lo, tinha certeza que o reverendo Moon com sua percepção espiritual, não o chamaria tão cedo, e isso era algo que só dependia de Renato.
Com esse pensamento, foi ao Correio passar um telegrama ao pai que faria aniversário naquele dia 1º de abril.
Ainda em condição de RM, partiu com outros irmãos para as cidades de São José dos Campos, Jacareí e um pouco mais longe, Piracicaba.
Os tempos agora eram de muito treinamento de conferência e qualquer brechinha que dava, lá estava ele e outros irmãos treinando entre si. Haviam sido escolhidos pelo líder para saírem como missionários.
No dia 17 de abril todos se reuniram na Sede Central e o presidente foi chamando um a um, designando as cidades onde atuariam.
A missão de Renato seria em Ponta Grossa PR, aquela cidade que por erro do motorista do Jumbão acabara ficando fora da rota do I.O.W.C.
Outras mudanças aconteceram naquele dia e o diretor Marcio de Uberlândia seria agora pastor da Igreja de Maceió.
Do grupo do I.O.W.C. do qual Renato fizera parte saíram mais 5 irmãos, 3 deles incluindo Renato, para o Paraná: Ponta Grossa, Apucarana e Paranaguá.
Do dia 18 até o dia 20, esse grupo e outros que a partir da chamada eram agora pastores e missionários, dedicou-se exclusivamente à RM individual e o motivo para isso era que eles teriam de a partir dali arcar com suas próprias despesas, nas cidades a que foram designados.
Comprariam o material de restauração, roupas, aluguel de um local para ficarem na cidade e outros itens que fazem parte do dia a dia de um missionário. Sozinhos teriam de andar com as próprias pernas.
No dia 21, Renato os dois irmãos e mais uma irmã que não fazia parte do I.O.W.C., mas fora escolhida como missionária em Campo Mourão, desciam na rodoviária de Curitiba.
Dali ligaram para a igreja para que viessem buscá-los.
Pouco depois um rapaz vinha em uma Kombi para levá-los.
No caminho comunicou que a pastora Ivete quanto o presidente se encontravam no Novotel, ministrando palestra num congresso para professores universitários.
-São 32 pessoas participando e todos eles aceitando muito bem as explicações, disse ele.
No dia seguinte pela manhã, antes de ir para o congresso a pastora reuniu o grupo missionário colocando-os a par do que iriam enfrentar em sua nova missão, e entre papeis e formulários a serem preenchidos por futuros participantes em suas cidades, desejou-lhes boa sorte. (Mansei) em coreano e (vitória) em português.
No dia 25 Renato já estava em Ponta Grossa, aproveitando a carona, no Jumbão que trazia alguns irmãos para a RM na cidade.
De todos os passos mais importantes na vida de um missionário, três eram fundamentais.
Alugar uma casa o mais rápido possível para ministrar as palestras, abrir uma conta em um Banco e alugar uma caixa postal, pois, cartas e telegramas era o que mais receberiam durante sua permanência na cidade.
A conta no Banco era pela necessidade de conseguir talões de cheques para aquisição de material de restauração.
Tudo isso Renato aprendeu ainda no decorrer do seminário de 40 dias que fizera antes de sair como missionário.
Naquele mesmo dia os irmãos voltaram para Curitiba.
Nesse meio tempo, Renato alugou um quarto de hotel onde tomou um banho e organizou todas as suas coisas.
Agora era somente ele e Deus, numa cidade ainda desconhecida para ele.
O primeiro dia como missionário
Iniciou um jejum de três dias pedindo a Deus que tudo pudesse correr conforme Sua vontade.
Todos os irmãos agora missionários fariam a mesma coisa e também uma condição de oração durante 40 dias com duração de 40 minutos, exatamente no mesmo horário determinado pelo líder da Igreja.
Na manhã seguinte, Renato resolveu que durante o dia se ocuparia somente com a restauração material deixando os testemunhos para a noite.
Naquele primeiro dia, por não conhecer direito a cidade optou por ficar ali pelo centro mesmo e como todo o centro, não obteve um bom resultado, apenas o suficiente para ir ao Banco e abrir uma conta.
A noite teve melhor sorte nos testemunhos, fazendo com que várias pessoas se interessasse em conhecer melhor aqueles fundamentos e dogmas da Igreja.
Sentiu que a cidade prometia coisas boas, por isso conseguir uma casa era sua prioridade número um.
No segundo dia saiu para a RM. Precisava de um mapa para detalhar seus passos nos bairros.
A noite não saiu para o testemunho preferindo fazer um resumo das conferências de que já havia participado.
Como tinha tudo anotado inclusive na época em que estava em Uberaba, isso agora com certeza lhe seria útil.
No terceiro dia, pela manhã mandou uma carta para dona Marina para saber como estavam as crianças, e também cartas para os filhos espirituais.
Á meia noite daquele dia, terminava o jejum e em um restaurante próximo tomava uma sopa leve para que o estômago voltasse a trabalhar normalmente.
No decorrer dos dias iria repondo alimentos mais sólidos.
No domingo fez sua primeira Cerimônia de Inclinação sozinho. Lembrou de sua primeira Cerimônia em Uberaba com os parentes e filhos espirituais juntos.
Agora estava só, mas, essa era uma Cerimônia de Inclinação especial, pois, marcava o início de uma nova fase em sua vida, onde só dependia de ele trazer membros que lhe fizessem companhia e o ajudassem a trilhar o caminho.
Ponta Grossa - Uma cidade de tropeiros
No dia seguinte foi à Prefeitura onde conseguiu um mapa. Em seguida foi à Biblioteca para conhecer um pouco mais da cidade.
Ligadas ao tropeirismo ainda no século XVIII, pequenas povoações começaram a surgir ao longo do caminho das tropas. Por onde eles passavam logo surgia outro morador fundando casa de comércio interessado em atender os tropeiros.
Assim iam surgindo pequenas vilas. Palmeira, Ponta Grossa, Piraí do Sul, Castro e Jaguariaíva.
Um teatro (1873), uma biblioteca (1876), indicadores do novo vigor e mentalidade arejada de seus habitantes. O núcleo urbano pontagrossense entrava em uma fase de expansão e a população local em 1890 atingia a casa dos 4.774 habitantes.
No início do século XX, a cidade respirava um “clima urbano” contando com bandas musicais que disputavam espaço para as apresentações, cinema, luz elétrica, associações beneficentes e hospital.
As praças também se constituíam em um dos principais pontos principais de encontro da sociedade local, principalmente a praça João Pessoa localizada diante da estação ferroviária (Estação Saudade), onde as pessoas se concentravam nas noites de verão.
A partir da década de 50 a cidade entra em uma nova realidade com o impulso econômico do café, trazendo riqueza e importância para a região.
Ponta Grossa faz limite com Castro ao Norte, Palmeira e Teixeira Soares ao Sul, Campo Largo ao Leste e Tibagi e Ipiranga ao Oeste.
Seu clima é subtropical úmido mesotérmico.
De posse do mapa e já com algum conhecimento dos bairros, traçou um plano de trabalho, sempre reservando a noite para a RE, pondo em mente que aqueles que se interessassem de fato por querer aprender mais, teria como opção ouvir as palestras em suas próprias casas (aulas em domicílio), até que Renato pudesse ter seu próprio local.
Durante as RM’s não deixava de passar pelas imobiliárias para ver o que conseguia.
Queria uma casa com pelo menos 3 quartos para fazer de um deles um local para suas orações.
Já estava com um talão de cheques nas mãos e agora seria mais fácil conseguir material com pagamento para 15 ou 30 dias.
Reunião em Porto Alegre - Aprendendo a dar conferência
Por outro lado, precisava sempre de uma reserva de dinheiro para os casos de emergência como aconteceu já no seu 12º dia na cidade.
Haveria uma reunião em Porto Alegre e todos os missionários das regionais deveriam estar presentes.
Ás 10 horas já estava na rodoviária de Curitiba e as 19 entravam no Jumbão com destino a Porto Alegre.
A razão desse encontro era para que todos os missionários aprendessem a ministrar conferências em duas linguagens, pois a providência estava indo rápida demais.
Uma linguagem para professores e estudantes universitários que com certeza os colocaria em xeque com perguntas mais que apimentadas e eles teriam que ter o jogo de cintura e o Princípio Divino na mente para não serem apanhados de surpresa.
A outra linguagem mais simples, porém, não menos importante, para pessoas também mais simples e, portanto, uma linguagem de fácil entendimento, sem perder o conteúdo principal da evangelização.
Diante disso cada um teria uma hora para dar conferência das duas maneiras abordando temas de livre escolha dentro do Princípio Divino.
Renato daria sua palestra no dia seguinte e o tema de sua escolha: “A Queda do Homem”.
No final de cada dia os pastores se colocavam na posição de júri assumindo um papel simbólico de professor universitário para analisar uma das linguagens, outros assumiam o papel de júri comum para julgar a outra linguagem.
Assim, cada um deles fazia sua pergunta de maneira a colocar o missionário numa situação semelhante a que um professor o colocaria.
Ao fim de todas as palestras haveria uma avaliação individual. A palestra de Renato por ser um tema mais complexo estendeu-se até 19 horas (duas horas de palestra).
Ao final todos chegaram a seguinte conclusão, inclusive os próprios missionários: Ainda teriam de percorrer uma longa estrada até poderem enfrentar as “feras” universitárias, por isso outras reuniões iguais aquelas iriam acontecer com certeza.
Já em Ponta Grossa recebeu uma carta da pastora de Belo Horizonte que o deixou feliz e triste ao mesmo tempo.
Seus filhos estavam aprendendo a escrever para poder mandar suas próprias cartinhas ao pai, mas por outro lado a saúde de ambos não estava muito boa e ela (pastora) estava pensando em mandá-los para a mãe, pois, dona Marina, devido ás constantes viagens para São Paulo e Uberaba, não tinha como cuidar deles.
Renato ligou em seguida para BH pedindo que ela tivesse um pouco mais de paciência até que ele conseguisse uma casa, pois, sua ideia era trazê-los para viver com ele.
Do outro lado da linha a pastora lhe dava 3 meses para resolver a situação.
Parecia um tempo suficiente para quem estivesse estabelecido na cidade, mas para Renato que não tinha emprego fixo e não conhecia ninguém que se propusesse a ser seu fiador era pouco tempo.
Encontrando uma casa
Porém, as coisas começariam a mudar a partir daquele telefonema. Na parte da manhã passou na Câmara Municipal pegando o nome de todos os vereadores e suplentes e também o nome do Prefeito. Depois os mandou para Curitiba junto com o relatório espiritual e material mensal, pedindo que enviassem a cada um deles o jornal Tribuna Universitária.
Na parte da tarde saiu para a RM e acabou sabendo que ali na Vila havia uma casa para alugar.
Conversando com a dona descobriu que a casa era mesma que em 1981 havia sido alugada para o missionário Willian agora pastor em Porto Velho.
Ela imediatamente concordou em alugá-la para Renato que só precisaria pegar o contrato na Imobiliária e mandá-lo para Curitiba para que fosse assinado pelo mesmo avalista de 81.
Por sorte o mesmo avalista de Willian ainda se encontrava em Curitiba e o pessoal da Imobiliária confiava nele. E isso facilitaria tudo.
A casa ficava afastada do Centro, mas, era grande, com 3 quartos uma sala enorme.
O quintal também grande abrigava várias espécies de árvores frutíferas, e uma edícula.
Logo um pensamento veio à sua cabeça. Fazer um belo de um canteiro como o pai fizera em Garça.
Ao voltar para o hotel encontrou um irmão de Curitiba esperando no saguão.
Sua missão era apresentar Renato a alguns universitários que iriam fazer um seminário nos próximos dias na Capital e a função de Renato era colocá-los a par do que seria abordado nesse seminário.
Assim foi feito e os jovens se mostraram interessados.
Dias depois já com o contrato nas mãos foi até a casa onde fez sua condição de oração de 40 dias.
A casa estava em perfeitas condições para se morar, agora era só questão de dias para mudar.
Dando palestra de uma maneira pouco convencional
Havia dado testemunho a uma moça que trabalhava em uma loja de móveis e prometeu ir à sua casa que ficava em um bairro afastado. Letícia seu nome.
No dia 19 de maio, um sábado, saiu atrás de um quadro negro pequeno e giz, mas não encontrou nada aberto.
Apelou para um Colégio de Freiras, porém, sem sucesso, conseguindo apenas uma caixa de giz.
No domingo, com um sol maravilhoso iluminando toda a cidade, por volta de 9 horas já estava em frente à casa de Letícia.
Pediu a ela que procurasse entre as amigas vizinhas, um quadro mesmo que fosse daqueles que as crianças brincam. Era melhor do que nada, mas, ninguém tinha.
O jeito foi improvisar com uma daquelas madeiras que fazem divisão em guarda roupas.
“Seja o que Deus quiser, pensou, não vai ser um mero detalhe que irá me fazer desistir, o importante é passar para ela o essencial”.
Depois com sua sala de conferências já montada a convidaria novamente.
Iniciou sua palestra com Letícia e mais algumas primas e amigas que vieram conhecer o “professor de São Paulo”, como ela o havia apresentado.
Como toda boa sala de aula, Renato teve que pedir silêncio que por diversas vezes era quebrado pelas meninas, tirando sua concentração.
Assim foi até a hora do almoço e após o mesmo, continuou até 18 horas, agora sem interrupções, pois, as meninas haviam ido para suas casas.
No final, como era de se esperar, Letícia estava boquiaberta com a revelação de que o Messias já se encontrava entre nós e queria saber mais detalhes, prometendo que iria fazer o seminário de sete dias.
Renato disse, porém, que ainda era cedo, pois, aquela não era a maneira correta de se ministrar uma palestra, e que brevemente a chamaria de novo já na casa nova.
Disse isso por perceber que Letícia estava mais interessada no “professor” do que na palestra propriamente dito e não queria perdê-la por acreditar que ela tinha um grande potencial e poderia vir a se tornar uma pessoa muito importante dentro da Igreja.
Letícia concordou.
Toda a mobília do Pastor Willian fora levada para um depósito em Curitiba, assim que ele partiu para Porto Velho.
Isso é uma prática comum entre os membros da Igreja.
Quem chega pega a mobília do outro e no fim da estada no local, deixa para o próximo e assim por diante. Apenas objetos pessoais são levados.
Renato só teria que acertar a mudança, e para isso foi à estação ferroviária saber o valor do transporte já que ficara sabendo que de trem saia mais em conta.
Ligou para a pastora em BH colocando-a a par das novidades dizendo que brevemente buscaria as crianças.
Sua cunhada Marli havia segundo a pastora, manifestado o desejo de vir morar com ele para assim tomar conta dos meninos.
Viagem para Curitiba
No dia 31 de maio mais uma vez viajava para Curitiba. Era a segunda vez em menos de um mês que ele tinha que se ausentar da cidade, deixando a RM de lado, e ficava evidente que quando seus filhos chegassem seria mesmo necessária outra pessoa para ficar com eles, além de redobrar sua reserva de dinheiro.
Uma coisa era estar só, outra era ter mais três pessoas sob sua responsabilidade.
Mas Renato era do tipo que se atirava com tudo em suas decisões. Dar certo ou não era outra história. O que não podia era deixar seus filhos passarem de mão em mão como objetos.
Queria os filhos com ele sob o risco de perdê-los para Marisa, da qual nunca mais tivera notícias.
A razão dessa nova viagem era para que todos participassem do Dia da Criação, pois, a Pastora queria todos reunidos para orarem numa grande corrente para que todos tivessem êxito em suas missões trazendo mais pessoas para a nova realidade que era a Igreja de Unificação.
Somente no dia 14 de junho Renato conseguia um tempo para ir à estação ferroviária acertar a mudança. Antes aproveitou para fechar a conta do Hotel e levar suas coisas para a casa.
Porém, mais uma vez a emenda saiu melhor que o soneto. Antes de se dirigir à estação, o carteiro lhe entregava um telegrama. Dentro dizia: “Venha a Curitiba, iremos levar seus móveis”.
Ir a Curitiba saia mais em conta do que pagar para que os móveis viessem até ele.
Além do mais, indo buscá-la, esta chegaria bem mais rápido.
Já em Curitiba escolheu só o que realmente precisava. Um fogão de 4 bocas, mesa e cadeiras, um botijão de gás, um armário, alguns cobertores e lençóis, um tapete, e o principal, um enorme quadro negro com muitas caixas de giz.
Já no Jumbão, removeram alguns bancos para que tudo coubesse direitinho, e partiram para Ponta Grossa.
Junto vinham alguns irmãos do I.O.W.C. para fazer RM e depois dos moveis montados, Renato improvisou um almoço para todos.
Mais tarde os irmãos voltaram a casa para se despedir desejando a Renato sucesso na nova morada.
No dia seguinte foi verificar sua caixa postal. Entre as cartas, uma de dona Marina que dizia que Marisa havia ido para Santos com o pai.
Dona Marisa por outro lado, teria que voltar para Uberaba para ficar com o filho Mike que precisava dela.
Por isso se fazia mais que urgente ir buscar as crianças.
Mike não pertencia à Igreja, mas, assim como seu Jaime não interferia nas decisões dos outros membros da família e apenas queria sua mãe para cuidar dele, como todo bom filho.
Em busca dos filhos e a decisão do Juiz
No dia seguinte 20 de junho, Renato foi à Prudentópolis, cidadezinha próxima de Ponta Grossa, conhecida pelo seu excelente mel, para a RM.
Depois de um dia cansativo conseguindo apenas um resultado razoável, voltou para casa viajando à noite para São Paulo para de lá ir a Belo Horizonte.
Havia recebido uma convocação para estar diante do juiz, afim, de resolver o problema do desquite.
Na viagem passou por Castro, Jaguariaíva e cidadezinhas do interior de São Paulo e lhe ocorreu a ideia de fazer um trabalho de RM por essas cidades, assim que retornasse de BH.
Ainda iria estudar que tipo de material usaria nessa RM.
Com esses pensamentos pegou no sono e teve uma viagem tranquila.
Em 22 de junho já em BH foi com dona Marina e mais dois membros da Igreja como testemunhas ao encontro de sua advogada que o esperava no Fórum.
Foram orientados sobre o que falar diante do juiz, já que nenhum deles havia passado por qualquer experiência nesse sentido e era comum que estivessem nervosos.
Já diante do juiz, uma decepção: alegando haver a possibilidade de uma reconciliação este simplesmente adiou a audiência sem sequer os receber.
Apenas comunicou a advogada que lhe enviaria uma nova convocação.
Sem poder dizer ao juiz que uma reconciliação estava totalmente fora dos propósitos, Renato teve de aceitar, pois, conforme a advogada o que o juiz decide é o que vale e argumentar que ele havia se deslocado do Paraná para esse encontro seria perda de tempo.
O aborrecimento de Renato só não foi maior porque tinha vindo para buscar seus filhos.
No dia 26 acompanhado de Marli, já estava em casa.
Uma gostosa responsabilidade
Apesar de sua responsabilidade ter agora triplicado, estava feliz, pois, tinha Eduardo e Vinícius ao seu lado.
Podia passear e brincar com eles a hora que quisesse.
Estava como dizia seu Carlos “com a vida que pediu a Deus”.
No dia 28 viajava para Guarapuava para participar de um trabalho de evangelização junto com o missionário Júlio e outros missionários da região.
Antes havia ido a Castro com quadrinho pois precisava deixar dinheiro com Marli para que ela cuidasse da casa.
Não sabia quanto tempo ficaria em Guarapuava.
Chegou à cidade na madrugada do dia 29 com a temperatura beirando os 3ºC negativos.
Tinha o endereço de Júlio, porém, àquelas horas sem uma condução ou taxi ficava difícil localizar sua casa. Resolveu ligar para ele, mas, não conseguiu completar a ligação, parecia que as linhas estavam literalmente congeladas.
Quem o ajudou foi a Polícia Militar que passava com seu carro por ali, levando-o até o endereço.
Já com Júlio e mais sete missionários entre irmãos e irmãs, tomava um chocolate bem quente para tentar amenizar o frio que estava sentindo.
Conversando, colocaram o esquema de trabalho que iriam realizar. Por volta das 3 da manhã foram descansar, pois, teriam um dia bem agitado pela frente.
A finalidade era a de dar o maior número de testemunhos possível para que, ouvindo as palestras ministradas pelo missionário Júlio, todos os participantes se comprometessem a fazer o seminário de sete dias em Curitiba.
Foi uma experiência positiva (incluindo-se aí um trabalho de evangelização no A.A. (alcoólicos anônimos), dando uma visão do Princípio Divino aos seus participantes), onde todos se deslocavam de suas casas não se incomodando com a temperatura baixíssima para ouvir aquele ensinamento diferente de tudo o que já haviam ouvido.
Dias depois todos voltavam para suas cidades, certos do dever cumprido.
Caberia agora a Júlio dar continuidade ao trabalho, visitando os participantes, afim, de manter acesa a chama até que o seminário de sete dias tivesse início.
No caminho para Ponta Grossa Renato ia observando o estrago que as geadas estavam causando às lavouras.
Estava fazendo um frio como segundo as pessoas da região disseram, nunca havia acontecido antes.
Já em casa um novo problema: Devido às fortes geadas durante a noite e o sol das manhãs, muitas telhas racharam provocando goteiras em vários pontos.
Imediatamente Renato foi comprar telhas novas e durante o dia todo se ocupou da troca.
Só por volta das 17 horas depois de todas as telhas trocadas foi que parou para descansar e ficar com as crianças.
Sonegação do Impostos
Em 14 de julho mais uma vez viajava para Curitiba para que no dia 15 todos estivessem em São Paulo para uma reunião.
Novamente teria de deixar as crianças com Marli e também seus afazeres diários.
Sabia que essas reuniões eram necessárias, porém, para ela que tinha três pessoas sob sua responsabilidade era mais complicado.
A situação financeira ficava um pouco comprometida, pois, boa parte era diluída nessas viagens que corriam por conta do missionário, além do que, quando estava em Curitiba, ou outra cidade, a RM que faziam era em prol daquela Igreja e nunca da sua.
Renato encarava tudo isso como um teste de Deus para checar sua fé e obediência, e sabia que tinha de superar estes obstáculos.
No dia 15 todos estavam em São Paulo com toda a Igreja Central completamente lotada.
Lá estava também o agora Pastor Marcio, de Maceió.
Reviu também seus filhos espirituais de Uberaba, Brasília, Belém e Manaus.
Assim todo aquele pensamento negativo dissipou-se como num passe de mágica.
A reunião foi para comunicar que apesar de todos os esforços feitos e do apoio de outras religiões, o reverendo Moon fora condenado por sonegação de impostos nos Estados Unidos, pois, a Corte não considerava a Igreja de Unificação de Utilidade Pública e por isso não a isentava como as outras.
Renato foi à Decolar onde comprou uma caixa de estampas, pois, queria assim que chegasse em casa, colocar seu plano de RM nas cidades em prática.
Descobrindo uma irmã desgarrada
Descobriu ainda que em Ponta Grossa morava uma moça que havia feito o seminário de sete dias em São Paulo, mas não havia se decidido a ficar na Igreja.
Procurando sua ficha, descobriram o nome (Silvia) e o endereço.
No dia 19 todos voltavam para suas cidades.
Já em casa passou todos os acontecimentos para Marli que nos seus dezessete anos se mostrava uma moça muito competente em relação aos deveres da casa e muito compenetrada nos assuntos da Igreja.
A preocupação de Renato agora era colocá-la em uma boa escola.
No dia seguinte de posse de seus documentos procurou um colégio próximo de casa. A ideia era que ela completasse aquele segundo semestre e no próximo ano entrasse firme nos estudos, porém, não acharia vaga nem ali e nem em outro colégio qualquer da cidade.
Infelizmente ela teria de ficar os seis meses longe dos cadernos.
Aproveitando que se encontrava no centro da cidade, pegou um ônibus e foi ao endereço de Silvia.
Ela não se encontrava em casa e ele deixou um recado aos seus pais para que ela o procurasse.
Para sua surpresa ao entardecer Silvia bateu à porta da casa.
Em pouco tempo de conversa ela dizia-se insegura e indecisa quanto ao que fazer da vida, pois, após ter feito o seminário voltou para casa, mas, as coisas já não eram mais as mesmas.
Renato a convidou para ficar interna, porém, deveria, apesar de seus já 20 anos de idade, pedir o consentimento dos pais.
No domingo ela veio participar da Cerimônia de Inclinação. Seria sua primeira vez, mas, se considerava um membro externo.
Após a Cerimônia, ainda na sala de oração, conversaram sobre suas vidas e Renato a deixou à vontade para que se decidisse.
Falou que depois de ter feito o seminário, já não conseguia suportar o modo como as coisas andavam em sua casa, com pai bebendo e fumando muito.
-Você tem que ter calma, disse Renato. Tem uma frase que diz que “quem não conhece as leis, não está sujeito a elas”. Seu pai não tem a mínima ideia do que a Igreja prega, como querer que ele siga algo que não conhece?
-Criticar o seu comportamento habitual só vai fazê-lo se afastar mais de você, e não é isso que a Igreja quer, completou.
-Mas o que devo fazer então? Perguntou Silvia.
-Continue vindo nos visitar, e você vai se sentir mais confiante e tolerante.
Uma filha espiritual
De fato, nos dias que se seguiram, Silvia não ficava um dia sem aparecer e seu modo de ver as coisas em casa ia melhorando.
Já participava inclusive das RM’s junto com Renato, claro que com o consentimento dos pais e da pastora Ivete.
Antes de se decidir a ficar interna, Silvia pediu que Renato fosse visitar seus pais, para que eles o conhecessem.
Na noite do dia seguinte, Renato estava diante dos pais dela e depois de uma conversa informal, seguida de um delicioso café, Renato saiu da casa confiante de que havia feito novos amigos.
Seus pais podiam ficar tranquilos, pois, sua filha estaria em boas mãos. Nas mãos de Deus.
Agora com mais um membro interno, poderia colocar em pratica seu projeto de restauração pelas cidades.
Conseguiu uma escola para as crianças onde elas ficariam em tempo integral e assim os três poderiam sair para a RM.
Ao mesmo tempo enviava o jornal Tribuna Universitária ao comandante do 13º Batalhão de Infantaria Blindada, que alguns dias depois lhe respondia agradecendo.
Renato preferiu fazer a RM pelas cidades a princípio sozinho para sentir o clima e para isso traçou no mapa as cidades de Irati, Guarapuava e Prudentópolis.
Com uma sacola com estampas e um tubo de cola, passava em uma marcenaria onde comprava uma folha de madeirite, pedindo que o cortassem e furassem na medida certa, e depois em um banco qualquer de praça, colava as estampas para em seguida bater de porta em porta no comércio e nas casas.
Quem passasse e o visse com certeza pensaria tratar-se de um hippie dos anos 70, porem, de cabelo cortado e barba feita além de trajes mais adequados, afinal era a imagem da Igreja que ele tinha de passar.
Estava voltando à fase do I.O.W.C. e aquela experiência adquirida lá atrás estava tendo serventia agora.
A única diferença é que não tinha o Jumbão para se locomover e mesmo passar a noite optando por dormir na praça como foi em Irati, ou na própria rodoviária (Guarapuava e Prudentópolis).
Nesse meio tempo, Silvia fazia RM em Ponta Grossa enquanto Marli cuidava da Igreja e das crianças.
O campo de atuação com quadrinhos nas cidades era fértil por isso na volta Renato propôs que Marli o acompanhasse na próxima saída deixando Silvia por conta da Igreja, já que ela não tinha tanta experiência com RM ainda.
Comunicou à pastora sua decisão de se ausentar por vários dias, pois, precisava de dinheiro para manter a Igreja e todos que nela estavam.
Um projeto de restauração por outras cidades
A pastora consentiu pedindo apenas que ele sempre mantivesse contato para o caso de uma emergência.
Assim com Marli escolheu no mapa as cidades que seriam visitadas.
Castro, Pirai do Sul, Jaguariaíva no Paraná, Itararé, Itapeva, Itapetininga e Capão Bonito no interior de São Paulo.
Com duas sacolas cheias de estampas e vários tubos de cola e outras duas com quadrinhos já prontos, partiam para mais essa aventura.
Primeiro Castro, onde ficaram o dia todo, viajando à noite para Piraí do Sul onde dormiram na própria rodoviária.
Á noite seguinte partiam para Jaguariaíva onde ficaram em um hotelzinho.
Naquela mesma tarde iam para Itararé onde por causa de uma festa na cidade os hotéis e pensões estavam lotados conseguindo um quarto semiacabado ali no centro mesmo que um rapaz ofereceu, providenciando também dois colchões.
Depois de instalados, Renato pediu que Marli fosse dormir e passou a noite toda colando estampas para o dia seguinte.
Enquanto trabalhava observava seu sono tranquilo. Jovem, bonita e cheia de energia para enfrentar os problemas da vida.
Só com muita força de vontade e fé no que acreditava podia fazer com que uma garota na flor da idade pudesse largar todos os seus sonhos e objetivos para se enfiar em uma igreja que tinha como principal dogma, dar a benção do casamento com uma pessoa que ela nem conhecia ainda.
E se ela e outras moças da Igreja eram o que eram agora, só se podia agradecer ao líder reverendo Moon. Quantas garotas nessa idade não estavam agora num quarto de hotel com o namorado, ou se drogando e se prostituindo nas esquinas da vida?
Em um pensamento nada condizente com a Igreja, desejou que ela ao invés de Marisa pudesse ter entrado antes na vida dele.
Rapidamente mudou seu pensamento que já estava entrando em uma área perigosa de sua mente.
Pela manhã deixou-a dormindo e foi buscar pão e café.
Quando voltou ela já estava de pé, de banho tomado e enquanto ele ia para o chuveiro, preparou as sacolas com os quadrinhos.
Renato saiu do banho e sorriu para ela. Cada vez a admirava mais.
Tomaram o café e saíram. Como era de costume antes de iniciarem o trabalho entraram em uma Igreja para fazer suas orações.
Itararé é uma cidade pequena e linda, maior das que já haviam passado, por isso, ficaram dois dias na cidade fazendo com que suas estampas terminassem mais rápido do que haviam imaginado.
Renato pediu que Marli voltasse a Ponta Grossa para buscar mais estampas enquanto ele encomendava várias chapas de madeirite cortadas e furadas.
Como não tinha mais nada a fazer enquanto ela não voltasse, foi para o quarto passando o resto da tarde lendo o Principio Divino.
No dia seguinte, o terceiro em Itararé foi buscar os quadrinhos e às 11 horas se encontrava com Marli na rodoviária, toda atrapalhada com aquelas quatro sacolas cheias de estampas.
Ficaram a tarde toda colando os quadrinhos e de comum acordo viajaram para Itapeva conseguindo um hotel numa área não muito agradável do Centro, porém, era o único que haviam conseguido e não queriam ficar em praças ou na rodoviária, por estar fazendo muito frio.
Teriam de dormir na mesma cama, mas na verdade nem conseguiram dormir, pois, alguma coisa estava surgindo no ar e isso os estava amedrontando. Marli como toda mulher, pressentia que algo havia mudado no comportamento de Renato.
Pediu que ele nunca deixasse de pensar na razão pela qual ele estava lutando e que mesmo que o motivo principal (Marisa) já fosse carta fora do baralho, que ele se concentrasse em seus filhos, físicos e espirituais e no ideal da Igreja.
Renato sabia que ela tinha razão, pois, o que ele já havia passado e suportado até ali, não compensava qualquer deslize.
Passaram a noite toda conversando e, só por volta das cinco horas conseguiram pegar no sono apenas para levantarem às sete.
Arrumaram as sacolas, tomaram um banho para reanimar e saíram optando por tomar um café pelo caminho e depois procurar uma Igreja para suas orações.
Itapeva também é uma cidade pequena e bonita e até 16 horas já haviam passado por todo o Centro e principais bairros.
Foram para a rodoviária para em seguida partirem para Itapetininga, chegando lá por volta das 21 horas.
Sua rodoviária grande e bonita era um convite para que eles passassem a noite por ali mesmo. Não fazia tanto frio como na noite anterior e era uma maneira de economizar.
Cobertos com um cobertor que haviam trazido, se recostaram um no outro e sentados dormiram.
Pela manhã com as costas ardendo em brasa pela posição com que acabaram ficando, pagaram para tomar um banho e depois de um café saudável saíram para o trabalho.
Itapetininga é maior do que todas as cidades que já haviam passado, por isso, tinham certeza de obter um bom resultado.
Encomendaram mais chapas e foram para os bairros.
Mais tarde foram buscar os quadrinhos e para não sentirem as mesmas dores da noite anterior resolveram ser menos pão duros e alugar um quarto dessa vez com duas camas confortáveis (mais caro também).
Um sentimento diferente
No dia seguinte trabalharam até 18 horas. Ainda havia chão para mais dois ou três dias, mas, Renato preferiu ir para Capão Bonito e cumprir a rota determinada ainda em Ponta Grossa.
Itapetininga ficaria para uma próxima oportunidade.
Capão Bonito estava em festa e havia muitos motociclistas pelo centro da cidade fazendo um enorme barulho.
Conseguiram um hotelzinho próximo à praça principal e como tinham muitos quadrinhos prontos resolveram passear pela cidade e depois ir ao cinema para assistir um filme de terror classe B com muitas cenas violentas, fazendo com que Marli pedisse para sair no meio do filme.
Por causa do barulho das motos não conseguiram dormir.
Quando estava pegando no sono Marli o chamou dizendo que estava com medo por causa do filme.
Sem pensar, Renato foi para sua cama e abraçou-se a ela tentando fazê-la dormir.
Colocou sua cabeça em seu peito e passou a acariciar seus cabelos.
Sua respiração acelerada e seu corpo quente faziam com que Renato se sentisse dominado por aquele clima sensual e gostoso.
Já nem lembrava mais como era ter uma mulher em seus braços.
O desejo começava a dominá-lo e das carícias nos cabelos passou a acariciar seus lábios seu rosto e a beijar sua testa.
O sentimento era bom para ele, mas, muito ruim para os propósitos da Igreja e sabia que se continuasse, a situação ficaria incontrolável, pois, com certeza nenhum dos dois resistiria.
Quem o trouxe à realidade foi Marli, perguntando o que ele estava fazendo.
-Não sei o que estava tentando fazer, mas, com certeza nós dois iríamos nos arrepender mais tarde. Respondeu Renato.
Sem nada dizer, Marli acatou seu pedido para que fizessem uma oração pedindo a Deus que os colocasse no caminho certo, não permitindo que cometessem nenhum deslize.
Renato voltou para sua cama e os dois conseguiram pegar no sono apesar da barulheira das motos lá fora.
Contudo, Renato já sabia que as coisas não seriam as mesmas e que estava se apaixonando pela cunhada.
Às 8 horas levantaram. O corpo doído pela noite mal dormida só foi melhorar depois de um banho frio e um café no próprio hotel.
Saíram com os quadrinhos e como era feriado, conseguiram apenas um resultado razoável.
Por volta de 16 horas voltaram ao hotel para pegar as sacolas e viajaram de volta a Ponta Grossa.
Silvia tinha conduzido a Igreja da melhor maneira possível e os meninos não deram trabalho algum a não ser uma encrenca ou outra típica de irmãos.
Renato aproveitou para checar sua caixa postal onde havia várias cartas, e uma delas em especial chamou sua atenção.
Contato com a alta cúpula militar
Era do comandante do 13º Batalhão que se dizia agradecido pelos jornais e que brevemente lhe faria uma visita.
Renato ficou contente, pois, ele poderia vir a ser um importante aliado na propagação do trabalho de evangelização aos seus comandados.
Por outro lado, sentia-se apreensivo só de imaginar estar cara a cara com uma pessoa do alto escalão militar, pois, como bem sabia, ainda não estava preparado para enfrentar essas situações.
Decidiu que colocaria o Presidente da Igreja a par de tudo.
Na parte da tarde pegou as crianças e junto com Silvia e Marli foram ao cinema.
O filme agora era mais ameno, “A Turma da Mônica”.
Nos dias seguintes começaram a notar algumas mudanças no comportamento de Eduardo agora próximo dos seus sete anos, principalmente quando Marli o levava para tomar banho e o deixava sozinho na banheira.
Por diversas vezes Renato e as garotas o ouviram conversando e rindo como se estivesse brincando com alguém.
Marli e Silvia estavam preocupadas, mas, Renato as acalmou dizendo que isso era normal, pois, a pureza de uma criança ainda que com o Pecado Original dentro de si, permite que ela veja o mundo espiritual mesmo que por alguns instantes, mas, com certeza com mais tempo do que os adultos, portanto, não havia motivo para pânico e nem Eduardo estava com problemas.
Letícia a garota que havia ouvido a palestra em sua casa veio enfim participar de uma explicação mais completa, juntamente com alguns convidados de Marli e Silvia.
As primas e amigas não vieram, por isso, não haveria interrupções.
Todos ficaram interessados prometendo fazer o seminário de sete dias assim que houvesse oportunidade.
Dias depois o Presidente aproveitando que vinha fazer uma visita ao um irmão seminarista veio à Igreja e pediu a Renato que o apresentasse ao comandante, porém, este não foi encontrado e Renato ficou de comunicar assim que conseguisse agendar um encontro.
O Presidente trazia também a notícia de que a Pastora Ivete iria realizar já no domingo próximo o tão esperado seminário de sete dias.
Renato entrou em contato com o pessoal, mas, apenas dois confirmaram presença.
Letícia não pode ir, pois, segundo ela, seus pais e também o patrão não quiseram liberá-la por tanto tempo.
Renato ficou triste, pois, ela era a pessoa em quem ele mais acreditava para o seminário, porém, tinha todo o tempo do mundo e novos convites viriam.
Mais uma viagem dentro do projeto de RM
Devido a correria entre palestras, visita do Presidente e o envio das pessoas para o seminário, acabaram deixando a RM um pouco de lado e o estoque de alimentos estava acabando, por isso, mais uma vez Renato e Marli resolveram sair para as cidades nos mesmos moldes da primeira saída.
Escolheram Telêmaco Borba, Ibaiti, Santo Antônio da Platina, Jacarezinho Ourinhos e Cornélio Procópio.
Depois de passar o dia inteiro em Telêmaco Borba uma cidade razoavelmente grande, foram para Ibaiti onde alugaram um quarto, passando a noite colando quadrinhos.
Já na noite seguinte seguiam para Santo Antônio da Platina.
De Santo Antônio da Platina foram para Jacarezinho e só se deram conta de que haviam perdido a carteira com todo o dinheiro arrecadado até ali (trinta e três mil cruzeiros) quando resolveram ir para um hotel. O remédio então foi voltar para a rodoviária e dormir por lá mesmo.
No dia seguinte Renato ainda voltou à cidade para tentar recuperar a carteira com pelo menos os documentos indo ao Correio e o jornal da cidade, mas, sem sucesso.
O dinheiro era fácil de conseguir, pois, tinham os quadrinhos, mas, os documentos dariam mais trabalho.
Sorte que Renato carregava a identidade consigo.
Depois de acordarem saíram do jeito que estavam, sem banho sem café e com a cara parecendo maracujá de gaveta.
Por volta do meio dia aí sim com algum dinheiro pararam para tomar um café reforçado para em seguida voltarem à luta.
À noite já com um resultado se não satisfatório pelo menos razoável, viajaram para Ourinhos onde preferiram tomar um banho na rodoviária e ficar por lá para dormir.
Não queriam gastar o que conseguiram, pois, um hotel em Ourinhos devia ser o olho da cara pelo tamanho da cidade.
Ourinhos faz divisa com Jacarezinho no Paraná e por ser grande, resolveram ficar mais de um dia.
Na noite do dia seguinte voltavam para o Paraná e pararam em Cornélio Procópio.
Ali ficaram numa praça a espera do raiar do dia.
Já à noite voltavam para Ponta Grossa.
Tinham obtido um excelente resultado apesar da perda do dinheiro.
Um beijo inesperado
No ônibus, cansada como era de se esperar, Marli adormeceu recostando seu rosto no ombro de Renato.
Novamente aquela respiração e seu rosto quente mexiam com a imaginação de Renato que não resistindo, tocou seus lábios nos dela.
Marli abriu os lindos olhos verdes, espantada e ele esperou a bronca que não veio. Ela apenas sorriu e novamente adormeceu.
As coisas em Ponta Grossa a exemplo da outra vez tinham corrido bem e as crianças estavam se dando bem na escola.
Renato saiu com Silvia para fazer compras e aproveitou para ligar para o comandante dizendo que o Presidente iria visitá-lo assim que ele (comandante) tivesse um espaço em sua agenda.
Em seguida ligou para o Presidente colocando-o a par da situação e passando o número do telefone do comandante. Assim encerrou aquele assunto que agora seria apenas entre eles.
A ida de Silvia para Curitiba
Alguns dias depois, Renato recebia uma carta da pastora pedindo que Silvia fosse para a capital para ficar interna lá.
Renato ficou chateado, pois, não poderia mais contar com ela em seus novos projetos.
Podia considerá-la uma filha espiritual, pois, não se diz que pai é aquele que cria? Então, Renato era seu pai, pois, tinha contribuído para que ela voltasse à Igreja.
Mas ele sabia também que tudo isso fazia parte de todo o processo dentro da Igreja e a ida de Silvia para a Igreja de Curitiba significava seu crescimento espiritual, assim como ele crescera ao sair de Uberlândia para o I.O.W.C.
O remédio era lutar com as armas que tinha, e agora sozinho, pois, Marli finalmente conseguia entrar no colégio e estudaria no período noturno.
O trabalho teria de ser limitado aos bairros de Ponta Grossa mesmo e quando muito nas cidadezinhas mais próximas para que ele pudesse voltar a tempo de pegar as crianças e levá-las para casa.
Contradizendo um superior
Num sábado pela manhã o Presidente veio à Ponta Grossa, pois, havia recebido um convite do comandante que queria conhecê-lo e também conhecer a doutrina do reverendo Moon.
Antes do encontro passou na Igreja para cumprimentar Renato.
Em dado momento, Eduardo e Vinícius adentram à casa, correndo pela sala e sujos de lama, pois, haviam acabado de jogar bola em um campinho ali perto.
O Presidente franziu o cenho e torceu o nariz, dizendo que aquele não era o comportamento adequado dos filhos de um missionário e eles deveriam ser um bom exemplo para os outros meninos.
Renato perdeu a calma e respondeu que as crianças com a idade que estavam não podiam servir de exemplo de nada e no auge de sua infância tinham mais era que brincar, se divertir e não se preocupar se estavam certos ou errados.
-O senhor vai me desculpar, mas, as únicas pessoas aqui que devem dar exemplo sou eu e a Marli já que somos adultos. Meus filhos vão brincar e se sujar sim. No momento certo eu saberei como colocá-los a par do que é a Igreja, mas, não agora, não com a idade que eles têm, respondeu indignado.
Era a primeira vez que alguém da Igreja contradizia um superior.
Ele nada respondeu e se despediu indo ao tal encontro.
Marli olhava abismada para Renato não acreditando que ele fizera aquele comentário.
Renato, porém, nada disse. Sabia que estava certo e que o Presidente também sabia.
Uma paixão perigosa
O sentimento por Marli depois dos acontecimentos em Capão Bonito havia mudado e numa noite em que ela voltava do colégio, Renato a puxou para si, beijando-a com paixão.
Marli se desesperou dizendo que aquilo não estava certo e que Renato deveria se concentrar nas coisas da Igreja.
-Eu sei que não está certo Marli, mas, eu não consigo me controlar e nem te ver mais como uma irmã. Só te vejo como mulher, uma linda mulher.
Os dias a seguir foram de angústia para ele e Marli procurava ajudá-lo pedindo que orasse muito e que pensasse principalmente em seus filhos.
Quanto mais ela lhe passava palavras de incentivo, mais seu sentimento de amor por ela crescia.
Estava na mesma posição do Arcanjo Lúcifer seduzindo Eva e induzindo-a ao pecado.
Sabia que se continuasse com aquilo, Marli poderia ceder.
Sabia também que a exemplo de Lúcifer, João Batista e tantos outros que ao falharem na providência de Deus foram abandonados por Ele, para que Ele pudesse trabalhar com outras pessoas, o mesmo aconteceria com ele e que seduzindo Marli, esta, também seria abandonada.
Fora de sintonia com a fé
Tinha que fazer alguma coisa, pois, já nem estava ligando para as coisas ao seu redor.
Não tinha ânimo para a RM e muito menos para os testemunhos, e quando tinha alguma palestra para dar, os convidados eram de Marli.
Passava por um enorme teste de fé e sabia que tinha de superá-lo.
Para isso colocou três prioridades em sua vida:
Jejum de sete dias, leitura do Princípio Divino e oração, muita oração.
A situação estava tão crítica que até a casa a dona pediu de volta alegando ser para a filha que iria se casar em breve.
Na verdade, era o atraso de dois meses no aluguel que estava precipitando as coisas.
Ela lhe dava dois meses para que providenciasse outro lugar.
Dois meses para quem tivesse fiador seria fácil, mas, para ele que só conhecia as pessoas das conferências que ele havia dado, seria um problemão.
Porém as três condições as quais ele havia se submetido pareciam estar surtindo efeito.
Já se sentia mais animado com a RM e voltava a dar conferências com mais convicção.
Estava voltando a olhar Marli como irmã novamente.
Eduardo e Vinícius como que entendendo a situação, participavam das orações.
Em uma de suas saídas para a RM, passou por uma imobiliária e viu um apartamento de três quartos em um condomínio fechado.
Pegou as chaves e foi verificar.
Uma ideia muito louca
Era um apartamento razoavelmente grande.
-Um desses quartos será a sala de conferências e oração, mentalizou ele sem se dar conta de que precisava do principal: o fiador.
Uma ideia maluca lhe veio à cabeça. Só havia uma pessoa na cidade que era conhecida de todos. O Prefeito.
Ele sim poderia ser seu fiador.
Tinha tanta certeza de que aquilo daria certo que pediu ao dono da imobiliária que guardasse o apartamento para ele por três dias deixando um sinal.
Dali foi direto à Prefeitura onde marcou uma entrevista com o Prefeito identificando-se como missionário da Igreja do reverendo Moon.
Apostou todas suas fichas nessa ideia. Se ia dar certo só Deus poderia dizer.
Ou o Prefeito o ignoraria achando tratar-se de mais um munícipe para lhe pedir algo, ou a curiosidade faria com que ele o recebesse.
Prevaleceu a curiosidade e no dia seguinte lá estava Renato diante dele em sua bonita e suntuosa sala.
Quando acabou de falar o Prefeito só fazia olhar para ele boquiaberto.
Talvez ele não esperasse que um munícipe fosse a sua sala pedir para que ele fosse seu fiador, quando geralmente ele atendia pessoas que queriam emprego ou cesta básica.
Talvez por isso também ele tenha aceitado seu argumento pedindo que lhe trouxesse o contrato para assinar.
Quando levou os documentos do Prefeito à imobiliária, mais boquiaberto ficou o dono não acreditando no que via.
Dias depois com tudo acertado Renato foi com Marli e as crianças fazer uma limpeza no apartamento.
À tarde um caminhão parava dentro do condomínio com a mudança.
Já com tudo arrumado, chamou Marli e as crianças para juntos fazerem uma oração para que as coisas corressem agora de acordo com a vontade de Deus.
Uma nova filha espiritual
Num sábado à tarde levou uma moça para assistir a uma palestra. Suzana era seu nome.
Suzana já havia passado por várias igrejas, mas, nunca se acertara em nenhuma delas. Dizia não ter encontrado ainda o caminho.
Quando ouviu a parte final da palestra foi taxativa:
-É isso que eu estou procurando.
Renato avisou-a do seminário de sete dias e ela se prontificou a participar.
Agora o pessoal do I.O.W.C. que continuava passando pela cidade, só ia à igreja para almoçar, pois, não havia espaço para que dormissem, por isso, ficavam no Jumbão mesmo.
Suzana mesmo sem ter feito ainda o seminário ia todos os dias à Igreja e arriscava umas saídas para a RM com Renato.
Tornou-se uma grande amiga de Marli e sua confidente.
Atitude estranha de Marli
Nos dias que se passava Renato verificava uma mudança no comportamento de Marli, mas, quando perguntava a ela o que estava acontecendo nunca tinha uma resposta convincente.
Já não se preocupava tanto com as orações e com a escola.
Sabendo que Suzana era sua confidente, perguntou a ela o que estava acontecendo.
A princípio ela não quis falar por tratar-se de algo confidencial, mas, Renato fez com que ela entendesse que para o bom andamento das coisas dentro da Igreja ele deveria estar a par de tudo o que acontecesse.
Descobriu então que Marli havia se apaixonado por um colega da escola.
Na noite daquele mesmo dia após ter chegado da aula, Renato a chamou para a sala de oração e disse já saber de tudo.
-Você está agindo exatamente como eu agi com você e sabe que isso significaria o fim de sua permanência na Igreja não sabe?
Marli sem pestanejar disse que aquele sentimento pelo rapaz já vinha de algum tempo desde que havia entrado na escola.
-Então quando você me dizia aquelas palavras de incentivo para que eu pensasse nas crianças e no bom andamento da Igreja você já estava com esse sentimento?
-É verdade, só não falei para que você pudesse se concentrar no que estava fazendo disse ela referindo-se ás três condições que ele havia se proposto a fazer.
Renato sentiu-se traído e pediu para que ela trouxesse o rapaz até ele, pois, queria conhecê-lo, afinal era o responsável por ela.
Quando explicou ao rapaz (Cesar) que dentro da Igreja Marli já tinha uma missão a cumprir ele riu sem entender nada.
Como dizer a ele que Marli já tinha um destino traçado através da benção do matrimônio com alguém que ela ainda nem conhecia?
Preferiu não se aprofundar no assunto, pois, ele não entenderia mesmo.
Teria que trabalhar com Marli mesmo. Será que naquela cabecinha que já estava dominada pelo amor, entraria alguma coisa do que Renato falasse?
O rapaz foi embora e naquela noite mais uma vez Renato pedia que ela refletisse sobre o que estava fazendo e tentasse fazer as três condições pelas quais ele havia passado.
Ela que sempre o aconselhara agora estava sendo aconselhada por ele.
Marli estava irredutível e não aceitou qualquer tipo de intervenção naquele relacionamento.
Infelizmente Renato a estava perdendo para o mundo.
No fundo sabia que mesmo com as condições a que se submetera e haviam dado certo, ainda assim aquilo deixou marcas profundas em Marli, que aos poucos ia perdendo a fé.
Suzana que nem o seminário de sete dias havia feito e por isso não estava a par de todos os mistérios da Igreja pouco podia ajudar e a única alternativa de Renato foi escrever uma carta para dona Marina colocando-a a par dos acontecimentos.
Dias depois seu Jaime vinha buscá-la. A ideia era levá-la para Uberaba, porém, ela se recusou a ir alegando estar estudando e que ficaria na casa dos pais do namorado.
Renato via as coisas se complicarem, pois, agora não teria mais com quem deixar as crianças.
Até que Suzana fizesse o seminário e aceitasse ficar interna ainda iria um bom tempo, por isso, pediu que o sogro os levasse para Uberaba para a casa de seu Carlos.
Junto enviava uma carta explicando tudo pedindo que cuidassem dos meninos até que ele conseguisse resolver os problemas em Ponta Grossa.
Ainda tinha esperança de que Suzana ao fazer o seminário pudesse ficar interna com ele, mas, essa esperança se dissipou quando ela resolveu abandonar tudo alegando não ser ainda aquele caminho que procurava. Claro que sua decisão se deu ao fato de ter presenciado todos aqueles problemas.
Renato poderia solicitar uma pessoa da Igreja de Curitiba e até mesmo Silvia para ajudá-lo, mas, isso não era típico de um seguidor da Igreja, seria como andar para trás.
Renato teria de lutar e vencer com as armas que tinha, e apenas comunicou a pastora o que havia acontecido. Se fosse da vontade dela enviar alguém, teria de partir dela (o que não aconteceu).
Abandonando a fé
O Natal se aproximava e Renato resolveu ir a Guarapuava para junto com Júlio fazer uma condição de RM e resolveu ficar aquela semana por lá mesmo.
No dia 26 voltava para Ponta Grossa passando pelo Correio.
Na sua caixa postal havia uma carta de seu Carlos dizendo que as crianças estavam com saudades e que queriam o pai na passagem de ano.
Marli havia ficado incomunicável.
No dia seguinte com seus documentos e uma mala, partia para São Paulo e de lá para Uberaba.
No caminho já havia decidido que iria ficar como membro externo em Uberaba ajudando o missionário de lá.
Depois do Ano Novo voltou à Ponta Grossa apenas para comunicar a pastora por telefone a sua decisão.
Antes que ela retrucasse, Renato disse que estava enviando uma carta explicando tudo e que junto iam as chaves do apartamento para que alguém rapidamente assumisse o posto.
Juntou apenas as roupas e documentos e dois dias depois já estava com seus pais e filhos em Uberaba.
Nos dias que se seguiram ainda tentou ajudar o missionário, mas, já não era a mesma coisa optando por sair da Igreja.
Definitivamente passava uma borracha em tudo que se relacionasse a Igreja e nem sequer quis saber como estavam as coisas no apartamento em Ponta Grossa e quem havia ido para lá.
Apenas tempos depois recebeu as cartas e cartões postais dos filhos espirituais e também suas duas agendas onde havia anotado toda sua trajetória na igreja desde sua volta ainda ali mesmo em Uberaba.
Aprendera muita coisa naqueles quase três anos e sentia-se apreensivo quanto ao que fazer e como fazer a partir dali. Era uma vida nova e diferente para ele, mas, mesmo assim sentia-se aliviado por estar agora do lado de fora e sem tantas responsabilidades.
Por seu Jaime acabou descobrindo que Marli estava bem e que seu relacionamento com Cesar estava caminhando da melhor maneira possível.
O primeiro passo em Uberaba era conseguir um emprego, pois, embora continuasse vendendo seus biscoitos e quadrinhos de porta em porta, não conseguia bons resultados, pois não estava fazendo isso por uma causa e sim por si mesmo.
Nem poderia vender nada em nome da Igreja, já que já não pertencia a ela.
Arrumou um trabalho numa pequena fábrica de produtos plásticos.
O salário não era bom, mas, o importante era não ficar parado.
Decidiu fazer o colegial nos mesmos moldes em que terminara o ginásio ainda em Garça, por eliminação de matérias.
Para isso entrou numa escola e iniciou os estudos.
Nos fins de semana gostava de sair com os filhos para juntos buscarem nas fazendas próximas esterco de vaca e cavalo para dar continuidade a horta que o pai havia abandonado por falta de tempo.
Gostava de contar aos filhos, as aventuras pelas quais ele e o tio Reinaldo passaram em Garça fazendo justamente aquele serviço.
Entrando em um novo projeto
Já estava a algum tempo na escola e o colégio havia recebido um comunicado de Belo Horizonte a respeito de um novo movimento de alfabetização de adultos para ocupar o lugar do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), criado em 15/12/67 pela Lei número 5379, e, extinto nos anos 80 por causa da recessão econômica, pois, o movimento sugava da nação altos recursos para manter-se ativo.
Esse era diferente, pois contava com a participação voluntária da sociedade, mobilizando professores e alunos das unidades de ensino e já vinha funcionando em várias cidades do País.
No colégio de Renato cada grupo seria representado por dois alunos de cada classe.
Esses alunos escolheriam um bairro e nesse bairro um local para iniciar o projeto.
Formados os grupos todos partiram para a ação.
Renato ficara com um rapaz que era seminarista de uma Igreja católica de Uberaba.
Irmão Celso como era conhecido.
Após terem estudado o projeto viram no mapa um bairro distante e decidiram adotá-lo.
Vila do Pássaro Preto era o nome do lugar às margens da BR-050 e ao lado da Vila Ozanan que tinha mais ou menos duas mil pessoas.
Num sábado foram conhecer o local e procuraram Aguiar, presidente da Sociedade de Melhoramentos, que falou sobre a Vila.
-Aqui não temos nenhuma infraestrutura. Sem luz nas ruas, posto policial, posto sanitário, transporte, creches e principalmente a legalização das terras. Ou seja, sem a menor condição de dignidade humana para seus habitantes.
Renato olhou de soslaio para o irmão Celso.
Seria um trabalho muito grande convencer alguém a ir dar aula ali, mas tinham que tentar.
Sentiram que aquela Vila parecia estar desvinculada do resto da cidade sem ninguém responsável por ela.
Reivindicar alguma coisa segundo Aguiar era pura perda de tempo e os políticos obviamente só apareciam por lá na época de eleição a procura de votos.
Uma única rua da Vila era asfaltada e mal iluminada, a rua por onde o ônibus passava e circulava apenas até as 18 horas por medo de assaltos na estrada e desembocava numa praça onde os políticos iam fazer os seus comícios.
O irmão Celso expôs o projeto a Aguiar que achou ótima a ideia.
Precisavam de um local para a realização das aulas, mas a escola municipal local tinha poucas salas e assim mesmo lotadas.
Tinham de expor também o projeto aos moradores e Aguiar deu a ideia de se promover uma galinhada.
Na quarta-feira seguinte com muita festa e música acompanhada da famosa galinhada mineira e com a Sociedade de Melhoramentos apinhada de gente, Aguiar apresentou Renato e Celso que munidos de um microfone deram detalhes do projeto.
Deixaram fichas de inscrição com os interessados e também com Aguiar.
Em poucos dias recebiam de suas mãos muitas inscrições.
Não precisavam se preocupar com o local, pois, Aguiar cedera uma sala da Sociedade para que na segunda e na quarta, fosse ocupada pelos alunos, já com um quadro negro e carteiras que ele havia conseguido na escola.
Contentes com o feito levaram as fichas à diretora Alice que se encarregaria de mandar uma professora voluntária para o bairro.
Aos dois caberia também a incumbência de conseguir condução para a professora já que como foi dito, os ônibus só circulavam até 18 horas.
Renato se encarregou de falar com o Secretário da Educação que sabedor do projeto se prontificou a conseguir uma Kombi para levar e trazer a professora na segunda e na quarta-feira.
Outros alunos também já tinham obtido bons resultados e todos iniciaram as aulas nos bairros quase que ao mesmo tempo.
Alice mandara a professora Cecília para a Vila.
Agora era por conta dela.
Ganhando uma coluna no jornal
Renato que voltara suas atenções para os estudos acabou conhecendo um rapaz que estava acabando de montar um jornal na cidade de distribuição gratuita e precisava de colaboradores para preencher algumas colunas do jornal.
Soubera das andanças de Renato pelo Brasil afora e viu nele um excelente colaborador.
Convidado, Renato passou a escrever matérias sobre política, religião e assuntos do cotidiano de Uberaba.
Já tinha planos de fazer jornalismo assim que recebesse o diploma do colegial mesmo antes de conhecer o jornal do amigo.
Porém ali em Uberaba e sem recursos financeiros seria muito difícil, embora o pai já desse sinal de que o ajudaria nesse sonho, ao qual Renato recusou por achar que era muito abuso os pais além de cuidarem dele e de seus filhos ainda bancar sua faculdade.
Isso ficaria para mais tarde.
Elaine, uma linda garota, loura e de olhos verdes, trabalhava como secretária no jornal e olhava para Renato com certo interesse. Os olhares de Renato também não passavam despercebidos por ela.
Estava nascendo ali uma grande amizade.
O entrevero com o Secretário de Educação
Um dia o irmão Celso lhe deu a notícia de que o Secretário da Educação havia tirado a Kombi que fazia a locomoção da professora alegando que a mesma fora designada para outros serviços mais importantes.
Mas educação de qualidade para o munícipe, não era importante?
Renato resolveu falar pessoalmente com o Secretário, mas, este foi irredutível, alegando que só tinha aquela Kombi em funcionamento, pois, as outras estavam na oficina.
Isso não justificava aquele procedimento e Renato foi falar com o irmão Celso para ver o que poderiam fazer.
-Precisamos dar um jeito nessa situação, pois, os alunos não podem ficar sem aula e a professora não vai querer pagar do próprio bolso, disse Celso.
-O salário que eu recebo lá na fábrica não dá nem para mim respondeu rindo Renato.
-Vamos conversar com o Aguiar para ver se ele tem alguma idéia, sugeriu Celso.
Naquela quarta-feira foram Renato, Celso e Cecília que resolvera mesmo sem condução dar aula.
Enquanto Cecília ia para a sala, os dois foram conversar com Aguiar.
-Bom o que a gente pode fazer é promover quantas festas e galinhadas forem necessárias para manter a professora aqui. O que vocês acham?
-Excelente ideia, disseram em coro.
A partir daquela conversa, todos os sábados eram feitas festas para arrecadar dinheiro não só para a professora, mas, também para as melhorias no bairro.
Tudo tinha de ser por conta dos moradores mesmo, que resolveram abraçar aquela causa com todas as forças.
Se era para mudar alguma coisa que partisse deles.
Com uma coluna no jornal à mão é claro que Renato não iria deixar passar em branco a oportunidade de cutucar os políticos da cidade.
A próxima matéria de sua coluna já tinha até um título: “Libertem o Pássaro Preto”
Na segunda o jornal trazia uma matéria onde Renato criticava a falta de sensibilidade dos políticos em relação à Vila e do descaso do Secretário que dava com uma mão e tirava com a outra referindo-se ao fato de ele ter tirado a condução da professora com uma explicação esdrúxula.
Quando foi para o colégio à noite foi chamado à sala da diretora Alice que mostrando o jornal em cima da mesa perguntou o significava aquela acusação.
-Só falei a verdade, respondeu.
-Sabe que eu fiquei surpresa quando estive na Secretaria e o secretário me mostrou a matéria dizendo que tinha uma pessoa na cidade que o estava criticando de maneira violenta e mais surpresa fiquei ainda quando vi que a assinatura da matéria era sua. Se ele descobre que quem assinou é meu aluno eu estou frita.
-Como assim descobrir? Ele sabe que eu sou aluno aqui, pois, foi por causa do projeto que estamos desenvolvendo que fui procurá-lo.
-Pois é, sorte minha que ele não tenha ligado os pontos. Eu quero que você escreva na próxima edição uma matéria se retratando, antes que ele junte dois com dois e descubra que é o autor da matéria. Quem sabe com isso ele não coloque a Kombi novamente à disposição.
-Sinto muito diretora, mas, não vou mudar uma vírgula do que escrevi. Primeiro que se fizer isso vou assinar um atestado de mentiroso e isso eu não sou.
Segundo que não precisamos mais da Kombi, já resolvemos esse problema.
-Quanto a haver uma represália contra a senhora, pode deixar que eu me encarrego de falar com ele e isentá-la de qualquer culpa.
Alice, o dispensou com um sorriso nos lábios. Sabia que estava certo.
Um convite para entrar política
Essa atitude e mais a matéria no jornal fez com que Renato ganhasse a admiração das quase duas mil pessoas da vila e das redondezas a ponto de pedirem para que ele fosse seu representante nas eleições que se aproximavam.
Aguiar também endossava a vontade dos moradores.
Conversando com seu Carlos, este o incentivou a aceitar o convite e durante muito tempo ficou pensando e analisando os prós e os contras.
Se aceitasse e fosse eleito não teria volta e uma vez lá dentro teria de fazer valer cada voto conquistado. Será que conseguiria trazer as inúmeras reivindicações que a vila precisava?
Será que a Prefeitura e a Câmara apoiariam seus projetos, visto que nunca tinham feito nada pela vila.
Cheio de dúvidas preferiu para tristeza de todos, não aceitar o convite.
-Não sou a pessoa certa para esse cargo, mas podem acreditar que ajudarei com todas as minhas forças, qualquer um de vocês que resolver tentar.
O próprio Aguiar é um forte candidato, porque não investir nele?
Um violão para seus ouvidos
Com o desenrolar de todos esses acontecimentos Renato acabou ganhando a simpatia de Elaine que um dia o convidou para tomar um lanche em sua casa.
Quando resolveu num sábado visitá-la, ficou boquiaberto. Aquilo não era uma casa e sim uma mansão.
Convidou-o a entrar e o apresentou aos seus pais dizendo que ele era o escritor que tinha mexido com gente grande da cidade.
Renato descobriu que seu pai era um dos diretores do Clube Atlético Mineiro responsável em Uberaba por garimpar garotos para a base do clube.
Renato caiu nas graças dos pais e passou a frequentar sua casa mais vezes.
Elaine gostava de tocar violão para ele e sempre quando ficavam a sós naquela imensidão de sala ela pedia à empregada que lhe preparasse um suco enquanto ia dedilhando suas músicas. Parecia coisa de novela.
Tinha 22 anos e sua pele devido aos banhos de sol na piscina era bronzeada e linda.
Já tivera vários namorados, mas, todos segundo ela só tinham interesse nela por causa de seu status.
Renato sentia por ela um amor fraternal e não se atrevia a passar disso.
Mas ele precisava de alguém para amar e não apenas para tocar violão para ele.
Depois de ter ido falar com o Secretário mostrando a ele que o intuito daquela matéria não era menosprezá-lo e sim fazê-lo ver que tinha agido errado fazendo o que fez sem ao menos consultá-lo ou mesmo a professora, Renato voltou às boas com a diretora.
Uma mulher nos braços depois de tanto tempo
No curso conheceu Sueli. Aliás, já a conhecia de vista, mas, foi durante o ensaio da peça Morte e Vida Severina que a diretora pediu para que apresentassem que pode estar mais tempo com ela.
Tinha 24 anos e era uma morena de cabelos longos e muito linda.
Descobriu que ela como ele também era separada e tinha dois filhos, um casal de um e três anos.
Começaram a namorar e depois de três anos de abstinência sexual por causa da Igreja, tinha novamente uma mulher por inteiro.
Na cama de um motel extravasava todo seu desejo reprimido por tanto tempo.
Muda Brasil!
O Brasil passava agora por uma nova fase política e depois de vinte anos de desmandos um presidente era novamente eleito diretamente pelo povo.
Tancredo Neves infelizmente não assumiria o posto, pois, vítima de uma doença de nome estranho viria a falecer antes da posse provocando uma comoção geral.
Em seu lugar assumiria o vice José Sarney.
Vinte anos de totalitarismo militar estava indo embora de uma vez por todas.
Renato acabara de receber seu Certificado.
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Sueli ganhara uma casa de seu pai no Conjunto Alfredo Freire, o mesmo bairro onde ele havia morado com Marisa e onde iniciou todo seu trabalho na Igreja do reverendo Moon.
Aos sábados ia para sua casa passando a noite e retornando somente no domingo pela manhã. Torcia para não encontrar nenhuma pessoa da igreja, para não ter que dar explicações do porquê de sua saída.
Preparava o café e depois ia acordar os pais.
À mesa um verdadeiro café mineiro, com queijo e manteiga que seu Carlos fazia e bolo de milho.
Depois do almoço pegava Eduardo e Vinícius e ia encontrar-se com Sueli na cidade.
De lá iam para o cinema ou ao parque de diversões.
Eram tempos felizes e Renato não havia se arrependido de ter saído da Igreja.
Tentando formar uma nova família
Tempos depois conseguia um emprego numa fábrica de fertilizantes, trabalhando a noite.
Os filhos de Sueli já haviam se acostumado a chamá-lo de pai e se davam muito bem com seus filhos.
Justamente por isso Renato estava se sentindo inseguro e temeroso em assumir um compromisso mais sério e era para esse caminho que a estrada estava apontando.
Seu emprego era bom, mas, não seguro o suficiente para que ele tomasse uma decisão daquelas.
Fábrica de fertilizantes funcionava bem apenas na entre safra. Depois disso, era cada um para o seu lado.
Era o chamado corte de funcionários até a próxima safra.
Com todos esses pensamentos e medos, resolveu dar um tempo no relacionamento e ficou um mês sem ver Sueli e seus filhos.
Pediu a ela esse tempo, pois, queria saber exatamente o que fazer de seu futuro e queria ter certeza de seu futuro na fábrica.
Continuava indo à casa de Elaine, e ela continuava a tocar violão para ele.
Ali com ela pelo menos não tinha de decidir nada.
Se a pedisse em namoro provavelmente ela aceitaria.
Era um bom partido e problemas financeiros com certeza eles não teriam.
Mas Renato não era homem de viver ás custas de mulher e além do mais onde entrava o amor nessa história já que o que ele sentia era apenas amizade?
Voltou a se encontrar com Sueli e expôs seu dilema.
-Já imaginou se assumimos um compromisso e eu acabo desempregado numa cidade onde as oportunidades são raras? Como ficariam meus filhos e os seus?
-Está certo, mas, você não precisava ter sumido assim. Não estou te cobrando nada e nunca irei cobrar, apenas quero você ao meu lado, respondeu Sueli.
Reinaldo fora enviado para lá pela fábrica em que trabalhava em Cubatão, pois, a mesma estava enviando material para lá, e ficou hospedado na casa de seu Carlos.
Trabalhava no mesmo horário de Renato e sempre que podiam ficavam trocando ideias entre um cafezinho e outro.
Os meses passavam rapidamente e as coisas na fábrica estavam ficando cada vez mais difíceis.
O fim da entre safra e do emprego
Já não se via aquele movimento intenso de caminhões carregando e descarregando fertilizante e a angustia de Renato crescia.
Gostava muito da cidade e até conhecera Chico Xavier, mas, sabia que teria de sair da cidade se não fosse aproveitado na fábrica.
Sueli assim como ele estava apreensiva, pois, havia se apegado demais aos seus filhos.
Toda a ansiedade e expectativa de Renato terminaram quando ao dirigir-se ao relógio de ponto lia um bilhete em seu cartão.
“Não vá embora antes de passar pelo Departamento Pessoal”.
Além dele mais nove funcionários recebiam o mesmo recado.
Todos já sabiam qual era o assunto.
Acabara a entre safra e o pessoal mais atingido era o do turno da noite.
Triste e desempregado pelo menos agora estava livre de toda aquela tensão.
Ao chegar em casa comunicou a mãe e na hora do almoço foi a vez de seu Carlos, saber da má noticia.
-Não se preocupe filho, você arruma outro emprego. Incentivou ele. Até lá vocês estão sob a minha proteção.
Mais uma vez Renato agradecia por ter nascido daquela família e foi para o quarto chorar baixinho.
Sabia que seu Carlos não tinha tanta certeza do que falava, pois, não era sempre que aparecia um emprego na cidade.
As crianças ainda estavam na escola e ele não queria que eles o vissem triste.
À tarde após o retorno deles saíram para jogar bola em frente à casa. Não precisava descansar, pois, não teria de voltar ao trabalho à noite.
Voltando para a cidade natal e a nova namorada
Ainda faltava falar com a namorada e quando o fez deixou claro que não poderia ficar em Uberaba e que sua intenção era voltar para Santos onde já tinha uma proposta de trabalho.
Dias antes ficara sabendo que o IBC iria fechar as portas em todo território nacional.
Diferente de Renato, porém, seu Carlos não ficaria desempregado, apenas seria funcionário em outra repartição pública.
Apenas em 1989 é que realmente o IBC se extinguiu, mas, os serviços de estocagem e fiscalização já não estavam sendo feitos pelo órgão público.
Sueli chorou e argumentou que ele poderia conseguir um emprego e que problema de moradia ele não teria, pois, sua casa estaria à disposição dele.
Renato não recuou de sua decisão.
Claro que não sentia um amor arrebatador por ela a ponto de querer formar uma família.
Seus filhos por ainda serem pequenos poderiam se moldar à educação dada por Renato, mas, Eduardo e Vinícius já não se adaptariam à convivência com ela tão facilmente, e esse era seu maior medo.
Antes de ir embora para Santos, foi agradecer ao amigo jornalista e também à Elaine e comunicar sua decisão.
Também Elaine ficou triste e se havia alguma intenção de sua parte de querer algo além da amizade com ele, esta se esvaiu.
Ao amigo prometeu continuar enviando matérias para o jornal assim que se estabelecesse em Santos.
Seu Carlos e dona Gisa ficariam com as crianças até que também se mudassem de lá já que não haveria mais a necessidade de um fiscal no armazém. Apenas Humberto o encarregado ficaria mais um tempo ainda.
-Chegando lá quero que você providencie imediatamente uma casa para morarmos, disse seu Carlos.
Dois dias depois após sua viagem, Renato já estava trabalhando em uma empreiteira dentro do Complexo Industrial da Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista) em Cubatão arranjado pelo tio Fred que era cosipano.
Morava na casa da tia Lídia irmã de dona Gisa.
Conseguira alugar uma casa em São Vicente com a ajuda do tio Paulo que fora o fiador.
No final do mês seu Carlos comunicava que lhe haviam pedido a casa e que estavam de mudança.
Em menos de dois dias já estavam todos acomodados na nova casa.
Estava se dando bem no trabalho e havia iniciado um namoro com Mila, amiga de sua prima e que ele conhecera ainda no ano de 1974.
Como os dois estavam sozinhos porque não namorarem?
Conseguiu que ela fosse trabalhar com ele na empreiteira no Setor Pessoal e o relacionamento ficava cada vez mais forte.
Mas não tão forte para que não acabasse no primeiro carnaval no início do ano de 1986.
De comum acordo resolveram cada um curtir seu próprio carnaval separado.
Na quarta-feira de cinzas no retorno ao trabalho as coisas já não seriam mais as mesmas. Ele não estava mais afim e muito menos ela, mas, a amizade continuou.
Entrando no Correio novamente
Alguns dias depois retornando do trabalho dona Gisa lhe entregou um telegrama.
Ele leu, mas, não comentou nada. Entrou no banheiro e tirou a barba que havia deixado crescer por mais de três meses.
Depois do banho, se pôs em frente de dona Gisa e seu Carlos que estranharam aquela atitude.
-O que houve, resolveu ficar com cara de bundinha de bebê? Brincou dona Gisa.
Os meninos riram daquele novo pai.
Sem dizer nada pegou o telegrama e pediu que ela lesse em voz alta.
-Mas estão te chamando para trabalhar no Correio disse ela por fim.
-É verdade, mesmo estando na empreiteira eu me inscrevi para uma vaga de carteiro e como sei que eles não admitem barba tratei de tirar. A senhora vive reclamando do meu serviço com medo que eu pegue alguma doença grave naquele ambiente poluído. Agora não precisa mais se preocupar. Se tudo der certo nos exames médicos, estou empregado.
No dia seguinte Renato viajou para São Paulo e em 20 de maio de 1986 era novamente funcionário dos Correios.
Encontrando a nova cara-metade
Seu setor de trabalho seria no Morro do São Bento.
Cheio de escadarias e numerações desencontradas, Renato passava o sábado e domingo fazendo mapas para facilitar seu trabalho.
Era um trabalho cansativo, mas, compensava pelo salário.
Depois de algum tempo começou a se interessar por uma funcionária do Colégio Estadual instalado no morro. Helena era seu nome.
O interesse era recíproco e eles passaram a trocar bilhetinhos. Assim descobriu que era casada mãe de dois filhos, mas, que não vivia bem com o marido por causa da bebida.
A cada bilhetinho ele gostava mais de Helena, não sabia se era amor ou a simples falta de uma mulher até que um dia tomou coragem e propôs que se encontrassem.
Para sua surpresa ela aceitou, mas, disse que teria que ser em lugar afastado.
Resolveram que iriam para o Guarujá no domingo.
Passaram a tarde toda e retornaram a noite sem se preocuparam com relacionamentos sexuais, apenas queriam estar juntos.
Renato sentia que seus dias de solteiro estavam terminando e que finalmente tinha encontrado a pessoa certa.
O marido dela continuava bebendo muito e maltratando tanto ela quanto os filhos e ele a queria para si propondo que fossem morar juntos.
Seu Carlos e dona Gisa apoiavam incondicionalmente sua decisão por saber que Helena já não amava mais o marido e sofria com sua presença.
As amigas dela também lhe davam a maior força para que fosse embora e ela ficou propensa a aceitar e dar uma resposta.
Não precisou pensar muito e num dos encontros no Guarujá, resolveu aceitar.
Conversando com sua prima Isabela conseguiu que o marido dela alugasse uma casa que tinham no Samambaia um bairro de Praia Grande.
Separando-se dos filhos
Chamou Eduardo e Vinícius agora com dez e seis anos e comunicou sua decisão e deu a eles a opção de escolha.
-Querem ir morar comigo e a tia Helena ou preferem ficar com a vó e o vô?
-A gente quer ficar com eles disse Eduardo.
-Está certo se é o desejo de vocês.
Renato ficou triste com a resposta, mas, entendia, pois, afinal a maior parte da vida dos dois fora passada com eles.
Além disso ele iria refazer sua vida depois de tanto tempo junto com alguém que tinha um amor sincero por ele.
Helena por sua vez falou com os filhos, Lucas com dezesseis anos e Lucia com doze.
Por causa da escola eles preferiram ficar com a avó que morava no mesmo terreno onde Helena morava.
-Quando terminarmos as aulas vamos morar com vocês. Disse Lucas.
Com tudo acertado o casal se mudou para a nova casa.
Era sacrificado ter de ir trabalhar em Santos, pois, era uma verdadeira odisseia viajar nos ônibus que circulavam naquela região, mas estavam felizes por começarem uma vida nova.
Quatro horas da manhã Helena preparava o café e em seguida iam os dois para o trabalho. Ela na escola e ele no Correio.
Só que a vida dela não estava sendo nada fácil, pois, o marido sempre a procurava na escola.
Seus filhos também estavam sendo pressionados a contar sobre o paradeiro dela.
Renato então tomou uma decisão e num domingo em que Lucas e Lucia foram para o Samambaia, abriu o jogo.
-Quero que vocês fiquem aqui conosco independente de estarem ou não estudando em Santos. Vocês não precisam e nem devem passar por essa situação ficam aqui e continuam estudando em Santos. É só evitar cruzar com seu pai.
Mesmo assim não teve jeito, pois, ele ia todos os dias à escola para ameaçar Helena e os filhos.
Optou então por pedir transferência para o colégio perto de casa e ajeitada toda a parte burocrática em poucos dias já estava no novo local de trabalho.
Lucas e Lucia também acabaram por deixar o colégio no morro e ficaram aquele final de semestre sem estudar.
Era uma pena ter que largar os estudos, mas, não havia outra solução.
Renato continuava fazendo a entrega de correspondências no morro e de vez em quando cruzava com o marido dela, que sempre perguntava se ele não sabia do paradeiro da mulher e dos filhos.
Renato disfarçava e pedia para que ele perguntasse à sogra, que previamente já havia sido orientada a não comentar nada.
Tempos depois ele também se transferia para o correio de Praia Grande.
Nesse meio tempo nascia Rodrigo o primeiro filho do casal.
Meses depois o marido de Helena viria a falecer.
Completado um ano o marido de sua prima Isabela pedia a casa, pois, tinha optado por vendê-la e já tinha até um comprador em vista.
Novamente Helena pediu transferência para o morro e foram morar na casa dela.
Aquele local não trazia boas recordações para Helena, mas, mesmo assim estava feliz por estar novamente perto de sua mãe.
Renato continuava no correio de Praia Grande, mas, queria tentar algo diferente.
Tentando a sorte por conta própria novamente
Pediu demissão e comprou um carrinho de pastel conseguindo um ponto mais ou menos bom.
Claro que sem experiência alguma naquele ramo a coisa não daria certo, e, logo foi trabalhar em uma empreiteira, mas, por pouco tempo. Logo o trabalho da empreiteira havia terminado e diante da negativa de Renato para seguir com a firma em outra cidade, pediu demissão.
Não queria ficar longe da família e pincipalmente do filho que acabara de nascer.
Nesse meio tempo havia feito um concurso em uma repartição pública municipal de São Vicente, e aguardava ser chamado. Havia passado em quinto lugar e ficara sabendo que haviam chamado os quatro primeiros colocados e já dava aquilo como perdido.
Pirassununga
Por outro lado, seu Carlos, dona Gisa e os meninos resolveram ir morar em Pirassununga, pois, uma das irmãs de dona Gisa tinha um sítio lá e queria a irmã por perto.
Convidou Renato e Helena para ir passar uns dias por lá. ficaram uma semana, pois, Helena precisava voltar ao trabalho.
Mais um mês depois e novamente eles iam à Pirassununga. Agora Helena já se encontrava em férias.
Renato ficara sabendo de um concurso na Prefeitura da cidade e resolveu se inscrever.
Dois domingos depois lá estava fazendo a prova.
Voltaram para Santos e seu Carlos ficou incumbido de ver o resultado e comunicá-lo assim que saísse.
Dias depois Renato recebia um telefonema do pai dizendo que ele havia passado em primeiro lugar.
-Vem para cá por que você deve se apresentar logo para assumir o cargo, disse ele ao telefone.
Contente Renato comunicou Helena que como tinha uma licença vencida a gozar, solicitou-a imediatamente.
Já em Pirassununga passaram a procurar casa, porém, como na cidade o aluguel era muito caro resolveram que o fariam em Leme, apenas 25 minutos dali.
Seu Carlos havia combinado com Renato que enquanto eles não conseguissem casa morariam com ele.
Outra providência a ser tomada era a transferência de Helena para um Colégio Estadual na cidade.
De volta a Santos foi à Delegacia de Ensino e iniciou o processo.
Tudo estava encaminhado e assim que estivesse resolvido mudariam para Pirassununga, Renato assumiria seu posto na Prefeitura e Helena se apresentaria na Escola.
Porém uma decisão de seu Carlos acabou por mudar todos seus planos.
Alegando estar muito triste e solitário na cidade onde não saia nem para jogar seu dominó e damas, coisa que ele fazia diariamente em São Vicente, resolveu voltar.
Como as coisas dele eram sempre num estalar de dedos, apenas comunicou Renato da decisão e dias depois já estava em São Vicente com toda sua mobília.
Pegos de surpresa Renato e Helena que não pretendiam morar no interior sozinhos, mesmo porque nem casa tinham conseguido ainda, resolveram abortar a ideia e foram imediatamente à Delegacia de Ensino afim de cancelar a transferência que graças a Deus ainda não havia sido homologada.
Outro concurso apareceu agora a nível estadual, e Renato passou em primeiro lugar sendo chamado em menos de dois meses para trabalhar no morro no mesmo colégio onde Helena trabalhava.
Assumiu o cargo e logo nascia Fabio o segundo filho.
A casa começava a ficar pequena demais para tantas pessoas e Renato conversando com Helena acabou alugando um apartamento.
Lucas e Lucia ficaram na casa, pois, o apartamento também não era grande.
Não demorou muito tempo e conversando com uma amiga da escola, Helena acabou descobrindo que um colégio estadual estava precisando de zeladora e um dos requisitos era justamente ser funcionário público.
Acharam interessante a ideia, e foram falar com a diretora, que imediatamente iniciou o processo de transferência dela para o colégio.
Renato continuava exercendo seu trabalho no colégio do morro, mas, logo se transferia para lá também já que o trabalho de zelador para Helena era muito pesado.
Algum tempo depois Lucas e Lucia iam morar com eles.
Num domingo em que estavam todos em casa, seu Wilson tio de Renato bateu no portão da escola. Trazia na mão um exemplar do Jornal que circulava em São Vicente.
Dentro, vinha uma convocação para que ele se apresentasse para entrevista na Câmara Municipal de São Vicente.
Como havia passado em quinto lugar eles resolveram antes que o concurso caducasse, chamá-lo e mais duas pessoas para outros cargos.
Depois dos exames feitos e de pedir exoneração como funcionário público estadual, em 1º de fevereiro de 1994 assumia o cargo de Contínuo
Por problemas com a nova diretora do Colégio que não admitia que ele estivesse trabalhando em outro local e continuasse morando lá acabaram não cumprindo o contrato que era de dois anos e optaram por voltar para o morro agora numa casa de aluguel, pois, Renato queria reformar e ampliar a casa de Helena.
Junto com um amigo e sem muita experiência, levantou mais dois cômodos na casa e depois de vários meses de trabalho, se mudavam para lá.
Renato fez do rádio seu hobby e trabalhou como locutor em várias rádios comunitárias de Santos e São Vicente.
Ambos exerciam esse trabalho como voluntários dentro da Ordem Franciscana Secular no Santuário de Santo Antônio do Valongo em Santos.
Enquanto isso Helena se especializava em pintura em telas.
Nesse ínterim mais um beatle iria embora. George Harrison.
Um fim inesperado
Depois de alguns anos de insistência por parte do amigo Nelson, Renato finalmente aceitava o convite para fazer parte de um dos eventos mais importantes da Cidade de São Vicente. A Encenação da Fundação da Vila de São Vicente, onde é mostrada nas areias da praia do Gonzaguinha, a chegada de Martim Afonso de Souza, para fundar a 1ª Vila do Brasil.
Ele não tinha nada a perder, seu compromisso com as rádios comunitárias, das quais fora locutor por mais de quatro anos, terminara, por conta do fechamento dessas rádios por parte do governo federal.
Também não tinha mais o compromisso com a EIC Valongo Escola de Informática e Cidadania onde foi professor por vários anos, coordenando os projetos de cidadania aos alunos mais carentes da região dos morros de Santos e adjacências, juntamente com sua amiga Eliane que além de professora era também Coordenadora Administrativa da Escola que tinha parceria com o CDI (Comitê para Democratização da Informática, criada por Rodrigo Baggio no Rio de Janeiro.
Hoje Eliane é escritora e assina com o pseudônimo Nina Reis.
Depois de ter confirmado que iria participar do evento, seu amigo lhe indicou a Secretaria de Cultura para fazer a inscrição.
Com os documentos nas mãos, pediu licença do trabalho por algumas horas e para a Secretaria se dirigiu.
Algumas horas depois estava de volta já com sua inscrição na mão.
Era o ano de 2012 e ali haveria mais uma mudança em sua vida, que ele ainda nem imaginava que iria acontecer.
Tanto ele quanto Nelson que também havia feito a inscrição, aguardavam agora a chamada para os primeiros ensaios. O que viria a acontecer no mês de novembro.
A convocação veio através de um comunicado por telefone, para que todos se apresentassem no Ginásio Dondinho (pai de Pelé), no Catiapoã, no sábado seguinte ás 16horas. para que todos pudessem ver qual seu papel na trama, e as informações que o diretor iria passar.
No sábado, Renato despediu-se de seus familiares após o almoço, entrou em um ônibus que não fazia o trajeto até o Ginásio, fazendo com que ele descesse na Avenida e seguisse a pé.
Só assim pode reparar no abandono que aquele local se encontrava, com lixo pelas esquinas, mato tomando conta das calçadas, e um canal que mais parecia uma ilha de tanto mato e sujeira, mal dando para ver a água que existia dentro dele. Renato imaginou que o Pai do Rei do Futebol não merecia um Ginásio com seu nome, num lugar tão feio e abandonado.
Finalmente estava diante do Ginásio. Na porta de entrada, o nome de cada um, inscrito e seus respectivos papéis.
Renato seria um nobre da corte de Portugal, e Nelson como o fizera em anos anteriores, seria índio da tribo Tupi e no meio da multidão que se aglomerava diante do Diretor, pôde avistar o amigo.
Depois das informações, todos foram embora. Os ensaios seriam sempre nas quartas-feiras, sábados e domingos para os nobres e os índios, enquanto que outros núcleos fariam seus ensaios em outros dias. Apenas no domingo todos se encontravam para fechar as cenas no total.
Foi com Nelson para o Centro da cidade, para dali voltar a Santos.
- E aí Renato, qual vai ser o seu papel?
- Vou ser um nobre da Corte de Portugal.
- Então se prepara porque as vestimentas são pesadas e quentes. Nesse verão é complicado, é por isso que só faço papel de índio, dá para ficar quase pelado, riu Nelson.
-Pois é! eu não escolhi o papel, escolheram para mim, mas quer saber? Eu gostei.
Despediram-se e Renato foi para casa. No dia seguinte, domingo já teriam o primeiro ensaio às 15 horas.
No domingo lá estava ele de novo no Ginásio. Sentiu-se só porque o amigo sendo de outro núcleo, já estava na arena ensaiando. Os nobres teriam que aguardar a sua vez.
Assim começou a se entrosar com um grupo, duas senhoras e dois garotos, que também seriam nobres, onde passou a conversar animadamente, pois todos já não eram marinheiros de primeira viagem e tinham experiência, no assunto, pois haviam participado de tantas outras encenações.
- Não fique nervoso, logo você se acostuma com tudo isso, disse uma das senhoras.
- Vamos combinar assim, quando sairmos do ensaio, todos vamos juntos para o centro, porque isso aqui a noite deve ser uma calamidade.
Ao término dos ensaios, todos foram para suas casas deixando Renato que residia em Santos, num ponto de ônibus próximo.
Se aquele lugar já era feio de dia, mais feio ficava à noite, pela má iluminação das ruas.
O próximo ensaio seria na quarta-feira às 19,00, no mesmo Ginásio Dondinho.
Em casa contou com detalhes, os acontecimentos à esposa e aos filhos, que zombaram dele, que por ser neto de português, já estava com meio caminho andado para se tornar um nobre.
Na segunda o comentário com Nelson não podia ser outro: Encenação da Fundação da Vila de São Vicente. Nelson contou que não faria apenas papel de figurante como índio, mas seria um dos membros que lutaria com a tribo inimiga, e ajudaria a capturar o cacique.
- Caramba! Depois de tantos anos fazendo a mesma coisa, eu merecia mesmo ter um papel de mais destaque, riu Nelson.
Na quarta, saiu do serviço, deixando sua mochila, no escritório, para não ter que ser surpreendido ao ver que no final do ensaio suas coisas tinham desaparecido.
Sugestão das duas senhoras, que não traziam nada consigo, apenas um documento e toalhinha para se enxugar do calor incessante. Nem celular levavam.
Ao chegarem, sentaram-se e ficaram observando o ensaio de outros núcleos. Os índios haviam ensaiado na terça feira, portanto, Nelson não apareceu.
Renato já estava mais familiarizado com todos, e arriscava conversar com outras pessoas além das senhoras e dos garotos.
Uma garota se aproximou, e disse que estava observando nosso grupo, e que havia reparado que ao saírem iam todos juntos.
- É verdade, nos juntamos, pois achamos esse local muito perigoso para nos arriscarmos a andar sozinhos.
Eu também moro no centro da cidade, e não tenho ninguém que me faça companhia. Estes dias vim com um amigo de carro, mas ele não pode ficar aqui me esperando, e nem vir me buscar. Posso entrar para o grupo de vocês?
- Claro que pode, mas qual é seu nome?
- Tatiana, mas pode me chamar de Ana, e o seu qual é?
- Renato, mas pode me chamar de Renato mesmo.
Os dois riram da piada, e Renato a apresentou ao resto do grupo.
- Seja bem-vinda, disseram.
O próximo ensaio estava marcado para a sexta feira no mesmo horário.
Ao chegar, Renato instintivamente procurou Ana com o olhar no meio de toda aquela multidão que se aglomerava na porta do Ginásio.
Não a encontrou, e sentiu-se frustrado, achando que ela não viria.
Subiu para a arquibancada junto com o grupo e ao olhar para a porta a viu chegando.
Ela imediatamente olhou para cima, e uma das senhoras fez sinal para ela, que logo veio ao encontro.
Lá no centro, um grupo de dança, ensaiava as coreografias que o diretor passava.
Em dado momento, Ana disse baixinho ao ouvido de Renato:
- Você parece ser uma pessoa muito legal, gostaria de ter uma experiência com alguém mais velho do que eu.
- Renato recebeu aquela mensagem, como uma música para os seus ouvidos, e seu coração se encheu de alegria, porém procurou não demonstrar, e limitou-se a dizer que gostaria de ser ele o alvo de sua experiência.
Naquela noite ao término do ensaio, não foram com o grupo, preferindo ir sozinhos, para poderem conversar melhor.
Renato, contou que vivia com sua companheira a mais de 25 anos, e que não haviam se casado por uma opção dela, mas que era como se fossem casados devido ao tempo e que estavam juntos.
Nem precisava dizer por que sua aliança na mão esquerda era bem visível.
- Na verdade, essa é minha segunda esposa. Da primeira tenho dois filhos que moram no exterior e da atual dois que estão conosco.
- Eu também tenho uma filha e um filho, ainda menores de idade, mas estou divorciada já há algum tempo.
- Não deu certo seu casamento?
- Não
- Com a minha primeira esposa também não deu certo e de nove anos, apenas ficamos juntos mesmo, pouco menos de cinco anos, mas depois te conto essa história que é comprida e complicada.
- Depois te conto a minha, que não é tão comprida, mas também é complicada, respondeu Ana.
Passaram no escritório, onde pegou sua mochila e a acompanhou até próximo de sua rua.
A partir de então, trocavam mensagens pelo celular constantemente, ora para ela saber se ele já tinha chegado em casa, ora para ele saber se ela estava bem.
No domingo como de costume, Renato saiu de casa depois do almoço, e no caminho combinou pelo celular com Ana, de se encontrarem no Shopping, pois ela iria almoçar por lá.
Como era uma época muito quente de verão, pois já estavam em dezembro, entrar no shopping com aquele ar condicionado era uma benção.
No restaurante, conversavam animadamente sobre suas vidas, e Ana, contou que já estava divorciada, há algum tempo e que na sentença do juiz, ela ficaria no apartamento com os dois filhos. Porém, por um acordo verbal entre os dois, ela permitiu que o ex-marido continuasse sob o mesmo teto.
Renato achou louvável a atitude dela, mas, ela disse que havia se arrependido, desse ato, por causa do comportamento dele a partir dali.
- Mesmo estando divorciados ele acha que ainda tem poder sobre mim, e quer ditar as ordens.
- E você está namorando outra pessoa? Perguntou Renato.
- Estou sim, um médico no hospital onde faço trabalho voluntário, e é justamente por isso que meu ex me crítica, embora não saiba quem seja. Mas e você? Conte sua história.
- Bom eu como te disse, tive uma convivência real com minha ex-esposa, apenas cinco anos, por causa de vários acontecimentos em nossas vidas. Eu conto isso em um livro que escrevi, mas não o publiquei, depois te empresto ele.
- Desse relacionamento, tivemos dois filhos, que agora moram na Espanha.
- Você escreveu um livro? Que legal, me empresta sim, vou ler com carinho.
-Por isso eu disse que minha história é tão comprida e complicada que até rendeu um livro, riu Renato.
- Depois que nos divorciamos, conheci minha atual esposa que como falei, não é minha esposa no papel, mas temos um relacionamento de mais de 25 anos.
Deixaram a conversa de lado, pois ela havia terminado de almoçar, e já estavam prontos para irem para o ensaio.
Saíram a pé e foram para o Ginásio.
Renato comentou o estado de abandono em que se encontrava aquele local em volta do ginásio, e agora reafirmava seu pensamento de que o pai do maior atleta de todos os tempos, tivesse um ginásio com seu nome, em um local naquela situação.
-Tatiana, que conhecia Pelé, mas não sabia que seu pai era esse tal de Dondinho, apenas acenou afirmativamente com a cabeça.
Tiveram pouco tempo para conversar, pois, em seguida foram chamados para o ensaio. Os nobres desta vez seriam os primeiros a entrar na quadra.
Após o ensaio que estendeu até 19 horas por causa de novas cenas que o diretor colocou, todos foram liberados ficando apenas os dançarinos para que repassassem suas cenas.
No caminho de volta, Ana disse:
- Renato, na próxima quarta-feira, meu ex-marido vem me buscar junto com meu filho então é melhor nós não ficarmos tão juntos, para que ele não fique com ideias erradas á nosso respeito.
- Ok, não tem problema, vou procurar ficar o mais longe possível de você, disse.
Internamente, porém, ficou triste e contrariado a ponto de não querer ir ao ensaio naquela quarta à noite.
Mas sabia que não podia faltar a um ensaio sequer, para não comprometer as cenas, já que cada um tinha sua marcação, e a falta de um prejudicaria os outros.
Chegou a casa, moído de cansaço, mas como sempre fazia, contava as novidades para Helena.
- Já sei que vamos ganhar uma camiseta da Encenação e no próximo domingo vamos experimentar as vestimentas.
A companheira que sempre estava ao seu lado para o que desse e viesse, ficava feliz ao vê-lo contente com o que fazia.
Renato procurava então não pensar tanto em Ana, para não correr o risco de se apaixonar e jogar uma união de tantos anos fora.
Mas não conseguia, e rapidamente a imagem dela sorrindo com seus dentes lindos e brancos, em contraste com os olhos azuis, lhes vinha à mente.
Antes de entrar em casa lia mais uma vez as mensagens no celular que tinham trocado após se despedirem, e depois as apagava para não criar problemas.
A verdade é que Renato estava se tornando um Ana dependente.
Na cama após as orações pedindo a Deus que iluminasse seu caminho, e o caminho de Ana, para que nada os desviasse de suas metas, Renato conversava sobre o dia a dia com a companheira Nina, e por fim dormiam.
Quando acordava no meio da noite, seu primeiro pensamento era em Ana.
Como ela estava e se já estava dormindo. Olhava para Nina beijava seu rosto e novamente pegava no sono.
No serviço o assunto com Nelson além do trabalho em si, era o mesmo.
- Rapaz, o ensaio ontem foi puxado e cansativo, pois o diretor teve que repetir várias vezes uma cena por causa do não entendimento de alguns.
- O nosso ensaio é mais light, porque só precisamos mesmo fazer a cena em bloco, e o meu papel já está definido, comentou Nelson.
Na quarta-feira, depois do trabalho, foi para o Ginásio, sabia que iria encontrar Ana, mas sabia também que não poderia se aproximar dela.
Ficou a uma certa distância, mas Ana o chamou dizendo:
- Pode ficar aqui comigo, meu ex marido só vai vir no final do ensaio, mas assim que ele chegar eu o aviso.
Mais contente ele sentou-se ao seu lado na arquibancada, mas a alegria durou pouco, pois, logo a seguir ela disse:
- Ele veio mais cedo e já me viu lá debaixo, melhor a gente se separar.
Renato a contragosto saiu de perto dele e foi sentar três lances abaixo da arquibancada. Viu quando ele se aproximou dela e sentou-se ao seu lado.
Era um rapaz novo, negro e forte, e então pensou:
“O que um neto de português branco baixinho e franzino, faria se o cara descobrisse seus pensamentos em relação a Ana”.
Mesmo ao lado dele ela ainda trocava mensagens com Renato pelo celular.
“Você é doidinha, e se ele lê as mensagens que você está me enviando”.
“Não lê não ele acha que estou jogando aqui no celular”.
Na hora do ensaio dos nobres, Ana disse que mesmo com ele junto fazia questão que Renato a acompanhasse, claro que com os outros amigos do grupo, que a essa altura já estavam mais do que certos que havia alguma coisa entre os dois.
Na saída para completar o dito cujo ainda a pegou no colo e desceu os degraus da escadaria.
Renato foi andando ao lado dos dois rapazes e as duas senhoras do grupo enquanto que Ana e o ex caminhavam na frente. De vez em quando ela virava para traz para observá-los e a impressão que Renato tinha era de que seus olhos não estavam felizes.
Rapidamente pensou:
“Imagine só, que chance um cara com o dobro da idade dela, com quatro filhos e uma companheira de 26 anos teria? Além disso, ela está divorciada dele, e namorando um médico. Talvez sua tristeza no olhar seja por que não foi o médico a vir buscá-la”.
Mesmo com esse pensamento, Renato os convidou para tomarem um sorvete.
Era uma chance de ficar mais um tempinho com ela.
Antes de entrar na sorveteria Renato ligou para casa dizendo que ia se atrasar um pouco, pois, iria com uma turma tomar sorvete.
Da sorveteria, Renato se despediu de todos e foi para o escritório pegar sua mochila.
Antes de ir para casa passou em uma sorveteria e comprou sorvete para a companheira e os filhos.
No dia seguinte no ônibus que o levaria para o trabalho, recebeu uma mensagem de Ana:
“Renato! Podemos nos encontrar no shopping antes de você entrar no escritório”
“Podemos sim, ainda é cedo. Aconteceu alguma coisa?”
“Não aconteceu nada, só quero te ver, ontem não foi legal nossa despedida e nem consegui dormir direito essa noite”.
O coração de Renato se encheu de emoção. Ela também estava sentindo sua falta.
No Shopping, Ana o abraçou, e ele sentiu desejo de beijá-la, mas se controlou.
Sabia que ela tinha o namorado, e não podia forçar a barra, mas seu coração já estava completamente dominado por ela.
No domingo procurou dar uma desculpa dizendo que iria se atrasar e não poderia passar no shopping como haviam combinado. Queria dissipar de uma vez por todas aquele pensamento que o atormentava, afinal sua companheira não merecia aquilo.
Lá no Ginásio, quase não conversaram e ele ficou em grupo procurando não ficar sozinho com ela.
Um esforço muito grande ao vê-la linda e ter que se distanciar um pouco dela.
Finalmente o ensaio havia terminado, e ela notando seu distanciamento, perguntou o que estava acontecendo.
-Só um pouco de dor de cabeça, tomei cerveja hoje no almoço e nem descansei um pouco, mentiu Renato.
A noite preferiu ir com ela e com o resto do grupo, para não cair em tentação.
O diretor do espetáculo havia dito que no próximo domingo os ensaios já seriam realizados nas areias da praia, para que todos se familiarizassem com o espetáculo que se aproximava.
Claro que muitos deles já estavam acostumados, mas outros como eu e Ana éramos estreantes.
A única vez em que teve contato com esse espetáculo foi em 2007, mas só para assistir. Ana, no mesmo ano havia emprestado sua voz para uma das músicas de determinada cena.
Na quarta feira novamente íamos todos ao Dondinho. Seria o último ensaio no Ginásio.
Ana estava inquieta, e não resistindo perguntou o porquê de Renato estar se distanciando dela daquela maneira.
-Fiz alguma coisa que te magoou, perguntou ela.
- Claro que não. Eu só estou tentando me livrar de um sentimento que está começando a me preocupar.
- E esse sentimento é referente a mim?
- Sim, você tem seus filhos, um namorado, mora no mesmo teto que seu ex marido, e eu também tenho minha vida definida, então me distancio o quanto posso, apesar de estarmos sempre juntos.
- Não se preocupe o que tiver que acontecer, ninguém vai impedir, respondeu Ana com segurança.
Aquela frase deixou Renato mais confuso ainda. Qual seria o sentimento dela em relação a ele?
Antes de o ensaio terminar Ana foi taxativa:
- Hoje vamos nós dois sozinhos, pois, precisamos conversar.
- Ok, você manda e eu obedeço, brincou Renato.
- Esse é o Renato que eu conheço, brincalhão e sorridente.
No caminho se despediram do grupo, e foram os dois para o centro da cidade não sem antes passarem no escritório, para apanhar a mochila.
Foi a volta mais longa que já se deu para chegar a um determinado lugar, e no caminho Renato foi dizendo o que estava sentindo em relação a ela, sem esconder mais nada.
Ana ouvia tudo com muita atenção. Em dado momento, Renato a encostou numa parede e beijou-a com paixão.
Pensou que seria afastado, mas, longe disso, ela correspondeu e procurou por outro beijo que se prolongou por vários minutos.
- Ana, não sei o que está acontecendo comigo, mas, aquilo que eu temia está acontecendo. Estou me apaixonando por você.
- Ah Renato eu não queria que isso acontecesse, mas já não consigo ficar sem pensar em você um minuto, e quando não posso me comunicar com você pelo celular porque está em casa, fico perdida.
- Devemos tomar muito cuidado com isso, você tem seu namorado, e eu...bom você sabe.
- Um namorado que apesar de gentil e carinhoso, nunca está presente quando eu mais preciso, porque também tem uma esposa.
- Mas um namorado que pode te dar um conforto para a vida toda. Coisa que eu já não poderia fazer, concorda comigo?
- Concordaria se eu colocasse somente as coisas materiais em minha vida, mas, não é o caso. Quero alguém que me dê amor de verdade, pois, já passei por muita coisa difícil em minha vida, e sinto que apesar de todo carinho que ele me dá, não me sinto segura.
Naquela noite, ele não conseguira conciliar o sono, e a toda hora levantava para tomar água pensando em toda aquela situação.
Olhava para a esposa com carinho, vendo-a dormir sem ter a noção do que estava acontecendo na mente de Renato.
Deitava-se novamente e pedia a Deus que o iluminasse e que lhe mostrasse um caminho.
Pedia a Ele que também iluminasse a mente de Ana, e que se fosse de seu agrado, que aquele sentimento entre os dois, fosse realizado.
Fim da Encenação
22 de janeiro de 2013.
Chegava o último dia da apresentação, e todos estavam, já com saudades, pela convivência que tiveram ao longo de todo aquele processo.
Para Ana e Renato, a tristeza era mais evidente, pois, até então não haviam recebido a confirmação para participarem da Encenação da Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, e isso os deixava incomodados, por saberem que seria mais difícil se encontrarem a partir dali.
A promessa de que apenas ao final da encenação, é que eles iriam se conhecer intimamente estava se aproximando, e Renato não escondia sua ansiedade.
- Vamos marcar um dia, disse Ana, também quero te conhecer.
Dias depois, ele enviou uma mensagem para ela, dizendo que sairia do serviço e iriam se encontrar para irem a um Motel.
No horário combinado, Renato que já havia acertado com um taxista, pegou Ana e foram embora.
Via-se um nervosismo muito forte no comportamento de Ana. Nem parecia a garota que estivera com ele por tantos dias.
Comentou o fato com ela, que disse:
- Realmente estou nervosa. Na expectativa de que esse possa ser nosso último encontro, dependendo de como vou me sair com você intimamente.
- Se você não está preparada para isso podemos adiar, e tentar numa próxima vez, não estou aqui só pelo seu corpo, mas, pelo que você me transmite internamente.
- Ana ficou lisonjeada com suas palavras e afirmou que deveria enfrentar aquele medo, e, portanto, iriam sim ao Motel.
Uma vez lá dentro, inibida, não quis ficar nua na sua frente, e preferiu tomar o banho sozinha.
Renato entendeu, afinal gostava muito dela, e não queria estragar aquela noite, insistindo.
Após o banho Renato sentou-se com ela à beira da cama, e conversou muito, para que ela relaxasse, e reafirmou que se não fosse do seu agrado eles marcariam outro dia.
Ana foi se sentindo relaxada e mais calma, com as palavras dele, e se amaram com todo o amor que estava acumulado dentro de si.
Ficaram lá por apenas duas horas, pois Renato não tinha justificativa plausível para se ausentar de casa por uma noite inteira.
Mentira que iria comemorar com os amigos o aniversário de um deles, e que voltaria logo.
Nunca mentira para Helena, não para esse fim, e não se sentia bem fazendo esse jogo.
Por outro lado, seu pensamento em Ana em seus braços, entregando-se a um amor proibido, o deixava feliz, mas, dividido.
Tinha que arranjar uma maneira de contar, mas no momento não conseguia coragem e as palavras certas para isso.
Dias depois, recebia um telefonema sendo informado que os ensaios para a Encenação Paixão de Cristo começariam já naquele final de semana.
Contou a novidade para Helena que mesmo chateada com a possibilidade de mais uma vez não tê-lo nos finais de semana, concordara com ele por saber que ele gostava dessas atividades.
Ana havia também recebido o telefonema, e contente mandara uma mensagem para ele.
“Vamos poder estar juntos novamente” dizia a mensagem.
Feliz, despediu-se de Helena e foi para o trabalho.
No sábado na parte da tarde, partia para o encontro com o pessoal da encenação.
A reunião e o ensaio foram realizados na Vila de São Vicente, um local criado à imagem da São Vicente antiga.
Depois das explicações por parte do diretor, todos iniciaram um exercício de aquecimento e em seguida o ensaio.
Cada um tinha seu papel, uns de destaque, como Jesus, Maria e José, Pilatos.
Outros, com destaque para as canções, incluído aí Ana.
Renato ficou por conta da percussão, trazendo de sua casa no sábado seguinte um tambor de corte.
Assim os ensaios e encontros com Ana continuaram, e a apreensão em relação a Nina e aos meninos também.
Mais o sentimento era mais forte e ele não conseguia abrir mão disso.
Uma tarde, ao chegar ao ensaio, Renato não viu Ana.
Imediatamente mandou uma mensagem para ela, mas quem respondeu foi sua filha.
“Ela não está bem, tem como você vir aqui?”
Renato comunicou o diretor que o liberou.
Era a primeira vez que ele iria ao apartamento de Ana.
Sua filha havia dito que seu pai não se encontrava em casa e ele poderia ir sossegado.
Lá dentro encontrou uma Ana abatida deitada.
- O que aconteceu com você?
Foi sua filha que explicou que ela estava triste por uma situação ocorrida em casa sem entrar e maiores detalhes.
Renato sentou-se ao seu lado e tomando sua mão foi fazendo carinho em seus cabelos.
Sua filha fez o mesmo e aos poucos Ana foi tomando cor, e se animando.
- Quer ir ao ensaio perguntou?
- Não, só vou se for com você.
- Então vamos, só vou jogar uma água no corpo e nós vamos.
Ao chegarem, o diretor imediatamente pediu que eles tomassem suas posições passando o tambor de corte para Renato.
Após o ensaio, todos ficaram, para que o diretor explicasse que já era hora de preparam as vestimentas.
Renato ligou para Helena contando do porque ficaria até mais tarde, e em seguida voltou sua atenção à fala do diretor.
- Cada um precisará trazer dinheiro para que compremos os panos que iremos usar na encenação.
Depois de tudo esclarecido e de uma das mulheres comprometer-se a comprar o material necessário todos foram liberados.
Renato e Ana ainda ficaram mais um tempo em uma praça ali nas imediações e Ana contou o que havia acontecido para que ela tivesse ficado naquele estado.
- Por que você não arranja um advogado para que ele saia de sua casa, afinal você tem dois filhos e o juiz com certeza vai manter você na casa.
Minha filha já me disse isso, mas ele é muito violento e já descobriu que estou namorando alguém, ameaçando se vingar, se por acaso eu fizer alguma coisa.
- E ele sabe com você está?
- Não.
Ele desconfia do médico, mas de você não.
- Mas você ainda está em contato com o médico, ou já deixou de vê-lo?
- Estou evitando responder suas mensagens, e não tenho me encontrado com ele. Seria muito injusta com você.
Quero devolver tudo o que ele me deu, mas, não tenho coragem de fazer isso, sobre o risco de ter de encontrá-lo e ele não entender.
- Ora fale que seu ex-marido está desconfiado e que quer que você devolva tudo.
- O problema é esse, ele quer que eu largue tudo e vá morar com ele, e se eu for pessoalmente devolver suas coisas, ele não vai aceitar.
- Eu posso fazer isso, se você quiser. Coloco tudo em um envelope, endereçado a ele, e entrego na sua sala. Como ele não me conhece será mais fácil.
- Você faria isso por mim?
- Claro! Assim você já se livra dessa situação.
No dia seguinte, Ana levou tudo o que havia recebido de presente, dentro de uma caixa.
Renato colocou dentro de um envelope, fechou e pediu para sair por uns instantes do serviço, e foi imediatamente ao hospital onde o médico estava dando plantão.
Descobriu que ele não havia comparecido nesse dia, e então teve a ideia de deixar o envelope na recepção aos seus cuidados.
Voltou para o serviço satisfeito. Ele que guardasse bem todos aqueles presentes “para não falar outra coisa”.
Por outro lado, se perguntava se estava fazendo a coisa certa.
Estava tirando a oportunidade de Ana se firmar na vida como namorada de um médico que poderia lhe dar segurança, e um curso de medicina que era o seu sonho.
Mas assim como ele, Ana estava envolvida demais naquele relacionamento e sentia-se mulher e feliz ao lado de Renato.
Estava na hora dos artistas apresentarem oficialmente seu trabalho, e o primeiro lugar foi na rua em que o diretor morava.
Foi uma noite inesquecível e a multidão aplaudia a performance dos artistas a cada cena.
Ao final todos foram convidados para uma ceia na casa de uma das moças que fazia parte da encenação e morava na mesma rua.
Todos os instrumentos e o vestuário ficaram sob os cuidados dela, pois no sábado seguinte iriam se apresentar na Praça Hipupiara.
No sábado, com a Praça lotada, o grupo se apresentou.
Após a apresentação, todos foram para a Vila de São Vicente e lá deixaram suas coisas, voltando para suas casas.
Na quarta feira á noite, Renato combinou com Ana de irem buscar suas vestimentas e seu instrumento.
Ao aproximarem-se da Vila, o ex-marido de Ana os surpreendeu, e pegando o celular começou a gravar os dois juntos, dizendo que mandaria o vídeo para sua esposa, e iria destruir sua família.
Ana tentou ponderar, mas, longe disso ele pegou na garganta de Renato ameaçando-o.
Depois largou, e foi andando enquanto os dois refeitos do susto entraram na Vila.
Seu ex-marido os seguiu, e Renato já preparado o enfrentou, dizendo que se ele fizesse alguma coisa com Ana iria se ver com ele.
- Não vou fazer nada com ela.
- Então vamos conversar propôs Renato.
- Sei que vocês são divorciados, e eu amo a Ana.
- Tenho uma situação complicada e nem sei como vou fazer, mas sei que o que sinto por ela não está mais dentro de minha razão e sim dentro do meu coração.
Você pode entender isso.
- Não entendo e nem quero entender, só sei que se te pegar com ela de novo não vai prestar.
- Ana interveio.
- Você não é mais meu marido, só estamos morando sob o mesmo teto. Isso não lhe dá o direito de decidir sobre minha vida, e nem com quem eu devo ou não namorar.
- Você pode namorar com quem quiser, menos com esse cara, disse ele furioso.
Isso foi a gota d’água para que Ana a partir dali se apegasse ainda mais a Renato.
Um dia de folga em casa, e sozinho Renato recebeu uma mensagem de Ana dizendo que estava sozinha e triste porque com sua folga ela não podia vê-lo.
- Queria tanto que você estivesse por perto.
- Quer me ver agora? Perguntou Renato.
Quero sim, mas como?
- Me espera lá no nosso motel favorito e em 30 minutos estarei lá.
Rapidamente tomou um banho trocou-se e falou para o filho que iria à São Vicente para ajudar a desmontar os cenários da encenação da Paixão de Cristo.
Pegou a bicicleta e saiu.
Helena havia ido a casa da mãe e não voltaria tão cedo.
Em 20 minutos já estava diante do motel, onde Ana já o esperava.
Entraram e tiveram uma tarde incrível.
Havia acabado a encenação e agora apenas se veriam, em encontros esporádicos.
Ana fazia questão de ir vê-lo no serviço, onde passava algumas horas com ele “fazendo” pesquisas.
Um dia ela ligou dizendo que o médico havia ficado chateado com ela pela devolução dos presentes e que queria ir embora com ela de qualquer maneira, perguntando a Renato o que ele achava daquilo.
Renato respondeu que a decisão teria de partir dela, pois ele não podia opinar.
- Achei que você ia me dizer para não aceitar porque queria ficar comigo.
- Ana, eu gostaria de definir minha situação em casa, mas para isso preciso que você também defina a sua.
- Já estou providenciando isso, e minha filha está de acordo que eu saia de casa e vá morar sozinha.
- Você está disposta a deixar seu apartamento, e ir embora sabe Deus para onde, com seus filhos? Quem tem de sair é ele e não você.
- Vamos fazer o seguinte tem um amigo meu aqui no serviço que é advogado e tenho certeza que vai te orientar sobre o que fazer. Vou conversar com ele e depois promovo um encontro entre vocês.
- Obrigada Renato, já não sei o que fazer.
Dias depois, Renato ligou para ela, pedindo que viesse ao serviço, que ele a levaria até o advogado.
- Diante do advogado, ela contou tudo o que havia acontecido, desde seu divórcio, sem mencionar o nome de Renato.
- O maior erro que você cometeu foi aceitar que ele ficasse sob o mesmo teto.
Ele se acha no direito ainda como marido, embora não seja mais, de ter você como esposa, e por isso não admite que você tenha outro, para não ser taxado de marido traído.
O advogado aconselhou-a a procurar um advogado de causa cível, pois, ele por ser o advogado de uma empresa, não poderia pegar seu caso, sob o risco de em uma audiência com o juiz, não estar disponível por estar em outro caso.
Ana compreendeu e já no dia seguinte providenciou tudo para constituir um advogado que pudesse reverter aquela situação.
Duas semanas depois, ela estava diante de uma advogada, que ao analisar o que Ana lhe expusera, achou melhor que ela realmente saísse de casa, e que iria, entrar com processo para que ele pagasse parte do apartamento.
Foi o bastante para que Ana tomasse sua decisão, e para surpresa de Renato, alguns dias depois, ela mandava uma mensagem, dando seu endereço novo.
Renato explodiu de alegria, e ao se dirigir ao trabalho, passou no novo endereço.
Era um quarto pequeno de Pousada, e ela havia levado somente seu filho, pois, sua filha sabendo do tamanho do quarto resolveu que ficaria com o pai.
Mais tarde ela diria que levantando pela manhã ao abrir a janela, era como se estivesse em outro mundo, e vendo seu filho ainda dormindo, chorou de alegria.
Naquela mesma manhã, Renato providenciou um carreto para que ela pegasse as coisas no apartamento, e a tarde já estava tudo organizado no quartinho.
Estava chegando o mês de outubro e novamente era hora de fazer a inscrição para a Encenação da Fundação da Vila de São Vicente.
Feito todo o procedimento, e também a biometria, pois agora só entraria para os ensaios quem estivesse cadastrado e teria que colocar o dedo no aparelho, senão ficava de fora todos ficaram aguardando os telefonemas, o que viria a acontecer em novembro.
O esquema era o mesmo do ano anterior. Um novo musical contando a história da Fundação com nova roupagem e novas evoluções.
Os ensaios seriam às quartas feiras à noite na Unibr, e, aos sábados e domingos no Dondinho.
Entre novembro de 2012, data dos primeiros ensaios, até novembro de 2013, a situação do bairro não mudara nada.
O mato dentro do canal, as ruas esburacadas, e a má iluminação ainda faziam parte daquele cenário.
Como Renato, não estava ali para criticar os políticos, preferiu ficar calado dessa vez, já que no ano anterior, fez uma crítica ao governo municipal, através das redes sociais, postando fotos daquele descaso.
Não surtira efeito algum, então porque se preocupar agora?
Ao sair do serviço às quartas feiras, Renato passava primeiro na casa de Ana para pegá-la e também seu filho, e aproveitava para deixar sua mochila, documentos e celular.
Antes de saírem, Ana preparava um café bem gostoso, e eles iam alimentados.
No início de dezembro, Ana sugeriu a Renato, que fizesse uma faculdade, pois achava que ele tinha potencial para o nível superior, e em contrapartida, ela faria também e assim eles se veriam mais vezes.
Concordando, fizeram suas matrículas. As aulas começariam apenas em fevereiro, então não havia como comprometer os ensaios.
Depois de exaustivos ensaios, finalmente chegava a hora de ensaiar na praia.
Era prazeroso o ensaio nas areias, pois, além de ser a noite era arejado, mas ao mesmo tempo, triste porque era o prenúncio de que o espetáculo final estava chegando.
Porém agora, eles não tinham com que se preocupar, pois estariam na faculdade e na mesma sala.
A única diferença era que os encontros presenciais eram apenas na segunda feira e o restante dos estudos eram à distância, ou seja, através de um portal do aluno.
Agora só restava um dia para a apresentação e mais uma vez, o público se amontoava nas arquibancadas.
Dessa vez Helena e os meninos não quiseram assistir, e apesar de triste, Renato se sentiu mais livre para ficar com Ana.
Fim do espetáculo, agora só restava a faculdade e os encontros, na casa de Ana, um pouco antes de entrar no serviço e depois do expediente.
Alguns encontros amorosos também iam acontecendo sempre no mesmo motel, que eles já haviam batizado de “sua segunda casa” e isso fazia com que mais e mais eles se apegassem.
Iniciaram a faculdade, e agora se viam as segundas feiras quando ele passava em sua casa tomava um lanche e a seguir iam para a sala.
Era pouco para quem estava viciado em se ver todos os dias e todas as horas.
No mais só se viam quando Renato ia para o trabalho e passava lá e a noite quando saia, sempre dava um jeito de dar uma escapadinha até sua casa.
Mas alguma coisa estava para acontecer para que novamente eles se vissem nos finais de semana.
A faculdade pedia que cada aluno complementasse suas aulas com atividades extracurriculares, e Renato não titubeou.
Sendo o diretor da Encenação também Secretário da Cultura e que tinha sob sua direção as Oficinas Culturais, onde havia teatro, dança, canto, e todo tipo de arte cultural, falou com sua irmã para que intercedesse junto a ele sobre a possibilidade de trabalhar nas Oficinas aos sábados tendo como paga, apenas as horas registradas para que constasse no currículo da faculdade.
Foi orientado que fizesse um oficio direcionado à Secretaria de Cultura, para que o Secretário analisasse e aceitasse o oficio.
Renato fez um em seu nome e outro em nome de Ana.
Alguns dias depois, ele recebia uma mensagem que dizia que eles poderiam sim participar das atividades nas Oficinas aos sábados.
Feliz mandou uma mensagem para Ana.
Mais uma vez Helena se aborreceu, mas entendeu que fazia parte de seu trabalho de faculdade.
Renato compensava isso, saindo com ela aos domingos, fazendo caminhadas ou indo para alguns lugares interessantes de Santos.
Tinha um profundo carinho por Helena, que estivera com ele tantos e tantos anos passando por grandes dificuldades.
Porém, seu coração agora batia por outra mulher, e isso o fazia sofrer muito.
O ano de 2014 corria a todo vapor, e o mês de outubro estava se aproximando, era mais uma vez época de novas inscrições para a Encenação.
Nas Oficinas Culturais, Ana e Renato ajudavam na confecção das peças que iriam compor o cenário do novo musical.
O amigo Nelson que já não participara da Encenação anterior, também não participaria dessa, dizendo que depois de vinte anos fazendo a mesma coisa se sentia cansado.
Estava se aposentando do serviço, e queria descanso, viajar para pegar “altas ondas” no exterior como ele dizia.
Ana aguardava ansiosa que Renato tomasse uma decisão em relação a eles e a Nina, mas, ele não conseguia tocar no assunto.
Talvez por covardia ou mesmo por medo de magoar quem sempre estivera ao seu lado.
Mais uma vez o destino iria conspirar para que as coisas tomassem um rumo decisivo.
Ao chegar do serviço, Renato foi para o banheiro levando o celular, como já vinha fazendo há algum tempo.
Quando saiu, foi interpelado por Helena, que descontrolada, perguntou com quem ele tanto falava no celular dizendo que não era boba e já tinha percebido tudo.
Sem ação, Renato foi obrigado a confessar o que se passava e que já não aguentava mais aquela situação.
Helena sabia que havia alguma coisa, mas, não contava com a resposta de Renato.
- Você perguntou, e eu estou sendo sincero.
- Foi até bom, pois, me tirou um peso que eu estava carregando no coração há muito tempo.
Desesperada ela questionou o porquê de tudo aquilo ter acontecido, e sem ter o que dizer Renato apenas comentou que involuntariamente tinha acontecido.
Não houve mais discussão e os dois após tomarem o café foram dormir.
Nem Renato nem Helena conseguiam dormir, e passaram a conversar agora mais calmos.
Os dias transcorriam normais, em termos porque agora Helena já sabia aonde ele ia depois que saía do serviço, e aonde ia depois da faculdade.
Ainda não sabia que Ana também frequentava as aulas da faculdade às segundas feiras e Renato preferiu não comentar para não apimentar mais o assunto.
Os ensaios como no ano anterior se davam às quartas feiras na Unibr, e aos domingos no Dondinho, que continuava tendo ao seu redor na mesma calamidade de sempre. Parecia que aquele setor de São Vicente estava esquecido pela Prefeitura.
Aliás, não só aquele setor, mas, o setor todo chamado São Vicente.
Era um absurdo o que estavam fazendo com a cidade.
Uma cidade com uma história tão bonita, contada através da Encenação, estava abandonada pelas autoridades “in” competentes e não havia uma luz no fim do túnel para que a situação mudasse.
Era vergonhoso para o povo vicentino, ver expostas nas mídias. A sujeira, a saúde, a educação e outros assuntos, de forma até jocosa.
Era vergonhoso também ver os turistas, irem para as cidades vizinhas porque não aguentavam o mau cheiro nas praias.
A Encenação, de 2015 seria mais um musical, pois, a fórmula de 2013 e 2014 estava dando certo, então por que não repetir, com outra roupagem?
Já que a realidade da cidade era o caos, melhor contar histórias lindas de sua fundação, para trazer ao peito do vicentino um orgulho momentâneo.
Novamente também, era usada a biometria, para que se adentrasse ao ginásio e mais uma vez tanto Renato quanto Ana, seriam nobres da corte portuguesa.
A Tramoia
Num sábado de ensaio, Renato recebeu a ligação de sua ex mulher dizendo que precisava falar com ele com urgência sobre seu filho que se encontrava em Barcelona.
- Estou ensaiando, e agora não posso sair.
- Depois do ensaio venha para cá, precisamos conversar.
Estranhando aquele telefonema, Renato contou para Ana, e os dois continuaram conversando até que seu núcleo fosse chamado.
Ana havia comprado uma papelaria em Santos e estava feliz, com seu trabalho. Também havia adquirido um carro.
Sua loja era próxima da casa de Renato e muitas vezes ele havia ido para lá para depois irem os dois para as Oficinas Culturais.
Agora para a encenação não era diferente.
Depois do ensaio, Renato levou Ana até sua casa e depois de um beijo de despedida foi para casa da ex-mulher.
Lá chegando ela lhe ofereceu um café, e começaram a conversar.
A conversa em nenhum momento girou em torno do filho em Barcelona, mas, sim sobre o que estava acontecendo com Renato e a mulher com quem ele estava saindo.
- Ela tem idade para ser sua filha, Renato, o que você está fazendo da sua união com Helena?
- Eu não sei o que está acontecendo, só sei que estou amando demais essa mulher.
Comentou que as pessoas o chamavam de “velho tolo” por estar com uma mulher mais nova, que com certeza estava tirando seu dinheiro.
- Você se engana, o mais certo era eu tirar dinheiro dela, porque ela tem carro loja e eu somente meu emprego e minhas dívidas.
- O comentário é que quem mobília a casa dela é você.
- Pois é as pessoas falam o que querem, mas a realidade é outra. Eu mal consigo manter minha casa, como vou dar dinheiro para outra mulher?
Helena sabe de minha situação, e sabe que eu não tenho como desviar um centavo do meu dinheiro.
Nesse momento, Helena saia de um outro cômodo da casa, e furiosa passou a agredi-lo com palavras pesadas.
- Ah então era uma armação?
- Você não presta Renato, tenho certeza que você desvia dinheiro de casa para dar para essa mulher.
- Sua certeza está errada Helena, e eu preferia conversar com você em casa e não nessa situação.
- Você ouviu perfeitamente o que eu disse à Mariza, não pago nada para ela, pelo contrário.
Como aquele assunto não ia acabar, Renato disse:
- Estou indo embora, vai comigo ou vai ficar aí?
Sem remédio, Helena, o acompanhou.
- No caminho Renato, inconformado, disse que Helena não precisava ter feito aquilo, envolvendo outra pessoa que embora tenha sido sua esposa, não tinha o direito de criticá-lo.
Helena se afastou e passou a andar a passos largos na frente dele.
Renato ia caminhando e pensando que seu desespero era tanto que ela pedia ajuda para que alguém o trouxesse de novo à realidade.
Pegaram o ônibus e foram conversando agora mais calmamente.
Em casa não comentaram sobre o sucedido com os filhos.
Eles não mereciam passar por aborrecimentos, já que eles tinham os seus próprios, como a falta de emprego que assolava o País e não lhes dava perspectiva alguma em relação ao futuro.
Apesar de já maiores de idade continuavam com os pais, e tinham todo o apoio deles para estudar.
Emprego era uma questão de tempo.
No domingo, Renato foi dar sua costumeira corrida na praia, mas desta vez resolveu apenas caminhar.
Ligou para Ana e colocou-a a par de tudo que havia acontecido, conversaram por várias horas, e por fim disse a ela que na segunda ao ir para o serviço passaria na sua casa.
Helena comentou que gostaria de conversar com a moça, para ver o que estava acontecendo.
- Eu posso conseguir esse encontro desde que você me prometa que vai se comportar diante dela.
- Você me conhece e sabe que não sou uma pessoa violenta. Só quero saber o que tanto te chamou a atenção nela.
Num sábado depois de ir à loja, combinou com Helena para que ela fosse até a Praça da Vila de São Vicente que Ana se encontraria com ela.
- Saio daqui com ela e te encontro lá, por volta de 16 horas.
Ana estava insegura quanto ao que dizer e qual a reação de Helena, diante dela.
- Fique tranquila, já conversei com ela e ela me garantiu que não vai se alterar diante de você. Mas, por via das dúvidas estarei por perto, já que o assunto é entre você e ela.
Depois de saírem da loja ela a filha e Renato passaram em uma lanchonete e em seguida foram para o encontro.
Deixou a filha em frente ao prédio onde morava e depois foram para a Vila de São Vicente.
Helena já a esperava.
Renato ficou afastado, e viu quando as duas se sentaram e passaram a conversar.
Ficaram algumas horas conversando e logo após se despediram.
Renato aproximou-se e despedindo-se de Ana foi para casa com Helena.
No caminho foram conversando, e ela disse que tiveram uma conversa muito boa com Ana, e que realmente ela demonstrava gostar muito dele.
Helena entendeu que aquela situação estava fazendo muito mal a ele, e que havia dito a Ana que esperasse até que seu irmão se casasse, já que os dois eram os padrinhos e também que passasse o Natal.
Ambas concordaram.
Passado o casamento e o Natal, Renato continuava em casa, e esperou até que acabasse a Encenação.
Novamente os ensaios eram direcionados à praia, e logo depois as apresentações oficiais.
Renato levou convites para Helena, que se dispôs a ir.
Ao final de uma das apresentações, Renato saia com Ana pelos portões dos camarins, quando Helena puxou-o pelo braço.
Ana se surpreendeu, mas, despediu-se dos dois, sem alarde, apenas com o olhar triste.
Renato e Helena saiam e foram para casa.
No caminho iam falando da encenação da qual ela gostara muito já que na primeira vez que foi havia chovido muito.
Não tocaram no assunto Ana naquele dia.
Era como se ela estivesse já conformada com tudo.
Passada a encenação, Renato continuava indo na loja antes de ir para o serviço.
Agora Helena já sabia que ela tinha uma loja ali perto, e que ele ia lá antes do trabalho.
Ainda ficou o mês de fevereiro com ela e parte de março.
Em meados de março saia definitivamente da vida de Helena.
Foi difícil os primeiros dias e Renato por várias vezes foi apanhado por Ana chorando, ao ponto de sugerir a ele que voltasse para casa, pois via que ele estava sofrendo com uma separação de tantos anos.
Renato estava disposto a voltar para casa, porém uma coisa aconteceu fazendo com que ele revisse a situação.
Um dia estando em casa (no quarto agora maior que eles haviam conseguido na Pousada), Ana recebeu a visita inesperada de Helena.
Renato estava no trabalho quando as duas apareceram e Helena foi logo brigando com ele.
Ainda não tinha almoçado, pois, aguardava que Ana levasse a sua comida.
- Sua comida está esparramada no quintal da Pousada, disse Helena com raiva.
Ela havia ido à casa para criticar Ana por uma situação que havia acontecido em sua casa.
Acreditava que o culpado era Renato, e demorou muito tempo para que ele comprovasse que não tinha culpa nenhuma.
Com isso a vontade de voltar para ela, acabou ficando para trás por causa de sua reação impensada.
Em outubro de 2015 ambos mudavam para uma casa maior, e em 25 de junho de 2016, finalmente Renato podia dar seu sobrenome à Ana.
Tempos depois se mudavam para um apartamento mais confortável, onde estão até hoje.
Quanto à Helena tornou-se sua amiga, e Renato vai sempre à sua casa, visitá-la e ver os filhos, embora eles ainda estejam muito magoados com sua atitude.
Mas com certeza, eles ainda vão compreender que os mistérios do coração só Deus pode decifrar.
Em novembro de 2016, talvez por toda a pressão pela qual havia passado, Renato adquiriu um linfoma no estômago e depois de vários testes, no início de 2017 e confirmada a doença passou a fazer sessões de quimioterapia, e após várias sessões já não havia mais vestígios da doença. Foi-lhe aconselhado a fazer radioterapia, para que o mal não voltasse a qual ele seguiu à risca.
Uma batalha pesada e complicada, mas, que teve um desfecho feliz.
Epílogo
Aqui acaba a história de alguém que se não conseguiu usar de todo seu conhecimento para que o mesmo fosse aplicado em seu cotidiano, pelo menos aprendeu muito desde sua primeira aventura ainda em Barueri.
Ah! E o Santos depois de sua última conquista sendo campeão paulista em 1984, seria também campeão brasileiro em 2002, 2004.
Claro que se não fosse por um erro, (erro não, roubo mesmo) do juiz márcio rezende de freitas (isso mesmo, com letra minúscula, porque em consideração ao escritor do livro: O MELHOR DO SÉCULO NAS AMÉRICAS, Guilherme Gomez Guarche) também me recuso a escrever esse nome em letra maiúscula) tirando descaradamente o título do Santos em favor do Botafogo carioca.
Foi campeão paulista em 2006, 2007 e 2010 com os novíssimos meninos da vila, sendo também campeão da Copa do Brasil em 2010 tendo como protagonistas Paulo Henrique Ganso e Neymar que ainda conquistariam em 2011, o 19º Campeonato Paulista e o Tri Campeonato da Libertadores da América.
Recentemente mais seis títulos foram considerados como conquistas nacionais, fazendo com que o time se tornasse Octacampeão Brasileiro ao lado do Palmeiras.
Hoje Renato está aposentado, e finalmente sossegado sem o bichinho da aventura a lhe incomodar vivendo com Ana, a expectativa de uma nova mudança radical em sua vida, mas, agora uma mudança literal, já que conseguiram o sonho de todo casal: ter uma casa própria no interior de São Paulo.
Todos têm uma história para contar, eu contei a minha.
FIM